Discoteca Básica Bizz #034: Love - Forever Changes (1967)



Com o neo-psicodelismo inglês, que vem desde a passagem da década (Echo & the Bunnymen, Teardrop Explodes, Monochrome Set) e até a recente consolidação das bandas assumidamente regressivas (Primal Scream, Weather Prophets, Primitives, Brilliant Corners, Razorcuts, Mighty Lemondrops, Shamen) - onde reconstitui-se com uma nova roupagem a estética dos anos 1960 -, uma lado mais obscuro da geração psicodélica passou a ser fortemente reverenciado. Tornou-se fashion rebuscar as melhores doses de inspiração não apenas nos expoentes da West Coast Music (Jefferson Airplane, Grateful Dead, Doors) como também nas bandas de folk rock (Buffalo Springfield, Byrds) e em obscuros e insólitos cult groups californianos como H.P. Lovecraft, Strawberry Alarm O' Clock, Spirit e Smoke.

A mais cultuada e reconhecida fonte de ideias, entretanto, foi o Love, grupo criado pelo guitarrista e vocalista Arthur Lee, que em 1964 largou sua terra natal (Memphis) e se picou para L.A., onde recrutou os guitarristas Bryan McLean e John Echols, o baixista Ken Forssi e o baterista Don Conka (logo substituído por Alban "Snoopy" Pfisterer). Contratados pela Elektra, debutaram em vinil com o LP Love (1966), que conta com canções inesquecíveis como a ode lisérgica "Signed D.C." e duas covers, uma de Burt Bacharach/Hal David ("My Little Red Book") e outra infernal do clássico "Hey Joe". 

No segundo disco, Da Capo, que conta com o acréscimo de Tjay Cantarelli nos sopros e Snoopy (substituído na bateria por Michael Stuart) comandando os teclados, o Love solidificou sua musicalidade - ritmos e melodias de uma psicodelia pouco ortodoxa, condensada por idiossincráticos elementos de folk rock e turvas passagens de rhythm and blues que, aliadas a tons de balada, fizeram de seu som um dos mais originais e peculiares do desbunde americano.


O disco em questão é o seguinte: Forever Changes, lançado no final de 1967 e considerado um dos mais importantes dos anos sessenta e o mais significativo do Love. A partir deste LP, a banda original dissolveu-se, cabendo a Lee carregá-la nas costas por mais quatro álbuns que, embora interessantes, já não continham mais a expressividade que os havia caracterizado.

Produzido em conjunto por Bruce Bostnick (que depois produziria o L.A. Woman dos Doors), é um LP voltado às transformações que, literalmente, revolucionaram boa parte do cenário pop. Desde a inclusão de sopros e cordas até o turbilhão eclético que permeia os arranjos das onze faixas, pode-se dizer que Forever Changes é o Sgt. Pepper's do Love, ou seja, a ruptura com elementos mais formais e uma recriação do toda a psico-parafernália do cérebro - queimado de ácido - de Lee. As letras, iluminadas pela aura surrealista, divagam, entre trocadilhos elegantes e rimas aparentemente ingênuas em torno do desassossego, da dúvida e do comportamento (re)visto por uma ótica chumbada de lindos sonhos dourados.

Quanto às canções, encontramos baladas flamenco-orquestrais como "Alone Again Or" e "Maybe the People Would Be the Times or Between Clark and Hilldale", o bucolismo folk de "Old Man" e "Live and Let Live" (essa é bem à la Donovan), as baladas-romântico-psicopop "Andmoreagain" e "The Good Humor Man He Sees Everything Like This", as complexas texturas psico-clássicas que discutem as situações do homem perante a existência na legendária "The Red Telephone", as sofisticações psicodélicas com inesperadas ou ásperas mudanças e distintas modulações nas harmonias presentes em "A House is Not a Motel", "The Daily Planet" e "You Set the Scene" e o curioso dylanesco semi-rap-psicodélico "Bummer in the Summer". Essas canções eram mais ou menos assim. 

Hoje tenho muitas saudades desse amor derretido por excesso de ácido e criatividade.

(Texto escrito por Fernando Naporano, Bizz #034, maio de 1988)

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