Metal cristão: a história do white metal e uma lista com os melhores discos do gênero


Poucos gêneros da música contemporânea são tão abrangentes quanto o heavy metal. É de fácil percepção que o gênero abarca diversas categorias em seu escopo. Musicalmente falando, peso, melodia, influências folclóricas, eruditas e sinfônicas costumam ser absorvidas pelo metal com maestria, sendo, costumeiramente, parâmetro para a divisão do estilo em subgêneros. Podemos observar que o metal pouco faz discriminação com as mais diversas influências utilizadas pelas bandas pertencentes a cada um desses gêneros. 

O tema do presente artigo, por sua vez, escapa simultaneamente às duas "regras" supracitadas. Em primeiro lugar, sua separação dentro do heavy metal é dado perla temática de suas letras, e não por variação musical. E, em segundo, este subgênero é um dos mais marginalizados e controversos dentro do próprio metal. Estamos falando do metal cristão, também chamado de white metal.

UM SUBGÊNERO?

Inicialmente, faz-se necessário expor que o white metal, definitivamente, não segue a lógica de subdivisão do metal. Sua temática lírica, no entanto, tem agregado as bandas que tratam da mesma de forma mais contundente do que outras, ao longo da história do gênero. O metal cristão reúne bandas de todos os subgêneros do heavy metal, tendo representantes até mesmo no black metal, campo comum de temas relacionados ao ocultismo, satanismo e anti-cristianismo. 

Apesar de, visivelmente, não pertencer ao mesmo campo estrutural dos subgêneros do metal, o white metal acabou assumindo um caráter identitário que partiu anteriormente como instrumento de marginalização e exclusão, mas funcionou como escudo e mecanismo condensador para as bandas do gênero. Em outros termos, o que era usado de maneira pejorativa acabou sendo admitido como imagem real de tais bandas.


A MÚSICA RELIGIOSA: UM BREVE HISTÓRICO

É fato que a música está presente desde os primórdios da humanidade e não há registro do que sejam as primeiras músicas. Atualmente, não se conhece nenhuma civilização ou agrupamento que não possua manifestações musicais próprias. Embora nem sempre seja produzida com esse objetivo, a música pode ser apontada como uma forma de arte, considerada por muitos como sua principal função. 

Como qualquer manifestação ou tribo urbana, os grupos religiosos também detém seus ritos próprios e adaptações de diversas manifestações artísticas para a expansão e divulgação de seus dogmas. A música é um dos principais instrumentos para tal exercício. Segundo Marius Schneider, historiador musical: ”A religião tem, na música, um dos principais métodos de divulgação de seus movimentos sacros, enquanto a música tem, na religião, um de seus principais métodos de propagação." Dessa forma, é possível perceber que a música desenvolve-se, também, na medida em que é utilizada pelos grupos religiosos.

Claramente, cada religião possui formas específicas de manifestações musicais, tais como a música sacra católica, o gospel das igrejas evangélicas, a música judaica, os tambores do candomblé ou outros cultos africanos, o canto do muezim no Islamismo, entre outras. 

Maior expressão religiosa do mundo, com cerca de 2 bilhões de adeptos, e a mais influente na composição ocidental - donde advém o heavy metal - o Cristianismo desempenhou papel fundamental na evolução musical, sendo, por isso, objeto de nosso interesse nesse estudo. Precisamos saber que a origem da música cristã é comumente relacionada aos salmos. Segundo J. Gonzáles Echegary: ”Salmos ou Tehilim é um livro do Tanakh (fazendo parte dos escritos ou Ketuvim) e da Bíblia Cristã, e constitui-se de 150 (ou 151 segundo a Igreja Ortodoxa) cânticos e poemas que são o coração do Antigo Testamento. É a grande síntese que reúne todos os temas e estilos dessa parte da Bíblia, utilizados pelo antigo Israel como hinário no Templo de Jerusalém, e hoje são utilizados como orações ou louvores no Judaísmo, Cristianismo e também no Islamismo."

É óbvio que existem diversas outras manifestações religiosas também dentro do metal, possíveis objetos de estudo no futuro.


