Jack White: crítica de Lazaretto (2014)

John Anthony Gillis sofre de um delay temporal. Nascido em Detroit em 9 de julho de 1975, o vocalista e guitarrista de 38 anos que o mundo conhece como Jack White é um artista único, com um talento singular e uma maneira de ver a música que difere totalmente dos seus colegas de geração. E isso é uma qualidade gigantesca. Enorme. Decisiva.

Em uma conversa regada à música e algumas doses, um amigo levantou a questão: “Jack White é o único cara atual que poderia fazer a sua carreira durante os anos 1970 que não passaria vergonha com os artistas daquela época”. Não tive, e continuo não tendo, como fugir da resposta pura e simples: sim, concordo.

Mais uma vez, White surpreende com um trabalho primoroso, dono de uma personalidade hipnótica, com canções que trazem a própria vida para os sulcos, o sangue pulsando nas caixas de som. Assim como o sensacional Blunderbuss (2012), Lazaretto, seu segundo álbum solo (lançado dia 10 de junho pela Third Man Records, selo e gravadora do próprio White), é de cair o queixo. Arranjos inventivos, grandes melodias emoldurando excelentes canções, execução cheia de feeling: as onze faixas oferecem ao ouvinte um novo mergulho no universo imaginativo de Jack White, derramando doses maciças de dopamina direto na veia.

Como aconteceu em Blunderbuss, aqui vale o mesmo princípio: esqueça os tempos de Jack no White Stripes. As guitarras cheias de noise, os gritos descontrolados e a bateria monocórdica são coisas do passado. Em sua carreira solo, além de contar com músicos estupidamente melhores que a bela Meg White, Jack explora outros caminhos sonoros, ainda que com ocasionais olhadas para trás. Outra vez, o piano divide os holofotes com a guitarra, em um duo instrumental que acrescenta um terceiro ingrediente em Lazaretto: o violino. E a união entre as cordas, as teclas e o arco dão a característica própria e ao mesmo tempo peculiar do trabalho. As intervenções de violino imprimem, em algumas passagens, um agradabilíssimo tempero country, que soa ainda mais belo ao ser amparado e conduzido por arranjos que, em sua maioria, têm o piano como protagonista. A guitarra está sempre presente, com direito a alguns solos bastante inspirados e com uma abordagem que varia entre acordes sóbrios e ataques de fúria.

Com todos esses pontos, Lazaretto é um trabalho profundo e mais denso que Blunderbuss. A estreia solo de White agradava de imediato, apresentando uma sequência de faixas excelentes que impressionava logo de cara. Em Lazaretto a qualidade é similar, porém demanda mais do ouvinte. É preciso se acostumar com a abordagem própria, com a forma com que Jack White conduz as canções. É preciso abrir a cortina e penetrar nas trevas, na neblina, na escuridão. Mas, ao se acostumar com ela, tudo faz sentido, passando a soar de maneira tão intensamente bela quanto o disco anterior.

O vocalista e guitarrista entrega canções inspiradas, excelentes, boas mesmo - pra caramba, do caralho e afudê, pra deixar bem claro. Tudo é de alto nível, com detalhes capazes de colocar um grande sorriso no rosto de qualquer fã de música. A releitura desconcertante de “Three Women”, do bluesman Blind Willie McTell, que abre o disco. Os violinos na parte final da faixa-título, se alternando entre um canal e outro. O arrepiante coro feminino na linda “Would You Fight For My Love?”. As reviravoltas inusitadas da instrumental “High Ball Stepper”. A doçura deliciosa de “Alone in My Home”. E muitos outros, que se revelam a cada nova audição.

Lazaretto é um disco excelente de um artista sem igual. Um disco magnífico. Para a vida, para o ano, para sempre.

Obrigado, John. Longa vida, Jack.

Nota 10
Faixas:
1 Three Women
2 Lazaretto
3 Temporary Ground
4 Would You Fight For My Love?
5 High Ball Stepper
6 Just One Drink
7 Alone in My Home
8 Entitlement
9 That Black Bat Licorice
10 I Think I Found the Culprit
11 Want and Able

Por Ricardo Seelig

Comentários

  1. Ufa! Aleluia!
    Essa era a resenha que eu mais esperava. Queria ter a certeza de que não estou louco. Já vi que não, pois vimos (ouvimos) quase a mesma coisa.
    Esse álbum foi a melhor coisa que aconteceu em 2014, e duvido muito que alguém supere. Jack White me acertou em cheio. Que disco absurdo. Ele conseguiu uma coisa que pensei que fosse impossível... - Superou "Blunderbuss"!
    Só discordo quando diz que o Blunderbuss é mais fácil de ouvir. Achei o "Lazaretto" perfeito até nisso, pois ao meu ver, até aqueles que não dão chance para o "novo", vão se apaixonar. Nota 10!
    O Jimmy Page dá minha geração, com o perdão do exagero.

    ResponderExcluir
  2. Adorei esse disco, de primeira! Ao contrário do anterior, que, até hoje, ainda não me cativou.

    ResponderExcluir
  3. Engraçado que ainda acham este cara ruim.... bom...deixa pra - la...não sabem o que perdem

    ResponderExcluir
  4. O que quebra as pernas do som é o vocal, muito fraquinho...

    ResponderExcluir
  5. O que quebra as pernas do som é o vocal do cara, muito fraco...

    ResponderExcluir
  6. jack white is God! lazaretto é o melhor album de 2014.

    ResponderExcluir
  7. Ja tinha "encostado" esse disco por achar difícil sua assimilação, mas com essa resenha, fui dar mais algumas chances, e posso dizer que realmente se trata de um grande álbum. A unica musica que tinha gostado era a instrumental: "High Ball Stepper". Agora ja estou gostando das musicas: Lazaretto, Alone In My Home e Temporary Ground. Vou fazer mais algumas audições para ver se melhora, mais ainda, no meu conceito..

    ResponderExcluir
  8. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  9. Com certeza um dos melhores álbuns do ano!!
    Jack White se supera cada vez mais, já virou mito!

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Você pode, e deve, manifestar a sua opinião nos comentários. O debate com os leitores, a troca de ideias entre quem escreve e lê, é que torna o nosso trabalho gratificante e recompensador. Porém, assim como respeitamos opiniões diferentes, é vital que você respeite os pensamentos diferentes dos seus.