Discoteca Básica Bizz #005: The Doors - The Doors (1967)



Venice, Califórnia, julho de 1965. Ray Manzarek, 30 anos, tecladista, encontra na praia seu amigo James Douglas Morrison, 21, estudante da Universidade da Califórnia, amante da poesia de Blake e da filosofia de Nietzsche. Jim diz a Ray que anda compondo poemas, e canta uma estrofe: "Vamos nadar para a lua / Vamos montar a maré / Penetrar no fundo da noite / Que o sono da cidade esconde." Ray perde a respiração. Conversam. E naquele dia, na praia, surge o conceito / ideia / banda The Doors, em cima de uma expressão de um poema de Blake e do livro de Huxley sobre a mescalina, As Portas da Percepção

Louvado seja aquele dia. E maldito. Porque com os Doors nasceu uma das mais espantosas viagens na história da música popular, em torno de temas perenes: medo, terror, pavor, violência, a culpa sem possibilidade de redenção, os desencontros do amor e a inevitabilidade da morte. O magnetismo animal e as manipulações do inconsciente coletivo de Morrison excitavam homens e mulheres à níveis da absoluta selvageria. Era uma atmosfera lisérgica, um eterno "retorno do reprimido", uma catarse ritualística, uma política carregada de eletricidade.

The Doors, lançado nos Estados Unidos em janeiro de 1967 com a psicodelia rachando os neurônios da garotada planetária, já continha todas as sementes da destruição posterior. Ainda hoje, pode ser considerado o grande álbum daquele ano mágico, mais devastador do que o antológico Sgt. Pepper's e um dos cinco maiores LPs de rock em todos os tempos.

O melhor álbum dos Doors é sempre o que está tocando na nossa cabeça, seja uma coletânea de hits, o clássico L.A. Woman (1971) ou um pirata australiano como The Doors Archive (o som é ruim, mas as performances são do balaco). A obra-prima de 1967, que fundiu todos os circuitos do produtor Paul Rothschild, tem o mérito de apresentá-los em estado bruto: a guitarra fluída de Robbie Krieger, a bateria segura - porém jazzística - de John Densmore, o teclado de fundo-de-garagem-cósmica em que Manzarek dedilha contrapontos, e os urros, gritos primais, deboche, sofrimento e poesia das esferas de Morrison. Tudo isso gravado em quatro canais!


O negócio dos Doors era hard rock com sobretons psicodélicos. Nos improvisos, viraram uma banda de blues elétrico que ficaria à vontade em qualquer madrugada de bar. Jim tirava algumas de suas letras de Nietzsche, o lúcido mais louco da história do pensamento humano. Combinava Nietzsche com um pouco de psicologia e uma série de grandes imagens - mar, sol, terra, morte. Esta era a terapia que recomendava ao público fascinado: vamos ser mais reais (uma de suas primeiras canções é "You Make Me Real"), cortar os laços com o establishment, nadar nas emoções, sofrer uma morte e renascimento simbólicos e prosseguir como novos seres, livres do pesadelo da história e dos traumas pessoais.

The Doors tem desde um feroz blues de homem branco ("Back Door Man") ao hino de uma geração inteira ("Light My Fire"), com seu imaginário baseado nos elementos vitais e a antológica progressão clássica do órgão de Manzarek, passando pelas intimações poéticas de "Moonlight Drive". Mas o bombardeio de napalm na psique é mesmo "The End". 

"The End" é o drama edipiano de Morrison expurgado em vinil. É o fim de todas as regras, planos elaborados, o fim da escuridão e das luzes suaves, quando Morrison toma uma carona no ônibus azul da psicodelia, mata o pai e transa com a mãe enquanto os Doors, no fundo, constróem uma paisagem sonora alucinógena orientalizante. 

Depois do fim, seu inferno. Morrison viveu o purgatório: caiu no álcool pesado, virou paródia de si mesmo, produziu outras obras-primas em flashes de lucidez, foi a Paris perseguir uma fantasia literária e acabou morrendo em uma banheira aos 27 anos. 

Triste final. Mítico final. Heróico final.

(Texto escrito por Pepe Escobar, Bizz#005, dezembro de 1985) 

Comentários