O METAL CRISTÃO E SUA EVOLUÇÃO

Como qualquer expressão da música cristã, o heavy metal cristão começa a desenvolver-se junto do próprio estilo. O título de primeiras bandas de white metal é creditado normalmente a Resurrection Band, Messiah Prophet e Jerusalem. Mas a primeira grande banda de metal cristão, decididamente, foi o Stryper, o primeiro grupo do gênero a receber um disco de platina. No início dos anos 1990, o Mortification ganhou destaque por se tornar a primeira banda de death metal com temática cristã.

Bandas mais extremas também começaram a se interessar pela temática. Pouco depois, a banda Living Sacrifice estava tocando um thrash/death cristão, O Paramaecium se tornou uma das maiores bandas de doom metal cristãs e influenciaria mais tarde bandas também cristãs como  o Pantokrator. Dentro do mais polêmico, pesado e fechado subgênero da música pesada, o black metal, algumas bandas também passaram a adotar o cristianismo como temática de suas letras, assumindo o duro desafio contra a postura fechada do meio. 

O Horde é considerada a primeira banda de black cristã, e o lançamento de Hellig Usvart em 1994 - que significa Sacro unBlack - gerou reações muito negativas entre a maior parte dos fãs e bandas de black metal. Unblack metal passou a ser usado algumas vezes usado por cristãos para se referir ao black metal cristão, para se livrar da conotação negativa do termo black metal. A ideia de "unblack" ou "não-preto" foi lentamente sendo substituída pelo termo white metal. Os noruegueses do Antestor também enfrentaram a duras penas o preconceito dentro do cenário, adquirindo, posteriormente, certa fama e lançando álbuns muito bem recebidos pela crítica. 


Contemporaneamente, o metal cristão conseguiu derrubar certas barreiras e passou a ser veiculado juntamente às bandas de cunho secular num único mercado, frequentando festivais e realizando turnês ao lado de grandes bandas tradicionais do heavy metal. Muito dessa aceitação se deve a incorporação da temática no meio da explosão do power metal nos anos 1990, e deve ser creditada, especialmente, à figura do vocalista Rob Rock. Inicialmente, Rob fez fama como vocal e guitarrista virtuoso da banda de Chris Impellitteri. Durante os anos 1980 e 1990 ele concentrou-se em seu trabalho solo, lançando o ótimo álbum Rage of Creation, e também fez parte dos vocais da banda Warrior. 

Muitas bandas de metalcore, um estilo já bastante marginalizado dentro do heavy metal, também fundamentaram suas bases líricas no Cristianismo, tais quais Zao, As I Lay Dying, The Devil Wears Prada, Still Remains e Demon Hunter. O crescimento da popularidade do metalcore, durante a primeira metade dos anos 2000 se deve muito à força da música cristã nos Estados Unidos.

No Brasil, o metal cristão segue discreto, mas possui alguns nomes de peso considerável. Os pioneiros do estilo no país são os evangélicos do Stauros, banda prog de Santa Catarina. Mas o maior nome do gênero no Brasil até hoje são os católicos do Eterna, banda paulista muito premiada especialmente com o disco Epiphany - mais tarde dissolvida no que seria o atual Ceremonya. Uma banda atual, ainda tentando espaço e que merece destaque, é o Destra. Apesar de ser o maior nome da música religiosa brasileira, há controvérsias sobre a inclusão do Oficina G3, musicalmente, dentro do heavy metal.

Seventh Avenue, Theocracy, Narnia, Audiovision e Divinefire são as mais proeminentes bandas de power metal cristão. Existem muitas outras notáveis bandas, incluindo Ultimatum, Becoming the Archetype, Temple of Blood, Aletheian, Crimson Thorn, Dynasty, Harmony, Saviour Machine, Majestic Vanguard, Soul Embraced, Visionaire, Ikarian, Sympathy, Virgin Black, Century Sleeper, Disciple, Veni Domine, entre outras.


ACEITAR, INCORPORAR, REJEITAR?

O metal é, até hoje, um dos gêneros musicais mais marginalizados e discriminados do mundo. É comum presenciarmos interpretações ignorantes e preconceituosas sobre o estilo e seus ouvintes. O ouvinte de heavy metal, o fã do gênero, é, por sua vez, aquele que mais faz juras de pertencimento e irmandade entre aqueles que adoram o estilo.

