Discoteca Básica #004: The Rolling Stones - Exile on Main Street (1972)



Naquele tempo, eles já carregavam o título de A Maior Banda de Rock do Mundo, como um peso pesado que exibe seu cinturão de campeão. Não havia mais Beatles, não havia mais Jim Morrison, não havia mais Hendrix. A única competição real era o rock operístico do The Who e o então ascendente Led Zeppelin. E, mesmo assim, ao vivo os Stones eram imbatíveis - Jagger piruetando pelo palco, comandando um rugido rock and roll que era afiado e perigoso como o fio de uma navalha. 

Em disco, passavam por seu melhor período, parindo clássico após clássico - de "Brown Sugar" a "Street Fighting Man", de "Let It Bleed" a "Simpathy for the Devil". Embora o Sr. M. tivesse levado Brian Jones - que, enamorado demais pelas possibilidades místicas das drogas, já se mostrava incapaz de produzir um décimo de seu input habitual na banda -, os Stones da virada dos anos 1960 para 1970 progrediam, artística e popularmente, como uma bola de neve. Agora sob o comando de Mick Jagger e Keith Richards, mais do que nunca os Stones mereciam o título de A Maior.

Com a entrada do lírico Mick Taylor no lugar de Jones, os Stones saíam de uma trilogia de álbuns absolutamente brilhantes - Beggar's Banquet (1968, ainda com Brian), Let It Bleed (1969) e Sticky Fingers (1971), mas enfrentavam um novo/velho problema: as drogas. Desta vez era Keith quem flertava com a morte, via heroína. Escondera-se numa vila no sul da França, Nellcote, para poder injetar um pouco de sanidade em sua vida. Mas sanidade era difícil de se achar numa atmosfera rock e, ao invés dela, Keith acabou encontrando mais rock e mais heroína.

Como Keith não saía de Nellcote para coisa alguma, os Stones mudaram-se para lá para poder gravar seu novo disco, cujo título balançava entre Eat It e Jungle Disease. Chamaram o saxofonista Bobby Keys, o trompetista Jim Price e os tecladistas Nicky Hopkins, Billy Preston e Dr. John. Ficaram trancados em Nellcote de julho a novembro de 1971. Quando saíram de lá para Hollywood, onde complementaram e mixaram o disco, traziam nos braços material para preencher três álbuns. Acabaram optando por um álbum duplo e por um terceiro título - Exile on Main Street -, e ofereceram ao mundo o disco mais denso, mais pessoal, mais intrigante e mais controverso de toda a sua carreira.

 

Quem ouviu Exile em 1972 amou ou odiou o disco imediatamente. A maioria odiou, reclamou de falta de foco, mixagem lamacenta e encheção de linguiça. Erraram e acertaram. Primeiro, porque tudo isso era intencional - a massa sonora só podia ser penetrada a facão. Os vocais de Jagger foram enterrados mais do que o costume. Os agudos foram saturados. E, segundo, porque a maioria das músicas era uma sucessão de polaróides rock - imagens de decadência, dor, perigo, desilusão. E de sobrevivência.

Acima de tudo, Exile era um portrait dos Stones no topo de sua forma - faixas como "Tumbling Dice", "Rocks Off", "Soul Survivor" e "Rip This Joint" eram o testemunho de que, quando os Stones resolviam se reunir num estúdio para fazer rock and roll, faziam o melhor rock and roll. Jagger explodia suas tripas em vocais insuperáveis até mesmo por ele. Richards e Taylor trocavam riffs como guerrilheiros na selva. Bill Wyman e Charlie Watts sedimentavam uma construção crazy com uma argamassa indestrutível.

Após Exile on Main Street tornou-se impossível reunir todos os Stones num mesmo estúdio ao mesmo tempo. E os álbuns subsequentes retratavam este insidioso fracionamento. Depois de Exile, salvo faixas excepcionais como "Start Me Up" e "Undercover", os Stones eram um arremedo dos Stones. E Exile era seu melhor testamento, e o derradeiro epitáfio.

(Texto escrito por José Emilio Rondeau, Bizz#004, novembro de 1985)

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