Brasil, o país do heavy metal picareta

Em abril de 2012, o Metal Open Air deixou todo mundo com a boca aberta e as calças na mão ao prometer um festival de primeiro mundo, com dezenas de atrações, e entregar tudo, menos isso. Infra-estrutura precária, áreas de camping construídas em estábulos (com direito ao agradável odor destes recintos), equipamento de som inapropriado e o pior: das 40 bandas anunciadas, menos da metade tocou para o público. E, arrotando arrogância e sentindo-se acima de tudo isso, a cabeça (teoricamente) pensante por trás do festival saiu distribuindo ironias e xingamentos nas redes sociais, negando a sua responsabilidade sobre os fatos. Para relembrar ou saber o que rolou, aqui está o link com tudo o que publicamos sobre o MOA.

Não queria retomar esse assunto. Mas, passados mais de dois anos de todos estes acontecimentos, nada mudou. Os responsáveis pelo MOA seguem livres, leves e soltos, transitando por aí como se nada tivesse acontecido. Se duvidar, o cabeludo paulista que foi para o Maranhão atrás de um parceiro para realizar o festival, está à frente de uma das produtoras de shows ou agências de casting que trazem bandas gringas para o país desde então. Corporativista como a cena metal brasileira é, ninguém fala nada, todo mundo deixa assim, e ganha uns ingressos e umas cervejas geladas pra ficar quieto. É assim que funciona aqui neste país tropical.

Mas então acontece todo o rolo do Zoombie Ritual. Um festival com anos de história, e que descambou totalmente em sua edição 2014, que está acontecendo (ou deveria acontecer, vai saber …) neste fim de semana em Rio Negrinho (SC). Bandas cancelando seus shows a cada minuto, produtor sumido, grupos estrangeiros usando as redes sociais para denunciar as picaretagens dos produtores, músicos dando socos no responsável pelo evento (não sei se é verdade, mas se for não terá sido surpreendente).

Esta é a cena brasileira de heavy metal. Dominada por dois ou três grupos, revistas, gravadoras e sites, que lavam as mãos umas das outras em uma troca de favores infinita e cheia de rolos, maracutaias por baixo dos panos e falcatruas. Tem a revista que circula em todo o Brasil e apresenta para as bandas uma tabela de preços para resenhar seus discos. Quanto mais alto o valor, maior a nota. Tem a revista que, em troca de três anúncios em suas páginas, dá uma entrevista de brinde para o artista. Tem sites e publicações que constroem relações com gravadoras em troca de receber gratuitamente os seus materiais, e em contrapartida sempre elogiam os lançamentos destes selos, não importando se eles sejam bons ou ruins. Tem o conservadorismo do maior portal brasileiro dedicado ao rock e à música pesada, que posta matérias sobre Guns, Maiden e Metallica várias vezes por dia, como se o gênero se resumisse apenas aos nomes veteranos. Há um protecionismo, um grupo fechado, que domina tudo isso e dita o que o fã deve ouvir e, efetivamente, ouve - pelo menos uma grande parte deste público. 

Vocês sabem que eu transito por este meio há bastante tempo - desde 2004, pra ser mais exato. Neste período, tive contato com um monte de pessoas diferentes, escrevi para diversos sites e revistas, e vi coisas legais e outras nem tanto acontecendo. Por esse motivo, me afastei de veículos para os quais colaborei durante determinado período por justamente não concordar com os caminhos editoriais que eles seguiam, além de outros aspectos e políticas que me incomodavam e julgava incorretas. Assim, vim pra cá, pra Collectors, local onde tento levar aos leitores, todos os dias, o que julgo interessante e relevante na música. Ao lado dos colaboradores do site, temos o objetivo de sair do óbvio e mostrar que a música é muito mais do que aquilo que está na superfície. E, para nossa alegria, cada vez mais leitores tem embarcado com a gente neste processo.