É por tais motivos que parece inconcebível que o fã de heavy metal metal, que conhece o preconceito e a marginalidade midiática tão bem, pregue o mesmo preconceito para com os seus companheiros dentro do próprio gênero. O heavy metal derivou do rock clássico, absorvendo influências diversas, entre elas da música negra e gospel americanas. Grandes ídolos do gênero tem forte vínculo religioso, como é o caso de Dave Mustaine, Tom Araya e Alice Cooper. Por tais motivos, o Cristianismo deveria ser aceito como tema tão facilmente como qualquer outra temática ou mitologia.

O adepto do metal cristão encontra-se comumente à margem e sem força de pertencimento dos dois grupos. Por ser um ouvinte de um estilo usualmente relacionado ao ocultismo e paganismo, muitas bandas e fãs enfrentaram forte rejeição dentro dos grupos religiosos. Ao mesmo tempo, por se utilizarem de uma temática não tradicional, vista por muitos como anti-ética aos preceitos do heavy metal, foram escanteados e ridicularizados pelos headbangers.

À parte do enquadramento filosófico das bandas, o claro é que tais grupos são os responsáveis por grandes álbuns da história do heavy metal, e devem ser levados em consideração pela sua grande contribuição na propagação do gênero.

GRANDES ÁLBUMS

A seguir, apresentamos uma lista com os álbuns essenciais do metal cristão ou white metal. Seguimos critérios pessoais de preferência e os álbuns não se encontram essencialmente em ordem de importância, mas sim em ordem alfabética:

Antestor - Omen (2012)
Eterna - Epiphany (2004)
Horde - Hellig Usvart (1994)
Jerusalem - Dancing on the Head of the Serpent (1987)
Mortification - Scrols of the Megilloth (1992)
Narnia - Long Live the King (1999)
Rob Rock - Eyes of Eternity (2003)
Stryper - To Hell With the Devil (1986)
Veni Domine - Fall Babylon Fall (1991)
Virgin Black - Requiem Mezzo Forte (2007)

E quanto a vocês, amigos? O que acham do metal cristão? Que algum álbum deveria constar na lista? Comentem, debatam.



Comentários

  1. Palavras,explicação e conceitos relevantemente bem explanados.

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    1. Jacob's Deram, Crinsom Moonlight, Barren Cross, Brinde, Daniel Band, Holy Soldier, Metal Nobre, Magnitude 9, Haven, Lengsel, Krush, Lightmare, Mehida, Balance of Power, Angelica, Bloodgood, Petra, Pyramaze, Recon, Saint, Slechtvalk, Sacred Warrior, Tourniquet, Whitesnake Cross.

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    2. Uma observação: Pyramaze não é uma banda cristã, mas positive metal

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  2. Eu achei White Metal uma descoberta. Nunca fui um muito próximo a rock, muito menos metal. Embora eu mesmo seja músico de formação erudita, mas sendo eu um transeunte por vários gêneros musicais, sempre vi particular dificuldade e certa ignorância consciente do heavy metal (digo consciente porque sabia que estava mesmo ignorando aquele enorme gênero). A verdade é que, apesar de me sentir cativado pela sonoridade do metal, tinha muitos receios quanto as temáticas. Isto é, com toda a franqueza, eu me sentiria muito mal em ter ouvido uma canção e depois descobrir que se trata de um texto antirreligioso/ofensivo/blasfemo que se contenha insultos à figuras/divindades de qualquer religião ou filosofia religiosa, além de não ser muito fã de temáticas de certa "veneração à morte", como costumam dizer... Não é um julgamento, obviamente, mas eu particularmente não me sinto bem e me sentia como que "Puxa, não tem como fazer esse som mas sem temáticas tão 'dark'?" Desde que um amigo me sugeriu um belo dia algumas coisas de metal, fui-me aproximando do gênero e ficava numa certa neurose de estar atento às letras etc... Parecia que havia uma necessidade de pensar que quanto mais "pesado" o som, mais "obscuro" teria que ser a letra. Enfim. Confesso que depois de conhecer essa categoria White Metal sinto-me seguro de colocar uma playlist no Spotify e deixar correr... Soa estranho para alguns, mas acredito que como eu existam muitos. Não que eu não pare e nem perscrute outras canções de metal, mas na categoria White Metal descobri bandas ótimas. (Destaque para Skillet, que apesar de não ser tão pesada, curti tudo que eu já ouvi até agora.) Um abraço!

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