Discoteca Básica Bizz #015: Roxy Music - Roxy Music (1972)


"Muita gente discordará de que o Roxy Music tenha definido os anos 1970. Ao contrário, todos estarão de acordo que a importância dos Beatles para os anos 1960 tenha sido básica e radical. Não devemos estranhar. Os sessenta foram anos da esperança, os 70, da confusão. Os sixties, anos de unidades. Os seventies, anos de dispersão."

Como Ramón de España - que o enunciou em um interessante livrinho sobre a banda (Ediciones Jucar, Madri, 1982) -, acho que essa é a chave da compreensão da importância do Roxy Music para o rock contemporâneo. O conceito Roxy, tal como foi formulado por Bryan Ferry, ataca o nó cultural daquela década obscura em muitas das suas variantes: consumo versus arte, melodia versus ruído, saída pessoal versus solução coletiva.

Bryan andou metido em uma escola de artes (foi aluno do pintor David Hamilton) antes de decidir que o rock era um suporte mais adequado para as suas aspirações estéticas. Descobriu isso por acaso - ele era crooner, por hobby, em uma banda soul de Newcastle, Inglaterra, por volta de 1967. E sabia tocar o "bife", ou pouco mais, ao piano. Mudou para Londres. Comprou um piano (!). Suas exposições de pintura não foram muito bem-sucedidas, mas em 1970 ele já tinha diversas composições, competentes o suficiente para não escandalizarem Andy Mackay, um novo amigo, saxofonista com trânsito pela música experimental.

Com Mackay e um velho parceiro do grupo de soul, o baixista Graham Simpson, trabalharam o repertório enquanto experimentavam colaboradores: Dexter Lloyd, depois Paul Thompson na bateria, David O´List (ex-Nice), depois Phil Manzanera para a guitarra. Mas o achado foi um jovem vanguardista, apaixonado pela eletrônica, que além do mais era a única pessoa conhecida capaz de tocar o sintetizador ("Meu Deus, o que é isso?!") que Mackay tinha comprado: Brian Eno.


Eis que, em 1972, a EG Records e o letrista e produtor Peter Sinfield, recém rompido com o King Crimson, resolvem lançá-los. Nesse meio tempo, as primárias canções de Ferry foram re-arranjadas, reagindo magnificamente com suas letras cultas, entre o surreal, o irônico e o romântico. Da parte interna da capa do primeiro LP (por fora a modelo Kari-Ann se espalha numa colcha de cetim, sem um apelo sexual) cinco figuras exóticas com topetes pontudos, óculos de homem-mosca, jaquetas de oncinha, lançavam seu manifesto: refaça, remodele.

"Re-Make/Re-Model", a primeira faixa, começa com ruídos de festa. É esse o sentido da exuberância dos rapazes: celebração, e não bichice. O som evoca, frequentemente, o rock dos anos 1950. Mas este é um disco de ideias, mais do que música. O primeiro compacto, com a faixa "Virginia Plain", já tinha posto a banda em evidência. Os trinados de Ferry tratavam de uma de suas obsessões, o glamour do cinema hollywoodiano ("O real e confiável / é que Baby Jane está em Acapulco / e todos estamos voando para o Rio"), de um jeito provocador (Baby Jane Holzer foi estrela em alguns filmes underground de Andy Warhol). Sintetizador, sax e guitarra festejavam.

No LP, esses motivos estão expandidos. Além da profusão de efeitos eletrônicos futuristas, o trabalho de Eno no sintetizador amplia a noção de textura, até então pouco presente no rock. Os timbres de teclados, guitarras, sax (e oboé, o outro instrumento de Mackay) se combinam em camadas, se distribuem em solos rápidos, num certo sentido de música visual, gráfica.

Mas, sobretudo, é Mr. Ferry derramando-se em charme, ao piano, nos vocais brincalhões ou ressentidos, nas letras ricas em imagens, apaixonadas e apaixonantes - não fosse o nome Roxy inspirado naquelas salas de cinema onde se assistiam aos doces encontros e desencontros do amor. 

"Parece que foi ontem / que te vi pela primeira vez / Como poderia esquecer um dia assim?”.

(Texto escrito por Alex Antunes, Bizz#015, outubro de 1986)

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