Discoteca Básica Bizz #019: Kraftwerk - Radio-Activity (1975)



Kraftwerk - o primeiro grupo pop moderno. Dizemos moderno para associá-lo à era contemporânea, à era da máquina, da eletrônica e do computador. Radio-Activity trata de um dos aspectos mais marcantes da contemporaneidade - as revoluções ocorridas no campo da comunicações.

O LP é de 1975, mas é impressionante como o disco vai ficando cada vez mais atual a cada ano que passa. Ele serve para mostrar a posição única do grupo como o pioneiro da música eletrônica dentro do cenário pop. A eletrônica já estava invadindo a música alemã desde a década de 1950, no centro de pesquisas eletrônicas de Darmstadt, fundado por Stockhausen. Foi deste centro de pesquisas que saíram Holger Czukay e Schmidt para fundar o Can. Ao lado do Kraftwerk, o Can foi a outra espinha dorsal do rock alemão da década de 1970, embora os dois grupos propusessem utilizações diferentes da eletrônica.

Os integrantes do Kraftwerk são de Düsseldorf. Começaram no início dos anos 1970 como uma dupla formada por Ralf Hütter e Florian Schneider, ambos de formação clássica. No começo, usavam instrumentos eletrônicos ao lado de equipamentos convencionais. Tornaram-se totalmente eletrônicos por volta de 1973, quando entraram Karl Bartos e Wolfgang Flur na percussão eletrônica. Eles montaram um estúdio próprio, o Kling Klang, que hoje em dia é totalmente computadorizado e portátil.

Kraftwerk - o primeiro grupo pop contemporâneo. O mundo, nos últimos 86 anos, mudou mais rápida e irreversivelmente do que em qualquer outro período da história. A música neste século também sofreu esse processo de mudanças. Os instrumentos acústicos, que nos acompanham durante séculos, evocam associações com uma realidade que era relativamente estável. Neste século, a progressiva substituição do mundo natural pelas criações do homem provocou rupturas na concepção de realidade, que passo a ser vista como construção do homem.

É interessante notar que os integrantes do Kraftwerk se consideram tanto músicos quanto técnicos - capazes, portanto, de inventar e/ou alterar a realidade. A simples eletrificação dos instrumentos, ocorrida neste século, produziu alterações radicais em nosso ambiente sonoro. Mas a ruptura efetiva com o passado só foi ocorrer com o aparecimento do som eletrônico. O Kraftwerk realizou essa ruptura no campo do pop. Sua influência se estendeu para o rock anglo-americano dos anos 1980 - para citar alguns: David Bowie, Ultravox, Afrika Bambaata e New Order.


Radio-Activity é o sexto LP do grupo. A faixa-título começa com uma pulsação. Entra um coro celestial. Começa a melodia e declara-se que estamos num mundo transformado. Nos intervalos da música, um código morse. É uma delícia. As melodias e letras são simples e se repetem muito. Vão se insinuando na cabeça e ficam lá. "Radioland", com sua batida que lembra um ritual, liga esse novo mundo às nossas origens.

Cada faixa tem um papel e uma função acabada. "Airwaves" é uma celebração de potencial, de parâmetros alargados. Tem um pique meio de rock, com efeito hilariante. Do lado B, "Antenna" é uma amostra linda da originalidade dos sons produzidos por instrumentos eletrônicos. Sons que derretem, arranham e viram do avesso, mil coisas que não caberiam na música até então. "Radio Stars" é penetrante. Dois anéis de som, fora de sincronia, são revolvidos na mixagem e se repetem infinitamente. Duas vozes os acompanham. Uma é praticamente um zumbido. A outra declama em cima, fortemente distorcida e ligada a um teclado. É uma maravilha de música.

Kraftwerk - o primeiro grupo plenamente do século XX. O primeiro grupo no contexto do pop a tomar consciência do problema do "moderno", da contemporaneidade, e o primeiro a descobrir a solução.

(Texto escrito por Peter Price / Thomas Pappon / Bia Abramo, Bizz#019, fevereiro de 1987)

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