Discoteca Básica Bizz #049: Tom Zé - Estudando o Samba (1976)



O Brasil é a casa onde os santos menos fazem milagres, uma estranha espécie de instituto de pesos e medidas em que a cultura brasileira é "brega" e qualquer rebotalho estrangeiro é cultuado incondicionalmente. O que menos se macaqueia de fora é a ausência de preconceitos musicais, sendo um belo exemplo disso o nosso amigo David "Talking Heads" Byrne, sempre atento aos sons de todo o planeta e que não conteve a sua admiração ao conhecer o trabalho de Tom Zé (uma espécie de seu equivalente brasileiro, pois, não tão mal comparando assim, ele poderia ser considerado um "David Byrne que não deu certo", que nunca teve o apoio de uma grande gravadora), mais precisamente a partir deste LP.

Tom Zé, para quem não se lembra, veio da Bahia junto com Caetano, Gal e Gil, sendo tão importante quanto eles, mas não tão famoso, por uma série de fatores: além de sempre ter sido mais caseiro - deixando escapar a chance de se projetar em Londres com eles, e se fixando em São Paulo numa época em que tudo parecia acontecer no Rio -, Tom Zé nunca sofreu a compulsão de se curvar perante os modismos ou pendurar melancia no pescoço para aparecer. Além disso, ele sempre gravou por selos menos fortes que as gravadoras multinacionais (Rozenblit, RGE, Continental, exceto um obscuro primeiro compacto e algumas faixas inéditas pela RCA, em 1965), conseguindo fazer apenas sete LPs durante dezesseis anos, quase todos grandes raridades. E este Estudando o Samba é o menos comercial deles.



Tom Zé - normalmente eclético e flertando com diversos gêneros de música popular - fez deste LP um verdadeiro curso de samba, em todos os seus andamentos, estilos e épocas, sempre filtrando-os por sua ótica pessoal: o samba de morro (na faixa "Se"), o samba amaxixado do início do século ("Você Inventa") e o sambão ("Tô"). Mas ele também enveredou pela bossa nova em "A Felicidade", de Tom e Vinícius - a única faixa do disco não composta por Tom Zé e transformada em uma "bossa-valsa"! -, e até pelo minimalismo, com um pé no rock e outro nas ladainhas do norte/nordeste (não fosse Tom Zé um bom baiano), como demonstrou em "Mã", a música que incluía os famosos cavaquinhos em afinações estranhas, marcando obsessivamente o ritmo.

Em seu estudo do samba, Tom Zé se revelou um aluno exemplar. Aquele que até chega a ensinar algo aos mestres, alguns dos quais, por sinal, participam do disco: Heraldo do Monte no violão e guitarra, o maestro José Briamonte nos arranjos orquestrais, o sambista Elton Medeiros na parceria em duas faixas ("Tô" e "Mãe Solteira"), e o percussionista Téo da Cuíca (tocando tambor d'água e outros instrumentos de sua invenção).

Já as letras de Tom Zé formaram um capítulo à parte, em que ele esbanjou sua ironia, provocação e irreverência, como em "Tô" ("Tô te explicando pra te confundir / Tô te confundindo pra te esclarecer"), "Se" ("Ah! Se maldade vendesse na farmácia / Que bela fortuna você faria... Me contem / Como escrever de novo / Um jornal de ontem"), "Você Inventa" ("Você inventa Deus e eu invento a fé / Você inventa o pecado e eu fico no inferno") e até mesmo os momentos mais líricos, como "Mãe Solteira" ("Dorme, dorme meu pecado / Minha culpa, minha salvação").

O próprio Tom Zé iria relembrar posteriormente que, na época, Heraldo do Monte não conteve uma expressão de espanto semelhante à feita por David Byrne, doze anos depois, ao conhecer a originalidade de seu trabalho. Pois bem, quem se dispuser a estudar o samba tem que obrigatoriamente consultar este LP, no qual Tom Zé defendeu brilhantemente a sua tese sobre a versatilidade, a energia e a eternidade do gênero.

(Texto escrito por Ayrton Mugnaini Jr., Bizz #049, agosto de 1989)

Comentários