Anaal Nathrakh: crítica de Desideratum (2014)


Anaal nath rakh!
Oot vas bethut!
Doch iel dienvay!


Anaal Nathrakh. O Bafo da Serpente. Uma parte do encantamento proferido por Merlin, e a inspiração para um dos mais estupidamente incompreensíveis e brutais duos da música extrema atual. Dave Hunt (V.I.T.R.I.O.L.) e Mick Kenney (Irrumator) se encontram entre as mais singulares instituições do heavy metal britânico graças ao híbrido deformado apresentado ao longo de sua discografia, uma forma distorcida combinada entre black metal, industrial, grindcore e death metal que parece cada vez mais viva.

Se o seu trabalho de estreia, The Codex Necro, ainda estava preso às amarras cruas, a partir de Eschaton (de 2006) a pulsação se tornou muito mais intensa, agressiva e descontrolada, agregando uma diversidade inesperada tanto em suas influências instrumentais quanto nas desesperadas linhas vocais, sempre a favor do caos, ainda que de formas diferentes. Desideratum é o seu oitavo álbum de estúdio e o primeiro a ser lançado pela Metal Blade Records, prosseguindo o caminho deixado em aberto pelos anteriores Passion e Vanitas.


Sendo carregado pelo silencioso espaço, “Acheronta Movebimus” é como a personificação da travessia do mitológico rio do submundo, porém tomado pela violência crescente do atravessar da atmosfera. Os elementos gradativamente chegam aos seus sentidos, do blackened grind de movimentos industriais, em ritmos djent sobre corais etéreos, às intervenções artificiais, de uma inteligência que o aterrissa de forma brutal na superfície de “Unleashed”.


A agonia pura que toma conta de um ser até então ciente de sua sanidade começa a ser despejada de forma imparável, como uma dose inumana de adrenalina liberada em sua corrente sanguínea que reúne as principais personalidades do Anaal Nathrakh neste trabalho, com a rispidez e a gritaria perturbada sendo catalisada pelos efeitos eletrônicos. “Monstrum in Animo” prossegue por um caminho muito mais gélido, deixando a sensação de que algumas gotas de metal líquido atravessam cada milímetro de seu cérebro em busca de uma saída, com o alívio apenas em “The One Thing Needful” e seus momentos que eventualmente esbarram de forma cósmica no melodeath moderno, suprimindo por um tempo sua face mais incessante de black metal e grindcore.


O ritmo robótico de “A Firm Foundation of Unyieldin” funciona apenas como um momento de distração antes da implacável tormenta épica, que alterna entre a aniquilação de Mick Kenney e Dave Hunt e as marteladas travadas e enferrujadas de uma máquina decadente trazida pelo Gore Tech. E se esta não escorresse pelo molde utilizado anteriormente, “Desideratum” é uma peça ainda mais vasta em seus experimentos e complexidade, com mudanças bruscas e de quebras comparáveis ao de uma consciência artificial tomando o controle sobre peças destruídas, erguendo-se sobre aço e fios até então inanimados.

“Idol” vem em seguida como uma versão atualizada e com o mesmo poder de explosão da apocalíptica “Forging Towards the Sunset”, com consideráveis melodias inesperadas antes da amálgama de hardcore, groove metal e noise, interligada por veias e artérias necrosadas em “Sub Specie Aeterni (Of Maggots and Humanity)” e do encontro entre o black metal e o metalcore de “The Joystream” em uma dimensão desvirtuada, com os sopros de dubstep criando um cenário controverso e carregado por uma melancolia niilista absurda.

Após o momento em que a própria realidade foi esmerilhada, “Rage and Red” segura o duo dentro de seu padrão, uma cria proveniente do próprio universo desconstruído e cinzento, enquanto “Ita Mori” repete os conceitos do início do trabalho com uma conclusão extremamente negativa e uma confusão inexplicavelmente brusca, atordoante, em seu encerramento, remetendo ao seu código da escuridão.

Se os trabalhos recentes mostravam um Anaal Nathrakh trilhando rotas menos tortuosas, com certo foco nas melodias e em produções cristalinas (considerem aqui com infinitas aspas), Desideratum mantém a mesma carga dramática porém com saturação a níveis ensurdecedores. O característico vomitar de riffs de Kenney volta a tomar a frente da produção, lado a lado com as ambientações eletrônicas de Gore Tech, criando em conjunto com as vociferações de Hunt uma opressão onipresente ao longo de todo o disco.

Aliado à distorção exacerbada, inclua um dinamismo muito mais perceptível entre uma faixa e outra, construído com intrigantes elementos inesperados, que vão de breakdowns de metalcore, thrash metal a hardcore, constituindo praticamente uma criatura viva por si só – um nível de brutalidade praticamente inigualável, em que a confusão proporcionada é muito mais torturante do que a velocidade ou a técnica utilizada.

V.I.T.R.I.O.L. e Irrumator são como a consciência de um ser biomecânico, destinado a vagar eternamente por infinitas constelações, chocando-se com universos e movidos por um desejo perpétuo de ser o precursor do cataclisma absoluto. A nós resta apenas contemplar o armagedom.

Nota 9

Por Rodrigo Carvalho

Comentários

  1. O Anaal Nathrakh para mim é uma das melhores e mais brilhantes coisas no Metal extremo e até mesmo da musica em geral atualmente....por trás de todo aquele Caos e Ritmos ensurdecedores há vários detalhes e ótimas sacadas que para mim faz com que seja quase uma obra-prima...
    Não é um tipo de música fácil, ouvindo várias vezes é que vc "pega" coisas que não consegue nas primeiras audições.
    Não é para qualquer ouvido
    E discordo sobre a musica A Firm Foundation....para mim ela é a melhor do Album, é a que mais estou ouvindo.
    E o Passion para mim ainda é o melhor album do A.N.

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