Mastodon: crítica de Once More 'Round The Sun (2014)


Há 15 anos em sua trajetória rompendo cada vez de forma mais violenta e inesperada a burocrática e corruptível atmosfera da indústria musical, Troy Sanders, Brent Hinds, Bill Kelliher e Brann Dailor comandam o Mastodon de forma impressionante, tornando-os não apenas uma das mais intrigantes e criativas bandas da última década, como também uma das mais respeitadas dentro ou fora dos círculos do heavy metal.

Da marcha com o homem elefante montado nas formigas de fogo, até esculpir um monumento de madeira ao caçador da língua preta no vale dos ossos secos, passando por um capitão e sua obsessiva guerra contra um desconhecido deus dos mares, uma montanha banhada em sangue e um cordão de prata, o quarteto de Atlanta alcança finalmente uma volta completa em sua história. 

O fechamento e o início de um ciclo com Once More ‘Round The Sun, seu sexto disco de estúdio é o primeiro a contar com o produtor Nick Raskulinecz (o mesmo de Infestissumam e Shogun, por exemplo) e o artista Skinner, responsável pela espetacular capa. Com lançamento para o dia 24 de junho, o novo trabalho já se encontra disponível nas principais plataformas de streaming.

Se a ideia é que o álbum prossiga como uma continuação natural do anterior, “Tread Lightly” demonstra de forma perfeita a proposta: sem uma introdução exatamente marcante, ela soa como uma composição de meio de disco, cadenciada no tempo exato e assombrada pela mesma atmosfera flutuante e lisérgica de antes, uma sensação que representa tanto a fuga apressada por uma claustrofóbica floresta ou através do universo. “The Motherload”, em seguida, é um hard rock carregado por uma aura espacial gerada automaticamente por uma inteligência artificial presa em algum filme de baixo orçamento, robótica, mas sem perder o sentimento ou a consciência.

“High Road”, apesar do vídeo oficial de qualidade extremamente duvidosa (fala a verdade, vocês podem fazer melhor, caras), foi sabiamente escolhida para ser uma das primeiras faixas a serem divulgadas – básica, direta, pesadíssima e carregada de melodias mastodônicas até o osso, unindo a cadência de The Hunter com o poder absurdo de Blood Mountain. Essa identidade mantém-se na faixa título, totalmente dominada pela sempre característica e embriagada voz de Hinds (menos presente em Once More ‘Round The Sun do que nos álbuns anteriores, porém) sobre um ritmo galopante que se acelera até a borda do thrash metal em “Chimes At Midnight”.

O clima sci-fi é retomado com “Asleep In The Deep”, uma personificação mais eletrônica e artificial dos mais etéreos momentos em Crack The Skye, deixando-se carregar pela gravidade através do espaço. Interessante notar o jogo entre as vozes quase savatagiano (mas bem mais superficial), um artifício mais do que interessante a ser explorado pela banda e que contribui de forma significativa para o efeito hipnótico que a música causa. Ao mesmo tempo em que se olha para frente, “Aunt Lisa” relembra muito bem a época de sludge martelante e claustrofóbico intercalado com toques progressivos de alguns anos atrás. Não apenas isso, a banda The Coathangers retribui o favor que o Mastodon lhes fez no vídeo de “Follow Me” (de forma bem menos hilária, infelizmente) e contribui com seus gritos de torcida.

A imundice volta a se confundir com alucinações em “Ember City”, que mesmo com o seu leve odor de encheção de lingüiça espacial e repetição de passagens, traz uma das mais espetaculares viagens intermináveis de Hinds na guitarra, um saudável virtuosismo que permanece em “Halloween”, composição esquecida por quatro décadas em algum baú enterrado no porão e finalmente trazida à superfície com roupagem estranhamente moderna (mas efetiva). 

“Diamond In The Witch House”, por outro lado, pode ser considerado um híbrido entre duas personificações da banda: a fantasia soturna de Blood Mountain com a acidez palpável de Crack The Skye, porém de uma forma ainda mais sombria, arrastada e densa, resultante principalmente da presença de Scott Kelly, que faz mais do que a superficial participação costumeira e de fato atribui uma atmosfera neurótica ao encerramento do álbum.

Once More Round The Sun talvez seja o primeiro álbum do Mastodon que não traga grandes diferenças em relação ao seu trabalho anterior. E tampouco em relação ao restante de sua discografia (vide a quantidade de vezes que os trabalhos anteriores foram citados). Se por um lado isso mostra como a banda de fato amadureceu completamente a sua identidade musical, na contramão deixa lá no fundo da mente um ligeiro incômodo se ainda há algo a ser demonstrado.

