Discoteca Básica Bizz #003: Elvis Presley - The Sun Sessions (1976)


Como quase tudo no rock, é uma história cercada de lenda. Sam Phillips, dono de uma gravadora em Memphis, queria "encontrar um branco com o som e o sentimento de um negro, para ganhar um milhão de dólares". Elvis Presley, um jovem aspirante a cantor, queria ter o melhor carro da cidade. O encontro dos dois assumiria uma dimensão mitológica, mas não aconteceu facilmente. 

Tudo começou numa tarde do verão de 1953. Elvis, 18 anos, chofer de uma firma de artigos elétricos, estacionou a caminhonete da companhia na sua hora de almoço em frente à Memphis Recording Service, uma subsidiária da gravadora Sun, de Sam Phillips. Ali, pagando quatro dólares, qualquer um podia gravar qualquer coisa num disco de acetato de dez polegadas. Quem cuidava do serviço para Sam era Marian Keisker, ex-Miss Rádio de Memphis, que ficou impressionada com a voz de Elvis. Marian pegou o endereço e o telefone do rapaz e o recomendou vivamente ao patrão, que acabou ouvindo Elvis. 

Os sentimentos de Phillips em relação a Elvis eram ambivalentes. Acreditava no seu potencial, mas não conseguia acertar com ele. Apresentou-o ao guitarrista Scotty Moore e ao baixista Bill Black e fez que iniciassem um verdadeiro laboratório Presley. Finalmente, foi marcada uma sessão para 5 de julho de 1954. Corria tudo morno, como de costume, até que, num dos intervalos, Elvis começou a brincar com uma versão envenenada de um blues de Arthur "Big Boy" Crudup, "That's All Right (Mama)". Sam sentiu aquele estalo e gritou da cabine: "Que é que vocês estão fazendo?". Um dos músicos respondeu: "Sei lá ...". Sam ordenou: "Então descubram. Vamos rodar de novo!". O resultado foi o que um crítico definiu como "a Pedra de Roseta do rock and roll".

A associação de Elvis com Sam Phillips durou 16 meses, até novembro de 1955, quando a Sun Records vendeu o cantor para a RCA por 40 mil dólares. Sam não conseguiu o seu milhão de dólares, mas teve a glória de figurar no centro de uma verdadeira revolução cultural. Já Elvis, com as luvas do contrato, comprou o primeiro de uma frota de Cadillacs. 


Desta breve e insólita colaboração nasceu este punhado de canções que a RCA, muito tempo depois, reuniria num LP com o título de The Sun Sessions. Está tudo ali. A fusão ideal das duas grandes correntes sonoras - a branca e a negra, o country & western e o rhythm & blues - num estilo único, o rock and roll. 

Estão ali o Elvis roqueiro, o Elvis caipira e o Elvis pop. O cantor romântico, às vezes até meloso, que arrebatava os corações carentes de todas as latitudes, de todas as idades. É curioso ouvir numa canção como "I'm Left, You're Right, She's Gone" os Beatles dos primeiros tempos. É intrigante captar, em "I'll Never Let You Go", a sensibilidade vocal lancinante do Lennon da fase pós-Beatles.

Como escreveu Albert Goldman: "Vinte anos antes, os músicos de jazz estavam fazendo o mesmo truque, tocando canções da maneira convencional e depois improvisando sobre elas. Vinte ou trinta anos antes do swing, o truque era o ragtime. O que Elvis fez nas sessões da Sun foi repetir instintivamente aquele processo de inovar a música recarregando o seu ritmo de um modo que tem caracterizado cada revolução estilística na história da música popular do século XX. É isso que dá às sessões da Sun sua qualidade arquetípica".

Uma faixa resume, particularmente, a vitalidade deste som que marcaria a nossa época. É "Good Rockin' Tonight", com o baixo na marcação do boogie e a guitarra já saindo de suas funções meramente rítmicas para se alçar aos solos que aliciariam toda uma geração, enquanto Elvis faz o anúncio: "Well, I heard the news, there's good rockin' tonight."

(Texto escrito por Roberto Muggiati, Bizz#003, outubro de 1985)

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