Anathema: crítica de Distant Satellites (2014)

e.mo.ção: 1 - Complexo estado moral que envolve modificações da respiração, circulação e secreções, bem como repercussões mentais de excitação ou depressão; nas emoções intensas as funções intelectuais se desorganizam. 2 - Comoção, abalo (sentido físico ou moral).

Emoções são reações extremamente pessoais, um processo único sobre como cada um se sente em determinada situação. Mesmo tratando-se de simples acontecimentos, como a chuva batendo na janela, a cena de um filme, um banco vazio em um parque, ou a música que ouvimos, interpretamos cada uma delas de forma diferente. O mesmo vale para Distant Satellites, décimo disco de estúdio dos ingleses do Anathema, lançado pela Kscope Music no último dia 09 de junho.


Um ritmo incessante e repetitivo introduz a primeira parte de “The Lost Song”, uma hipnótica espiral sem direção definida que se torna cada vez mais brusca e incontrolável, um processo como atravessar de forma brutal a linha entre o adormecer e o sonhar. E depois de adentrado o mundo onírico, vem a sensação de estar flutuando, carregado lentamente até pousar sobre uma planície interminável, uma paisagem pura e simples que se estende até onde a vista alcança, representada pela segunda parte da música. Com uma das mais belas melodias criadas por Lee Douglas desde “A Natural Disaster” (a música, sim), o cenário muda aos poucos para algo mais carregado, um céu tomado por nuvens cinzentas enquanto a tranqüilidade se esvai.

“Dusk (Dark is Descending)” é o choque da percepção, de estar em um lugar ao qual não exatamente se pertence, quando é necessário tomar um tempo para fechar os olhos, respirar fundo e se concentrar enquanto a noite cai – e tanto a escuridão quanto a reflexão parecem trazer um alívio, de alguma forma. Como se uma distante lâmpada permanecesse acesa, um ponto iluminado a ser buscado (e talvez essa seja a sua razão de estar lá, de qualquer forma) que pinta de vermelho toda a sua volta. Há algo de esperança em “Ariel” e em como aquela luz no céu parece cada vez mais próxima quando finalmente se abre os olhos.


A jornada se encerra com “The Lost Song – Part 3”, a revelação e o alcance daquilo que se procurava, seguida por um crescente caos que se assemelha a versão reversa da espiral do início, puxando aos poucos para a realidade (interessante notar como as cinco primeiras faixas parecem formar uma única e longa suíte, calcada no mesmo ritmo personificado em infinitas variações de execução). Uma ideia que parece fazer ainda mais sentido com “Anathema”, música que leva o nome da banda (quase duas décadas e meia depois de sua formação e no ápice da carreira, parece justo) e, que muito além de parecer iniciar uma nova parte do álbum, traz uma aura autobiográfica, metalinguística à própria trajetória do grupo.
Talvez a representação da sua história até agora, e que algo pode mudar daqui pra frente.

Afinal, “You’re Not Alone”, com seu formato de fita enroscada assombrada pelo espírito do Porcupine Tree, é como um programa que parece ter chegado ao seu limite, um loop interrompido inesperadamente para dar passagem ao instrumental “Fireflight” e sua sucessão de notas esquisitas e incômodas, assemelhando-se à introdução de um velho filme esquecido sobre o espaço, cuja base permanece como o plano de fundo para “Distant Satellites”. E como se esse velho filme estivesse iniciando apenas agora, cria-se a imagem de um cosmonauta despertando de um estranho sonho, a bordo de uma máquina que já deixou de funcionar. Incapacitado, ele levanta-se e olha através do vidro da estação para uma longínqua luz, que um dia já foi a sua casa. A casa para qual ele jamais retornará.


A conflitante combinação de arranjo de cordas e efeitos eletrônicos mantém-se em evidência no desfecho de “Take Shelter”, uma faixa que poderia ter sido parte de We’re Here Because We’re Here, como o último fechar de olhos do personagem antes de se tornar parte da própria luz que se observava, tornando-se o observador. Uma belíssima metáfora (intencional ou não), tão subjetiva em sua interpretação quanto às próprias emoções e sentimentos que o disco passa.


Aparentemente o Anathema vem passando por um processo reverso nos últimos anos. Enquanto o doom primordial permanece como uma distante memória, o ápice atmosférico parece ter sido atingido, e gradativamente os ingleses vêm buscando um equilíbrio entre as infinitas camadas musicais, a melodia e o sentimento. E se Weather Systems se mostrava muito bem balanceado, essa exploração não apenas é continuada em Distant Satellites, como o grupo parece tentar sutis novas possibilidades e combinações, diferentes maneiras de representar a sua identidade. Além disso, conceitualmente se assemelha a um trabalho de reflexão, uma revisão de sua história e o início do planejamento sobre o primeiro passo daqui pra frente. Nada mal para uma banda repensar suas próprias idéias depois de mais de vinte anos em atividade – é ótimo, aliás.


Mas muito mais profundo do que isso, a subjetividade inerente a cada uma das composições e em como ela se desenvolve ao longo de Distant Satellites é assombrosamente uma experiência peculiar. Cada trecho e mudança de andamento podem impactar de uma forma pessoal e única cada um que acompanha a jornada do álbum, assim como pode ser diferente dependendo da situação em que se encontra em sua própria vida. E esta conexão musical que o Anathema pode proporcionar é algo que vem se tornando mais impressionante a cada novo trabalho.


Basta fechar os olhos. Respirar fundo. E deixar a música fluir.

Nota 9


1. The Lost Song – Part 1
2. The Lost Song – Part 2
3. Dusk (Dark is Descending)
4. Ariel
5. The Lost Song – Part 3
6. Anathema
7. You’re Not Alone
8. Firelight
9. Distant Satellites
10. Take Shelter


Por Rodrigo Carvalho

Comentários

  1. Bela resenha, certamente irei escutar esse álbum quando tiver tempo

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  2. Excelente! Realmente um disco de sensações e experimentações.

    Impressionante olhar para o início do grupo e o agora, soa totalmente dispare. Os irmão Cavanagh, disseram recentemente que o objetivo deles com a música é este, causar sensações em quem ouve!

    Por isso, fica aqui o pedido: Discografia comentada rsrs

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  3. O disco já está entre os meus favoritos do ano. Grande álbum de uma banda que eu não escutava há anos.

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  4. Essa foi uma das mais interessantes bandas que conheci por aqui.
    Os caras realmente manjam do que se propõem a fazer. Uma música extremamente envolvente. Adorei o disco.

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