Discoteca Básica Bizz #037: The Stooges - The Stooges (1969)



Uma bomba de efeito retroativo, fora de lugar, fora do tempo. Começa num ritmo preguiçoso, a guitarra miando através do wah wah. Alright! Ritmo e guitarra adotam uma pulsação básica que se convencionou chamar de punk rock, e pronto: "Bem, é 1969, / através dos USA / é um outro ano / para mim e para você / outro ano sem nada para fazer".

Ele, creditado na capa como Iggy Stooge, está furiosamente morrendo de tédio. Os outros três "patetas" (Ron Asheton na guitarra, Dave Alexander no baixo e Scott Asheton na bateria) num esporro elétrico com a adrenalina de um Cro-Magnon que sente o bafo do mamute na sua cola. Obviamente os Estados Unidos de 1969 não estavam preparados para os Stooges.

P.S.: a influência histórica óbvia, os Ramones tirando o visual das fotos de capa e contracapa de The Stooges, os Sex Pistols tirando o som de "No Fun" e "I Wanna Be Your Dog" (também faixas deste LP, que volta e meia apareciam nos shows de Joãozinho Lydon e companhia), tudo isso não pesa muito sobre o disco. Ainda que eterno, espanta qualquer cheiro de bolor assim que começa a massacrar os falantes da caixa.

Tédio, desprezo e adrenalina. A química antes de virar fórmula composta, sem alvo definido. A faísca acendeu um fogo que nunca esteve apagado - ainda que os discos do Joy Division exibam as cinzas. Ian Curtis simplesmente idolatrava Iggy Pop, e os reflexos de ambos estão vagando a terra como mortos-vivos. Fazer o que? Tédio e ódio continuam vivos, mas sua expressão está mais que cristalizada.



Uma banda de garagem comandada por um alucinado. Algo assim devia passar pela cabeça do pessoal do selo Elektra, que rescindiu o contrato dos Stooges antes de seu terceiro disco. Uma banda de garagem apontando para o futuro. Em todo o LP, apenas "We Will Fall" dá bandeira dos elos que ligavam os Stooges ao passado - às feridas incicatrizáveis chamadas (que tédio repetir isso em 1988!) Doors e Velvet Underground. Com mais de dez minutos de um apocalíptico mantra quase gregoriano, "We Will Fall" é a "The End" dos Stooges, e a única faixa em que o produtor do disco, John Cale (então com um pé fora do Velvet), deixa sua marca: num drone zumbindo ininterruptamente e na aparição de sua inconfundível viola nos minutos finais.


No lado dois, tudo volta ao normal com "No Fun", outra ode ao tédio mortal movida por um riff histórico. "Não tem graça ficar sozinho / não tem graça sair por aí / não tem graça!". Segue "Real Cool Time", outra ode ao sexo como único antídoto para o tédio mortal, que culmina numa das mais estridentes paredes de guitarras da história do heavy metal. E surge então a segunda anomalia do disco. "Ann" seria apenas mais uma balada romântica com guitarras em changalanga, se estas não estivessem amplificadas demais e se Iggy não estivesse inaugurando no vinil um lamento de bezerro desmamado que atinge crescendos epilépticos e se tornaria uma de suas marcas registradas: uivos viram bocejos, urros cospem sussurros (também imitados ad nauseam).

O segundo LP, Funhouse (também lançado no Brasil, por encomenda da cadeia Museu do Disco), expande tudo isto para uma selvageria ainda mais catártica, fluída e madura. Merece igualmente o selo Discoteca Básica. Assim como a segunda encarnação dos Stooges (com James Williamson na guitarra), produzida por David Bowie no treme-terra Raw Power. Essencial também o semipirata Metallic K.O., onde se tem a revelação da intensidade que isto atingia ao vivo - para alguns, os verdadeiros Stooges. 

Mas foi aqui que tudo começou.

(Texto escrito por José Augusto Lemos, Bizz #037, agosto de 1988)

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