Por que não conseguimos nos desapegar dos clássicos e abraçar o novo?


A discussão é antiga, e volta e meia retorna à mesa: por que o fã de rock não consegue se desapegar dos nomes clássicos do gênero? Qual o motivo que leva o apreciador do estilo ser tão resistente à novos nomes? Os mais apressados (ou preguiçosos e preconceituosos, você escolhe o termo) afirmarão de imediato que falta qualidade aos artistas atuais. Falta não. E exemplos para isso também não faltam. O que acontece então?

A questão é que, quando falamos sobre música, quando analisamos a música, existe um grande fator subjetivo e emocional na jogada, sempre - mesmo que alguns não admitam ou não consigam enxergar. A questão subjetiva se manifesta através da formação do gosto pessoal de cada um. E isso se dá com base nas referências que cada pessoa possui dentro do universo musical. Se alguém só ouvir um gênero, terá como referência para análise apenas as características daquele estilo específico, seja ele qual for. E, como sabemos, cada gênero musical possui as suas particularidades e bases distintas. 

É absolutamente natural que, ao começarmos a ouvir música, ou ao termos o nosso primeiro contato com o rock, o que atraia de imediato nossos ouvidos virgens sejam as sonoridades menos complexas e mais convencionais. Ninguém irá exigir que um garoto de 10 anos se sinta atraído pelo post-rock do Russian Circles ou pelas experimentações do Radiohead, mas é perfeitamente plausível que ele dê os seus primeiros passos no estilo através das composições clássicas de nomes como Beatles, Rolling Stones, Kiss, Creedence, Black Sabbath e outros grupos que possuem canções, digamos, mais diretas. E então, absorvendo e entendendo o que chega aos seus ouvidos, nosso pequeno ouvinte começará a identificar os elementos que mais o atraem na rock, ao mesmo tempo em que inicia a construção do seu vocabulário musical. Esses elementos podem ser ferramentas como riffs, andamentos, refrãos grudentos, melodias. Ou aspectos mais etéreos e menos plausíveis, como energia, sentimento, paixão. Cada um descobre o seu caminho.

Já a questão emocional possui talvez um peso ainda maior nesta fase em que estamos nos formando como ouvintes. E ela se manifesta através do significado que um artista, um canção, conquista em nossas vidas. Isso se dá através de vários exemplos. Pode ser a música que você ouvia junto com a sua primeira namorada, o disco que sei pai te deu de presente, a trilha que tocou em uma viagem que você guarda com carinho na memória, a canção que traz de volta boas recordações. E aqui, mais do que antes, cada indivíduo possuirá uma experiência distinta. É por isso que “Tiny Dancer” faz tanto sentido para mim, mas pode ser apenas mais uma canção para você. É por essa razão que “Stairway to Heaven” faz o meu mundo parar, enquanto pra você ela talvez seja apenas mais uma música de fundo. É por isso que “Jesus etc” está no top 5 da minha vida, e talvez você nunca a tenha escutado antes.

Tendo como base esses dois pontos, percebemos a importância que os artistas clássicos possuem (através dos primeiros contatos e da identificação da paixão pela música) e como eles são importantes quando estamos descobrindo e desbravando o universo musical (em qualquer ponto de nossas vidas, não importa a idade que possamos ter). Há um motivo para Led Zeppelin, Pink Floyd, Beatles, Queen e outros possuírem o status de lendas e ícones: eles foram fundamentais para o desenvolvimento, crescimento e evolução do rock, inserindo novos conceitos e abordagens. 

E aqui está o ponto em que quero chegar. Foram apenas estes nomes considerados clássicos que viraram o universo do rock de cabeça pra baixo com sua criatividade e capacidade de inovação? Não, claro que não. Na década de 1980, quando comecei a ouvir música, já se falava sobre esse assunto. Que nada fazia mais sentido sem Lennon & McCartney, que o fim do Pink Floyd era o fim de tudo, esses clichês. E, ao mesmo tempo, aqueles foram os anos em que novos gigantes surgiram e revolucionaram tudo. Exemplos não faltam: U2, R.E.M., The Cure, Iron Maiden, Metallica. A mesma situação ocorreu nas décadas seguintes, com a consolidação de novos “dinossauros" e o surgimento de novos talentos, que logo se transformaram em referência. Na década de 1990, vimos isso acontecer com Radiohead, Nirvana, Jeff Buckley, Smashing Pumpkins, Pavement, Tool, Death e mais um monte de gente. Fomos para os anos 2000 e chegou a vez de Arcade Fire, Wilco, Opeth, Flaming Lips, The Mars Volta, Porcupine Tree e outros. Nos 2010, Black Keys, Mastodon, Graveyard, Rival Sons, War on Drugs, Leprous. A lista é longa e auto-renovável. E todos esses nomes entram na fila e caminham lado a lado com os ícones que o rock foi dando ao mundo ao longo de sua história, como Beatles, Stones, Sabbath, Led e muitos outros. Alguns maiores, outros maiores, mas todos importantes.

O fato é que a própria indústria musical mudou, e isso refletiu em tudo. Há anos (e porque não, décadas), o mundo não vê surgir uma banda gigantesca, enorme, maior do que o próprio gênero. As últimas a conseguirem isso, na minha opinião, foram o Guns N’ Roses e o Nirvana. Extrapolaram tudo: o mercado, os limites entre os estilos, o alcance do próprio rock, influenciado de maneira profunda a cultura pop - coloque aí o cinema, os quadrinhos, a moda, o cotidiano. O que veio na sequência já encontrou um mercado em plena transformação, com a migração do consumo de música saindo do formato físico e indo para os arquivos digitais.

E chegamos ao ponto que torna ainda mais interessante toda essa discussão: como que, com a imensa facilidade de se chegar a qualquer artista de qualquer parte do mundo hoje em dia, a grande maioria dos ouvintes acaba sempre variando entre os mesmos nomes? Falta de conhecimento? Não, não pode ser. Basta dois ou três cliques para encontrar dezenas de sites e blogs com o que anda rolando mundo afora. Falta de curiosidade? Com um acervo praticamente infinito a disposição nos Spotifys da vida, é só ir seguindo as próprias sugestões desses serviços pra mergulhar em um mundo totalmente novo. Falta de um espírito desbravador e aventureiro? Pode ser. Vai ver que a liberdade e o mundo sem limites à disposição hoje no universo da música intimidem, mesmo de maneira inconsciente, os ouvintes, que preferem pisar e caminhar apenas pelos trajetos que já conhecem.

O fato é que a discussão é longa, necessária e cheia de possibilidades. Mas uma delas não serve de argumento: a qualidade segue forte no rock. Há dezenas de bandas com muito talento gravando álbuns muito bons nos últimos anos - aliás, como sempre aconteceu. Encontrar um espaço nos seus ouvidos para descobrir esses novos nomes é muito prazeroso, alarga o seu universo de possibilidades e dá um sopro refrescante no seu dia a dia. É só querer, apertar o play e experimentar. 

Vem junto?

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