Mas então, voltando lá para o início do texto, mais de dois anos depois do MOA acontece algo semelhante no ZOA - o que não deixa de ser irônico. Nada mudou no heavy metal produzido aqui no Brasil. Ele segue repleto de picaretas e pessoas más intencionadas. Segue repleto de músicos mimados que não toleram críticas. Segue longe, muito longe, de ser de fato uma cena com algo de profissional. Não temos uma imprensa especializada. Nossas revistas dedicadas ao gênero, e a grande maioria dos sites, são veículos saudosistas conduzidos por fãs. Não temos bandas relevantes mundo afora. A grande maioria repete fórmulas e dá voltas ao redor do próprio rabo, com sonoridades sem identidade. As que se destacam todo mundo sabe quem são, pois recebem elogios merecidos em todos os continentes - você sabe os nomes, não preciso dizer quem são. Não temos fãs de música pesada. Temos headbangers saudosistas, incapazes de montar um setlist diferente do Metallica, por exemplo, quando a banda dá carta branca para que eles façam as suas escolhas - e então, escolhem ouvir as mesmas músicas de sempre. Temos indivíduos que desfilam com bandanas como se estivessem deslocados no tempo e no espaço, rebolando pela Sunset Strip. Tênis de cano alto e coletes jeans que remetem à cena thrash com os mesmos nomes de sempre. E lojistas e gravadoras despreparados, desinformados e sem conhecimento, que enchem suas vitrines e catálogos com discos de artistas há anos irrelevantes, que possuem nicho de mercado apenas aqui neste país tropical.

Seria ótimo se o heavy metal aqui no Brasil fosse tratado de maneira mais profissional. Mas isso está longe de acontecer. Enquanto tivermos MOAs, ZOAs e coroas dando às cartas, tudo será cada vez mais estereotipado e ridículo, infelizmente.

Vamos esperar sentados. Pela mudança que não virá, e pelo próximo fiasco que acontecerá.

Comentários

  1. Bem, infelizmente, esse tipo de coisa ainda acontece no Brasil e em oturos lugares e situações em que se quer dar um passo maior que a perna. Porém, eu que estou envolvido com a cena underground desde 1988, me sinto no direito de dizer que esta não é a mesma cena. A cena da qual você fala é a cena MAINSTREAM do heavy metal, pois, no underground, as coisas funcionam e de forma bem diferente. Somos precários, sim, somos. Não temos dinheiro, nem grandes produções, sim, é verdade. Somos velhos saudosistas, sim, em muitos casos somos sim, mas isso não é uma regra. Nossos fanzines são feios, xerocados e e passados pelo antiquado serviço dos correios ou de mão em mão, é verdade.

    Contudo, essa cena UNDERGROUND brasileira continua espalhada pelo mundo todo, amada pela sua força e coragem de se manter apesar de todas as adversidades em todos os cantos do planeta. Continuamos a produzir discos e zines, continuamos lançando bandas novas e velhas por meio de parcerias entre vários pequenos selos, cujos membros tiram dinheiro do próprio bolso em nome do sonho de ver seu material (ou da banda do amigo) concretizado e circulando por aí. Os shows, muito modestos, é verdade, continuam rolando todo final de semana, com um comparecimento que nem semrpe ajuda a pagar todos os custos, mas ninguém se importa com isso, pq é desses pequenos, porém, prazerosos momentos que a cena sobrevive sem se importar o mínimo com esse mito de profissionalização que se quer impor de cima pra baixo, como se o mundo underground precisasse da sabedoria dos grandes administradores para valer a pena.

    Em suma, grandes festivais e suas picaretagens não representam uma grande e batalhadora massa de bandas, zines, distros e outros apaixonados por música pesada deste país. Não queremos nos profissionalizar por opção, porque não queremos ter que viver da música e precisar ficar fazendo concessões às grandes gravadoras e aos grandes veículos de comunicação, pq não precisamos deles pra sobreviver...é bem simples, entendes? Bem, talvez não, porque teu universo é outro e, aparentemente, ele é muito fechado para nós, que não temos dinheiro nem sonhamos em ser rock stars.

    Obrigado pelo espaço!

    (Em tempo: a banda na qual toco terve uma resenha e uma pequena entrevista publicada na tal revista que você cita e, curiosamente, não tivemos que pagar nenhum centavo, nem publicar um anúncio nela. Simplesmente, um dos seus colaboradores curtiu o nosso som e resolveu escrever sobre nós.)

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