Discoteca Básica Bizz#007: Velvet Underground - The Velvet Underground & Nico (1967)



Dizem que 1967 foi o ano em que "tudo aconteceu" - "tudo" sendo a linha divisória do psicodelismo, decretando o fim da música pop como reduto das fantasias ingênuas e adolescentes. No vinil, a marca incicatrizável é composta pelo tripé básico - Sgt. Pepper's dos Beatles, o primeiro dos Doors e a estreia do Velvet Underground.

Os Beatles, fundindo contrapontos bachianos com filosofia oriental, não estavam (muito) distantes dos contrapontos jazzísticos com tragédia grega dos Doors. Em ambos está a aspiração de fazer arte a partir do velho rock and roll. Já o "subterrâneo de veludo" (nome tirado de um barato livrinho pornô) trazia a metamorfose mais radical. Em miúdos: agressividade gratuita convivendo com o mais agridoce lirismo, e o mais preto e branco realismo urbano. O que era LSD para John Lennon e Jim Morrison, era a heroína ("Minha esposa / Minha vida", na faixa "Heroin") para Lou Reed. Nenhum papo de "all you need is love" nem "light my fire". "Botas de couro preto reluzindo no escuro / Experimente o chicote", cantava Lou, ele também de couro preto e óculos escuros (na faixa "Venus in Furs", inspirada no romance homônimo de Leopold Sacher-Masoch). Qualquer semelhança com o punk ou com o David Bowie pré-Ziggy Stardust não é mera coincidência.

Compositor cativo de (tentativos) hits bobinhos - contratado para isso pelo Pickwick -, Lou Reed conheceu um galês muito estranho no ano de 1964. Eles tinham em comum a formação erudita - Lou como pianista e John Cale como discípulo de vanguardistas como LaMonte Young.



Na concepção Velvet, Lou faria letras e vocais enquanto John cuidaria do baixo, dos teclados, dos arranjos e instrumentos esdrúxulos, como violinos e violas. Além disso, Lou e Sterling Morrison tocavam guitarra rítmica com tamanha demência e descompasso que, até hoje, 99% dos produtores jamais admitiram a dupla dentro de uma gravação "séria". Está aí a chave de um dos momentos mais picantes de Velvet Underground & Nico. É a faixa "Run Run Run", que culmina num duelo de guitarras saturadas e distorcidas, raspadas com toda a força do punho - ou seja, a guinada anti-Hendrix que os punks "criaram" em 1976 e que David Byrne, dos Talking Heads, enxugou e dilapidou para transformar em estilo.

Em torno de Cale e Reed, arregimentaram-se as seguintes peças: o já citado Morrison e, suprema audácia, uma mulher baterista. Munida apenas de caixa, bumbo e um chimbau com pandeiro, Maureen "Mo" Tucker limitava-se a marcar o tempo com a seca displicência que faria Billy Cobham e similares darem meia-volta e fugir pela culatra.

Meses depois - no começo de 1966 - o grupo passou a tocar toda semana no Café Bizarre, no bairro nova-iorquino de Greenwich Village. Foi aí que apareceu o artista plástico e catalisador em geral, Andy Warhol, que os integrou a seu show multimídia itinerante, o lendário Exploding Plastic Inevitable. Mais que isso, Warhol obrigou o Velvet a incorporar uma atriz e modelo alemã - a espectral e imóvel Nico - como cantora.

As quatro músicas que Nico canta no LP dão o perfeito contraste para o mundo das sombras descrito obsessivamente por Lou Reed. Na superfície, parecem até baladas da mais solar e melódica doçura. Chegue mais perto que dá para ver a lâmina. Como em "Sunday Morning", que Lou compôs quando Warhol o provocou para fazer uma letra sobre a paranóia - o velho albino a considerava o tema mais quente e universal do momento (isso no auge do flower power!). Um violão é delicadamente dedilhado, e o sotaque teutônico de Nico sussurra: "Cuidado! O mundo está atrás de você / Há sempre alguém a sua volta."

(Texto escrito por José Augusto Lemos, Bizz#007, fevereiro de 1986)

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