Discoteca Básica Bizz #035: James Brown - Live at the Apollo (1963)



Se o verdadeiro e único Godfather é o "haaaaaardest working man in the show business" - como anunciavam seus mestres de cerimônia - Live at the Apollo é o melhooooooooor LP ao vivo na história do show business. Mas qual deles? Todos. Sim, porque existem três. O primeiro é absoluta lenda: gravado em dezembro de 1962, saiu pela King em janeiro de 1963 e foi relançado pela Solid Smoke em 1980. O segundo é um LP duplo, gravado em junho de 1968; saiu pela King dois meses depois e foi relançado em 1986 pela Rhino, da Califórnia, como dois LPs separados (Live at the Apollo Volume 2, Parts 1 and 2). O terceiro também é um LP duplo, gravado em 21 e 22 de julho de 1971, e lançado em dezembro do mesmo ano pela Polydor.

Qualquer brownnófilo sério precisa ter os três, claro (como a negada, que já o transformou no "the most sampled man in show business"). O terceiro é fácil de ser encontrado no mercado. Mas não é tão arrasador quanto o segundo, o relançado em duas partes pela Rhino, também facilmente encontrável. Quanto ao primeiro, mate ou morra, mas não consuma o resto de sua existência sem incorporá-lo à sua discoteca.

No terceiro LP temos o Godfather na fase em que a estrutura harmônica de suas músicas, já em um strip-tease acelerado, cai em um exercício modal em cima de um só acorde (com a banda tocando um verdadeiro bilhar polirrítmico). No segundo LP temos James Brown à frente de uma de suas super bandas massacrantes (incluindo Maceo Parker e o pai da guitarra funk, Jimmy Nolen, com Brown de 1965 até sua morte, de ataque cardíaco, em 1983), atacando standards ("Think", "I Feel Good", "Cold Sweat", "Try Me", "Please, Please, Please") e clássicos alheios, como "Kansas City". 



E no primeiro LP temos um homem fazendo história: as sincopadas que se tornariam o som dos anos 1960 (e base para todos os sons negros e brancos bem informados subsequentes), os grooves de arrebentar, os ritmos entrecruzados, o scratch percussivo da guitarra, as tonalidades bebop da sessão de metais - gospel mixado com jazz licks, cujo filho pródigo foi chamado de soul music e, claro, com riff impagável por cima, por baixo, em volta e através desta elaborada estrutura em movimento de ritmo incessante, aquela voz infernal, pontuada por soluços, gritos, uivos, grunhidos, berros, pedaços de palavras mastigadas e o imperativo "take it to the bridge!"


James Brown define seu som: "De onde vem, é um segredo entre Deus e eu". Right on. Mas por que gravar no Apollo? JB explica em sua autobiografia: "O Apollo era um lugar especial. O lugar para artistas negros. Você podia fazer seis ou sete shows num dia só. Você comia lá, dormia lá, e continuava ensaiando quando não estava no palco. A platéia era muito dura. Se eles não gostavam, davam a entender. Na hora."

Para quem tinha pacto com o Lord lá em cima e fazia 350 shows por ano, o Apollo foi uma manha. James Brown pagou a gravação ao vivo do primeiro LP do próprio bolso (5.700 dólares, um monte de $$$ na época). Foi gravado em duas pistas, ou seja, com mixagem quase que instantânea. Usaram apenas oito microfones, dos quais três para a platéia. JB queria lançar um LP ao vivo para que as pessoas, na época, pudessem pelo menos escutar o seu show, já lendário. 

Live at the Apollo, o primeiro, é o evangelho segundo o Godfather. Ele lembra, na biografia: "Assim que eu entrei em 'I'll Go Crazy' eu sabia que era um daqueles dias". Uma mãozinha extra do Lord lá em cima, que é tarado por soul e funk (quando não está de mau humor), JB, no Apollo, estabeleceu-se definitivamente no Olimpo. Good God, sock it to me, uuuuuuuuh!

(Texto escrito por Pepe Escobar, Bizz #035, junho de 1988)

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