Verdade seja dita, há sim uma aura mais próxima do hard rock em relação à The Hunter, assim como importante presença de bem encaixados sintetizadores, mas detalhes passageiros se compararmos com outros aspectos a serem considerados. Tanto os vocais de Troy Sanders quanto de Brent Hinds estão muito mais melódicos, limpos e afinados com as músicas (a voz do baixista parece estar em plena forma – vide o disco de estreia do Killer Be Killed -, enquanto o guitarrista traz alguns de seus mais inspirados solos em toda a carreira), na mesma proporção em que Brann Dailor tomou a frente e pode facilmente ser considerado o personagem principal do Mastodon aqui, seja no sempre intrincado e complexo trabalho percussivo ou predominando como vocalista nas músicas.

Por outro lado, algo definitivamente incomoda na produção de Raskulinecz. Parece haver um limiar pouco definido entre cada passagem (talvez causado por desnecessárias dobras nos instrumentos) que definitivamente tiram aquela fácil identificação com cada uma das composições. O álbum apresenta várias nuances, de excelentes composições acima da média, mas acabam sendo niveladas de forma homogênea pela produção, comprometedora em certos casos, principalmente no que diz respeito a criar uma experiência imersiva.

O Mastodon completa uma volta ao redor do Sol, e revisita suas personalidades já manifestadas, porém desta vez com experiência e maturidade que definitivamente fazem a diferença mesmo com alguns obstáculos na trajetória. A questão agora é: a banda permanecerá inerte, em translação na órbita ao redor do que ela mesma criou? Ou arriscará e deixará o seu planeta para trás em busca dos limites do universo, mesmo sob o risco de vislumbrar borboletas intergaláticas assassinas e ser sugado por ele?

A segunda opção, esperamos.

Nota 8

Faixas:
1. Tread Lightly
2. The Motherload
3. High Road
4. Once More ‘Round The Sun
5. Chimes At Midnight
6. Asleep In The Deep
7. Feast Your Eyes
8. Aunt Lisa
9. Ember City
10. Halloween
11. Diamond In The Witch House


Por Rodrigo Carvalho

Comentários

  1. Nota 9,5! Disco do ano até aqui. O melhor da carreira deles. "The Motherload" é a música do ano, com um refrão delicioso. Faltou um pouco de espaço mesmo para os vocais do guitarrista, que estão melhor que nunca (os vocais dos outros dois vocalistas também estão, então não há muito o que reclamar rs). A última faixa poderia ter sido cantada por ele, guitarrista, em vez do convidado. Daí o disco seria nota 10.

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  2. dos ultimos 3 discos, esse disparado é o mais fraco deles.
    o disco começa bem, mas apos a 3 ou 4 musica torna-se um cd chapado, todas musicas soando iguais e nada mais chamando atencao.
    um album feito de maneira bem preguiçosa e com pouca inspiracao.

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  3. Ótima crítica!! Excelente analogia nesse último paragrafo.

    Muito bem lembrado o perceptível o destaque dado ao baterista Brann Dailor nos vocais, nesse disco ele aparece em mais musicas e particularmente acho muito interessante o contraste que há entre o timbre dele com o dos outros, os vocais dele trazem um apelo mais pop, mais clean, enquanto Troy Sanders traz o peso e Brent Hinds aquele vocal anasalado e embriagado.

    Enfim, o peso, a técnica, a criatividade e a melodia estão presentes, na minha opinião os caras lançaram um álbum nada menos do que excelente, como dito na crítica, resta saber quais serão os próximos caminhos que a banda tomará, mas isso é outra história.

    Bora ouvir mais uma vez essa pedrada.

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  4. é serio isso? nota 8? com certeza vc escutou um álbum diferente....pois para mim é nota 9,5!

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  5. A partir do Leviathan, todos os álbuns do Mastodon soavam muito concisos, as músicas se relacionavam muito bem e o álbum acabava se costurando em uma grande música, mesmo no The Hunter, que não era conceitual.

