David Bowie: 40 anos de Station to Station (1976)


Falar que a morte de David Bowie foi uma das mais sentidas na música pop nos últimos anos é chover no molhado - e olha que ultimamente o que não falta é artista consagrado morrendo. Poucos nomes foram tão influentes nas últimas décadas, e menos ainda foram os que conseguiram transitar pelos mais variados estilos e tendências como ele - daí o apelido, hoje até meio clichê, de “camaleão do rock”. E não há como falar de seus discos mais importantes sem mencionar Station to Station, que em 2016 completou quarenta anos de seu lançamento, e de certa forma pavimentou muito do que seria feito em seus álbuns seguintes (em especial a clássica trilogia berlinense de Low, Heroes e Lodger).

O disco foi composto e gravado no final de 1975, num período em que Bowie estava imerso dentro do mais completo caos em sua vida pessoal, vivendo em Los Angeles, a base de uma dieta de leite e pimentas, e cheirando quilos de cocaína. Também morava em sua casa Glenn Hughes, na época ainda baixista e vocalista do Deep Purple, e também chegado em um “açúcar no canudinho”. Em meio a esse cenário, o vocalista ainda arranjou tempo para estrear nos cinemas em The Man Who Fell to Earth (1975), e até começou a escrever uma autobiografia (ou quase isso), que segundo suas palavras retrataria acontecimentos de sua vida recente misturados a elementos de ficção - a mesma não chegou a ser completada, assim como uma suposta trilha sonora para o filme.

Por sorte, esse ambiente desregrado acabou não sendo prejudicial em relação ao álbum, ainda que Bowie anos depois dissesse não se lembrar de nada das gravações - e convenhamos que se um alto consumo de drogas impedisse alguma coisa, quase ninguém lançaria discos nos anos 1970. A sonoridade ainda era bastante calcada no funk e soul norte-americanos, que já dominava seu álbum anterior, Young Americans, e havia gerado seu primeiro grande hit na terra do Tio Sam (“Fame”, uma parceria com John Lennon). Mas também já era notável a influência do krautrock e da música eletrônica da época, de bandas como Neu! e Kraftwerk - algo que seria ainda maior num futuro próximo - o que deu ao disco uma sonoridade diferente de tudo o que havia sido feito pelo britânico até então.


O LP abre com a faixa-título, com seus pouco mais de dez minutos de duração (a mais longa de toda sua discografia) e letra com referências que vão de drogas ("Não são os efeitos colaterais da cocaína / acho que pode ser amor") até esoterismo e Aleister Crowley, outra de suas obsessões à época. Também é citado nos versos um tal The Thin White Duke, que acabaria sendo um personagem adotado pelo vocalista tanto dentro quanto fora dos palcos na subsequente turnê, do mesmo modo que Ziggy Stardust alguns anos antes - o que acabou lhe causando alguns problemas, após entrevistas controversas onde elogiava o fascismo e Adolf Hitler, e também uma suposta saudação nazista feita aos fãs na Inglaterra.

Dentre as cinco faixas que completam o álbum (número curto, mas não muito incomum numa era de discos de rock progressivo com músicas ocupando um lado inteiro do vinil), destaca-se a balada “World on a Wing”, um dos raros momentos confessionais de David Bowie, que nunca primou por letras autobiográficas – ao menos não tão explícitas – e anos depois a definiria como “um grito de socorro”. De resto, há o hit “Golden Years”, funk de branco no estilo do álbum anterior e escrita originalmente para (e rejeitada por) Elvis Presley, a alegrinha “TVC15” – inspirada por alucinações cocainômanas de Iggy Pop, que achava que sua namorada estava sendo engolida por uma televisão – e “Stay”, onde brilham as guitarras de Earl Slick e Carlos Alomar, além de uma bela versão do clássico “Wild is the Wind”.

Após a difícil gestação do disco e sua turnê de divulgação, estava claro que Bowie precisava tratar de seus vícios se quisesse manter sua saúde – e por consequência, sua carreira – nos trilhos. O que veio em seguida já foi bastante falado ao longo dos anos, com sua estadia em Berlim a fim de se desintoxicar junto ao ídolo/amigo já citado Iggy Pop (que teve seus dois primeiros álbuns solos produzidos pelo próprio Bowie) e a gravação de mais discos clássicos e extremamente influentes, com o auxílio de Brian Eno. Mas Station to Station também merece ser tão celebrado quanto os da fase alemã, permanecendo até hoje como um dos melhores trabalhos da carreira do finado “camaleão do rock”.



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