Discoteca Básica Bizz #038: Novos Baianos - Acabou Chorare (1972)



A década de 1960 acabou seis meses antes, nas noites de 20 e 21 de julho, no Teatro Castro Alves, em Salvador, no show de despedida de Caetano Veloso e Gilberto Gil. Na plateia, do poeta Augusto de Campos a inúmeros órfãos. No palco, Gil, Caetano e o grupo Os Liefs (Pepeu, Lico, Carlinhos e Jorginho). O show-réquiem dava o sinal: a Navilouca antropófago-tropicalista devia seguir.

Os Novos Baianos surgem, num batismo de fogo, nestas noites negras. O cantor, compositor e violonista Moraes Moreira, o poeta-agrônomo Galvão, o crooner de baile Paulinho Boca de Cantor e a cantora Baby Consuelo, inicialmente acompanhados dos Liefs, seguem transformando cinzas em melodias. Desclassificação em festival, shows-happenings, um LP e dois compactos serviriam de ensaio geral.

Em 1972, já ocupando um apart-tribo no Rio, os Novos Baianos gestavam um manifesto. Uma ilustre visita daria o toque final: a do mago João Gilberto. João abre seu baú de canções dos anos 1930 e 1940 e se mistura ao rockarnaval dos Novos Baianos. O LP Acabou Chorare, primeiro lançamento da gravadora Som Livre, seria a síntese desta viagem hard-pós-Tropicália-João Gilberto. O título sairia de um brinde-balbucio de bebê, que Bebel Gilberto - née Isabel -, filha de João e Miúcha, sussurraria nas jams.



O samba-batucada "Brasil Pandeiro", de Assis Valente, lançado em 1940 por um dos mitos de João, o grupo Anjos do Inferno, abre o disco. O grande hit "Preta Pretinha", uma colagem cinematográfica saída de algum alto-falante do interior, serve de abre-alas e dá passagem a "Tinindo Trincando", uma bossa-baião-hard com texto mínimo e onomatopéico, que Baby pulveriza sobre A Cor do Som, isto é, Pepeu, Dadi, Jorginho e Baixinho, a parte elétrica dos Novos Baianos.


"Swing de Campo Grande" e "Acabou Chorare", entregue à parte acústica do grupo, fecham o lado A, zanzando entre o batuque e a seresta-bossa. "O Mistério do Planeta", na voz de Paulinho, relê uma velha canção do grupo Mini Planeta Íris, o texto confessional dá um grito de basta na barra lúcifer da época. A canção seguinte, na voz de Baby, "A Menina Dança", continua o desnudar de barras: "... só entro no jogo / porque estou / estou mesmo depois / depois de esgotar / o tempo regulamentar...".

"Besta é Tu", com Moraes, em ironia máxima ("... não viver este / se não há outro mundo ..."), transpirava, naquele negro tempo, uma linguagem cifrada pela sua desconcertante simplicidade carnavalesca. "Um Bilhete pra Didi", única música instrumental, serve de território para A Cor do Som dar seu vôo. Uma versão de "Preta Pretinha" fecha o disco, sendo que, no show, "Preta Pretinha" entra em um pout-pourri-bricolagem com "29 Beijos", do primeiro compacto, e "Oba-Lá-Lá", bossa-baião de e do antológico primeiro disco de João Gilberto. Era a proposta sintetizada em som e cena.

Acabou Chorare, além da síntese sonora - Jimi Hendrix empunhando um cavaquinho (por sinal, presente de Paulinho da Viola a Pepeu) e João Gilberto uma guitarra distorcida -, traz, em sua primeira edição (em 1984 foi relançado com capa simples), uma das mais interessantes e surpreendentes capas. Um texto de Augusto de Campos dá o tom, outro de Galvão explica a antifamília Novos Baianos e várias fotos quebram os olhos dos censores. Na contracapa, uma superposição: um Novo Baiano e um dos filhos da troupe fumam o mesmo baseado, como se ilustrassem, em silêncio, o projeto obra-viagem do grupo.

Barras se sucederam a barras. Acabou Chorare, em som, imagem e silêncio, foi um de seus melhores closes.

(Texto escrito por Marcelo Dolabela, Bizz #038, setembro de 1988)

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