    Seus álbuns que soavam sempre diferentes do anterior flertando com diferentes estilos, mas sempre soando como Mastodon, e essas duas características me lembravam muito do Zeppelin.
    Esse disco novo não possui nenhuma das duas, e seu maior defeito é não atender as grandes expectativas que a própria banda criou.
    É um ótimo álbum, mas não é o sucessor que o The Hunter merece.
    8,0 é justo

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  6. Concordo com o Lucas, pra mim o disco é muito bom merecendo nota 9, mas está aquém do que o Mastodon pode oferecer.
    O problema é que ficamos mal acostumados após vários álbuns de alto nível um após o outro, e a cada lançamento queremos que esteja no mesmo patamar dos anteriores.
    Achei o disco mais distante de suas caracteristicas, em duas ou três faixas "achei" irreconhecível, parecia outra banda. Mas é um ÓTIMO disco.

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  7. Concordo com o Lucas, pra mim o disco é muito bom merecendo nota 9, mas está aquém do que o Mastodon pode oferecer.
    O problema é que ficamos mal acostumados após vários álbuns de alto nível um após o outro, e a cada lançamento queremos que esteja no mesmo patamar dos anteriores.
    Achei o disco mais distante de suas caracteristicas, em duas ou três faixas "achei" irreconhecível, parecia outra banda. Mas é um ÓTIMO disco.

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  8. Concordo com o Lucas, pra mim o disco é muito bom merecendo nota 9, mas está aquém do que o Mastodon pode oferecer.
    O problema é que ficamos mal acostumados após vários álbuns de alto nível um após o outro, e a cada lançamento queremos que esteja no mesmo patamar dos anteriores.
    Achei o disco mais distante de suas caracteristicas, em duas ou três faixas "achei" irreconhecível, parecia outra banda. Mas é um ÓTIMO disco.

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  9. Concordo com o Lucas, pra mim o disco é muito bom merecendo nota 9, mas está aquém do que o Mastodon pode oferecer.
    O problema é que ficamos mal acostumados após vários álbuns de alto nível um após o outro, e a cada lançamento queremos que esteja no mesmo patamar dos anteriores.
    Achei o disco mais distante de suas caracteristicas, em duas ou três faixas "achei" irreconhecível, parecia outra banda. Mas é um ÓTIMO disco.

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  10. Concordo com o Lucas, pra mim o disco é muito bom merecendo nota 9, mas está aquém do que o Mastodon pode oferecer.
    O problema é que ficamos mal acostumados após vários álbuns de alto nível um após o outro, e a cada lançamento queremos que esteja no mesmo patamar dos anteriores.
    Achei o disco mais distante de suas caracteristicas, em duas ou três faixas "achei" irreconhecível, parecia outra banda. Mas é um ÓTIMO disco.

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  11. Concordo com o Lucas, pra mim o disco é muito bom merecendo nota 9, mas está aquém do que o Mastodon pode oferecer.
    O problema é que ficamos mal acostumados após vários álbuns de alto nível um após o outro, e a cada lançamento queremos que esteja no mesmo patamar dos anteriores.
    Achei o disco mais distante de suas caracteristicas, em duas ou três faixas "achei" irreconhecível, parecia outra banda. Mas é um ÓTIMO disco!!!!

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  12. Ouvi só duas vezes mas já acho que é um álbum mais forte do que o The Hunter.

    Prefiro os álbuns mais antigos, em especial o Crack the Skye, mas esse novo cd é mais um excelente passo na, até agora, irrepreensível carreira da banda.

    Eu diria que este álbum tem tudo para ser o "black album" do Mastodon, já que é o mais acessível da banda até o momento (sem demérito nenhum) e tem tudo para elevar ainda mais o nome da banda.


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  13. Como todo bom álbum vai ficando melhor a cada audição, no começo daria 8 também agora depois de uma semana dou 9 fácil e daqui um tempo talvez ....

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  14. Como todo bom álbum vai ficando melhor a cada audição, no começo daria 8 também agora depois de uma semana dou 9 fácil e daqui um tempo talvez ....

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  15. CR, não me venham com o veredicto mensal para o álbum do Jack White; a gente quer saber o deste!

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  16. Achei muito...mas muito bom...8 está de ótimo tamanho...acho que notas 9 e 10 andam muito banalizadas...deveriam ser dadas apenas para clássicos...no caso do Mastodon, na minha opinião é o Crack in the Sky que merece esta nota

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  17. Disco para todas as horas. Tô achando muito foda!

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  18. Gostei bastante do disco e não gostei de nenhum disco do Mastodon até então, ouvi a discografia e não me interessou.

    Ouvir mais e reouvir um pouco os discos mais antigos, pra ver se cai a ficha de tanto que falam dessa banda.

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