Hunky Dory, o clássico não tão badalado de David Bowie


Hunky Dory foi o disco que me apresentou o universo fantástico de David Bowie. É claro que, no auge da minha adolescência, eu já havia tomado contato com faixas como "Let's Dance", da fase mais pop de Bowie, figurinha fácil nas rádios na década de 1980 e que nunca me agradou muito. Talvez essa preferência se deva justamente pelo impacto que Hunky Dory teve em minha vida, escancarando as portas do momento mais brilhante e cristalino da carreira de um dos maiores artistas que a música pop já conheceu.

O disco está amparado em duas faixas estupendas, e, ao mesmo tempo, antagônicas. Uma, um pop grudento e inspirador. Outra, uma canção densa e com uma das letras mais inteligentes que o rock já pariu. 

"Changes" abre o álbum com uma melancolia doce, que evolui, devagar e sem pressa, para uma exemplar pop song, onde David Bowie parece refletir sobre o momento em que vivia, já que acabara de ser pai. Até hoje o refrão de "Changes" me pega de jeito, mesmo já tendo-o escutado literalmente centenas de vezes. A brincadeira de Bowie, repetindo o início da palavra que dá título à canção como que em uma gagueira intencional, é, para mim, um dos momentos que ratificam todos os comentários, exagerados ou não, sobre a sua genialidade.

Já "Life on Mars?" é uma das raras faixas que, mesmo sendo uma velha conhecida há tempos, estando ao meu lado e fazendo parte da minha vida há décadas, até hoje me surpreende e me causa arrepios a cada nova audição. O modo como David canta a letra é a prova irrefutável do porque Bowie ostentar, desde sempre, o status de um dos maiores intérpretes do rock. Além disso, o refrão de "Life on Mars?" é algo que desafia as minhas vãs tentativas de buscar adjetivos para explicar algo único e antológico, que não cabe em palavras, mas cabe em qualquer momento de nossas vidas, seja qual for a emoção que estejamos sentindo.

Há ainda muito mais em Hunky Dory. "Oh! You Pretty Things" é prima-irmã de "Life on Mars?”. ”Kooks" traz Bowie dissertando sobre o seu então nascente momento familiar. "Quicksand" é uma das grandes baladas da carreira de Bowie, não tão badalada, escondida em um catálogo repleto de clássicos. "Andy Warhol" é uma espécie de folk-hippie-hipnótico em homenagem a um dos heróis de Bowie, assim como "Song for Bob Dylan", tributo de David a Dylan, um dos músicos mais influentes da história. Há ainda o rock cru e selvagem de "Queen Bitch", figura ilustre na longa e subestimada coleção de grandes riffs que frequentemente nos faziam colocar um sorriso de orelha a orelha ao ouvir os álbuns de Bowie lançados durante anos 1970, lista essa que possui ainda canções como "Rebel Rebel", "Ziggy Stardust" e "Suffragette City".

Por um breve momento, a força e a mítica de The Rise and Fall of Ziggy Stardust and The Spiders from Mars acabou por ofuscar Hunky Dory, mas a qualidade de suas canções tratou logo de corrigir esse erro, e hoje Hunky Dory é visto, de forma clara e extremamente justa, como um dos melhores trabalhos de Bowie. Uma única audição em suas onze faixas atesta o porque de tamanha idolatria.

Discoteca básica, audição fundamental.

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