Criatividade, corujas e o novo vôo do Batman


O mercado de quadrinhos sofre de um problema que vai e vem de tempos em tempos: a formação de novos leitores, o encantamento de novos fãs e a consequente queda nas vendas. Com décadas de uma cronologia desenvolvida em tramas complicadas e complexas, uma revista de qualquer super-herói não atrai, de cara, os jovens leitores. Não é simples: não basta chegar e ler. É preciso mergulhar em um emaranhado de personagens, autores, desenhistas, mortes, ressurreições e tudo mais. E isso, para quem está começando a ler HQs, não é tarefa das mais fáceis.

Lembro que os quadrinhos me conquistaram aos 12, 13 anos. A grande responsável por isso foi a edição número 7 da finada revista Grandes Heróis Marvel, que trazia a Saga da Fênix Negra com uma capa que mostrada Jean Grey morta nos braços de Scott Summers. Aquela história escrita por Chris Claremont e desenhada por John Byrne abriu as portas do fantástico universo dos quadrinhos para mim, e foi o passo decisivo para eu entrar em um mundo repleto de fantasia e aventuras inesquecíveis. A partir de GHM#7 foi só alegria e uma ebulição de descobertas, que com o passar dos anos se mostraram essenciais na minha formação como leitor.

Além dos X-Men, que sempre foram os meus personagens favoritos na Marvel (nunca tive paciência para as infindáveis sagas dos Vingadores e do Capitão América, pra falar a verdade), na distinta concorrência fui atraído pela realidade sombria de Gotham e seu guardião, o Batman. Superman sempre me pareceu correto demais, assim como o Capitão América, enquanto o Batman traz consigo um perigo real e um sentimento doentio, quase um psicopata fantasiado, revelando-se muito mais atraente e convincente do que um homem voador vestindo cueca por cima da calça.

Tanto X-Men quanto Batman possuem uma cronologia gigantesca, que exige dos leitores um conhecimento imenso da história de cada personagem, algo que pouquíssimas pessoas possuem e estão dispostas a adquirir. Dentro dessa realidade de mercado, onde é preciso conquistar constantemente novos leitores, tanto a Marvel quanto a DC encontraram a solução em reboots periódicos, onde reiniciam seus universos esporadicamente, apresentando-os para uma nova geração de fãs. A excelente Ultimate Marvel era, até agora, o grande e principal exemplo dessa fórmula, com toda uma série de revistas lançadas durante os anos 2000 em que os principais personagens da editora tiveram suas histórias recontadas para um público mais jovem, agregando elementos do mundo atual e tornando-os muito mais próximos do público a quem eram destinados. 

A DC, que volta e meia publica as suas infindáveis “Crises" (Crise nas Infinitas Terras, Crise Infinita, Crise de Identidade e mais um sem número de equivalentes), em 2011 deu um reboot em seus personagens, batizando este novo momento como Os Novos 52. Neste processo, diversos escritores e ilustradores consagrados foram contratados para reimaginar a mitologia de personagens consagrados como Batman, Superman, Flash, Lanterna Verde, Arqueiro Verde e toda a turma. Não acompanhei as edições mensais, e só agora, quatro anos depois de a série começar a ser publicada nos Estados Unidos, dei mais esse passo pra dentro da DC.


Como já disse, Batman é um dos meus personagens preferidos, então foi através de Bruce Wayne e companhia que dei o meu primeiro mergulho no universo de Os Novos 52. A Panini, responsável pela publicação tanto da DC quanto da Marvel aqui no Brasil, colocou no mercado alguns encadernados compilando os primeiros arcos de histórias de Os Novos 52, cobrindo personagens como Superman, Flash, Aquaman, Shazan e a Liga da Justiça. Sobre o Batman, foram lançados duas sagas independentes: A Corte das Corujas e Corporação Batman. O primeiro foi escrito por Scott Snyder e ilustrado por Greg Capullo, e o segundo é uma criação de Grant Morrison e desenhada por nomes como Yanick Paquette, Scott Clark, Cameron Stewart e Chris Burnham.

Vamos falar do primeiro destes encadernados. A Corte das Corujas é um volume de luxo, com capa dura, papel couché brilho de alta qualidade e 176 páginas. A edição compila os números 1 a 7 da revista Batman, publicada nos EUA em 2012. A trama conta a história da Corte das Corujas, sociedade secreta formada pelas famílias mais poderosas de Gotham, que controla a cidade de maneira silenciosa há décadas. Até que um certo Batman surge pelo caminho. O enredo de Snyder é muito bem escrito e prende o leitor, sendo direto ao ponto e sem gorduras extras. Ela não dá voltas, não fica enrolando, e isso torna a leitura mais agradável e interessante. O processo se completa com a bela arte de Capullo (pra quem não sabe, o cara por trás das ilustrações das HQs do Spawn, de Todd McFarlane). A história apresenta a grande maioria dos personagens do universo de Batman em novas encarnações, mas não tão diferentes das clássicas interpretações que ficaram conhecidas em todo o mundo (não há uma transformação radical como a que ocorreu na série Ultimate da Marvel, por exemplo). Bruce Wayne encarna um Batman que faz uso de diversos apetrechos tecnológicos, enquanto Dick Grayson, o Robin original, convive com outros dois Robins simultaneamente - Tim Drake e Damian Wayne, este último filho de Bruce. O Comissário James Gordon é um cara mais novo que a figura clássica, e coadjuvantes como Batgirl e a Mulher-Gato também batem ponto. Entre os vilões, que aparecem somente de maneira rápida no início da trama, vemos ilustrações mais realistas e menos fantasiosas das figuras de Pinguim, Duas-Caras, Senhor Frio, Crocodilo, Espantalho e outros. O Coringa também surge de relance. O fato é que, ao menos neste primeiro volume, o antagonismo se dá através da Corte das Corujas personificada em seu soldado, Garra, deixando os vilões clássicos em segundo plano.



O segundo volume, intitulado A Noite das Corujas, mantém o mesmo padrão gráfico do primeiro e vai pro confronto explícito, com Batman e sua turma sendo atacados por um enxame de assassinos enviados pela Corte das Corujas. Muito bem ilustrada, a trama traz quadros extremamente plásticos, colocando beleza na violência física enquanto Batman narra e filosofa sobre o que está ocorrendo. O legal deste segundo volume são as visitas ao passado, com flashbacks de personagens importantes como Jarvis Pennyworth, o pai de Alfred, que revela um segredo escondido da família Wayne. Outro ponto marcante é o capítulo que redefine a origem do Senhor Frio, tornando o personagem ainda mais assustador. Cheia de segredos, a história lança uma nova perspectiva sobre a família Wayne e também sobre os Grayson, o clã de trapezistas de onde veio Dick, o primeiro Robin.

A Corte das Corujas traz um trama muito bem desenvolvida e enxuta, e que cumpre com perfeição o objetivo de renovar o universo do Batman. Fazia muito tempo que não lia algo tão bom explorando o Homem Morcego, e fiquei muito satisfeito e com um gostinho de quero mais.

Com ele, já sei que, ao menos no que diz respeito ao Batman, Os Novos 52 valem muito a pena.

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