Discoteca Básica Bizz #042: Phil Spector - A Christmas Gift for You (1963)


É curioso constatar que, num país tão religioso como o Brasil, não haja tradição para a composição de canções de Natal. Fora honrosas exceções, como a famosa "Boas Festas", de Assis Valente, cantada por Carlos Galhardo nos anos 1930 e perpetuada como marchinha de Carnaval, todas as músicas que se referem à festa e povoam os monitores de TV neste período do ano são composições tradicionais importadas da Europa e dos Estados Unidos.

Uma tradição intimamente ligada à música popular americana do século, a partir dos cantos gospel de autores semi-anônimos, das composições de Irving Berlin e tantos outros, interpretadas por Judy Garland, Big Crosby, Aretha Franklin, Ray Charles, Elvis Presley. Quase todos os grandes cantores prestaram um dia homenagem ao velhote de manto púrpura e barba branca.

Mas a obra-prima do gênero é, sem dúvida, o Christmas Album de Phil Spector, um compositor e produtor que nasceu justamente no dia 25 de dezembro de 1940, no Bronx, em Nova York. Este clássico entre os clássicos é percorrido por treze faixas luminosas, com interpretações impecáveis de cantores soul, como Bobby B. Soxx & The Blue Jeans e Darlene Love, e ainda dos girl groups The Ronettes e The Crystals, principais estrelas da gravadora Philles, dirigida por Spector.

O álbum apresenta várias curiosidades. Embora reúna dezenas de músicos, intérpretes e compositores diferentes, é acima de tudo a obra de seu produtor, que levanta aqui o edifício mais acabado do seu estilo, o wall of sound. É uma das primeiras vezes na história em que o processo de gravação de um disco é abordado como forma de criação artística absoluta. Spector passou meses no estúdio, onde se dedicou à busca da perfeição para cada música. 



Megalomaníaco dos sons, ele se definiu assim: "Minha abordagem do rock and roll é wagneriana. Faço pequenas sinfonias para a garotada". Para tanto, ele levou a técnica dos overdubs - a sobreposição de cinco ou seis guitarras, três ou quatro pianos, inúmeras percussões com baterias, castanholas, tamborins, sinos e tímpanos - até suas últimas consequências, para criar uma massa sonora de proporções até então inéditas. Os músicos que participaram dessas gravações - entre eles os guitarristas Glen Campbell, Sonny Bono e Barney Kessel, o pianista Leon Russell e o baterista Hal Blaine - contam que Spector resolveu gravar algumas partes do álbum no banheiro do estúdio (o Gold Star, em Los Angeles), porque somente ali conseguia a acústica e a reverberação de que estava precisando.

O álbum foi lançado sob o título A Christmas Gift for You no final de 1963, às vésperas do assassinato do presidente John Kennedy. Os americanos não tiveram humor para apreciar suas músicas alegres e embaladas. Mesmo assim, o disco frequentou os charts a cada ano, na época do Natal, principalmente na Inglaterra, onde foi reeditado pela Apple Records, selo dos Beatles, e rebatizado Phil Spector's Chrismas Album, em 1972, a partir do nome dado pelo público. 

É extraordinária e muito mais importante do que se pensa a influência de Phil Spector sobre a música pop dos últimos trinta anos. Numa entrevista recente, Brian Wilson, líder dos Beach Boys, reconheceu que criou confiança e buscou inspiração nos discos de Phil Spector no início de sua carreira. Quanto aos Beatles, ele fez a remixagem do LP Let it Be; co-produziu Imagine, de Lennon; e voltou ao seu estilo wall of sound no LP triplo All Things Must Pass, de George Harrison, em 1970. Mais recentemente, Spector produziu os LPs Death of a Ladies Man, de Leonard Cohen, e End of the Century, dos Ramones.

Mas nada melhor que este disco, que iluminou até hoje muitos Natais de seus felizes possuidores.

(Texto escrito por Jean-Yves de Neufville, Bizz #042, janeiro de 1989)

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