Discoteca Básica Bizz #063: Parliament - Uncut Funk … The Bomb: Parliament’s Greatest Hits (1984)


Os primeiros passos do funk, esboçados nos anos 1960 por James Brown e Sly Stone, tomariam diversos rumos ao longo de duas décadas. Associaram-se ao rock, passaram pela disco music, por Prince, e deixaram rastros indeléveis num vasto terreno musical - do rap à dance music contemporânea. No entanto, todas estas trilhas teriam que confluir inevitavelmente para a encruzilhada marcada pelo conglomerado Parliament/Funkadelic, as duas criações supremas do produtor/compositor/arranjador George Clinton, também conhecido pela alcunha de Dr. Funkenstein ou Maggot Overlord ou Uncle Jam ou Star Child ou ...

As origens musicais de Clinton remetem ao grupo doo-wop The Parliaments, que fundara ainda adolescente em New Jersey. Posteriormente ele iria para Detroit, onde começou a compor para o staff da Motown, conseguindo em 1967 emplacar o primeiro hit de seu próprio grupo, a balada "(I Just Wanna) Testify", ao estilo dos inúmeros conjuntos vocais de soul da época. 

Mas ao mesmo tempo em que era impedido legalmente de usar o nome The Parliaments, Clinton foi se aproximando do som psicodélico e da emergente cena do rock local (MC5, The Stooges). Da fusão destes delírios elétricos com sua formação de soul music, Clinton criou o Funkadelic. Uma vez vencida a disputa judicial pelo antigo nome, ele também o retomaria no singular Parliament, embora comandando quase a mesma troupe de músicos sob ambos. 


A princípio, cabia ao Funkadelic a vertente mais experimental das idéias de Clinton, ficando o Parliament com seu lado mais puro de soul/funk. Mas à medida que ambos os trabalhos foram se desenvolvendo, esta diferença desapareceu diante de sua criatividade desvairada. E de um fantástico rol de colaboradores que incluía o tecladista Bernie Worrell, os guitarristas Gary Shider, Eddie Hazel e três ex-membros da banda de James Brown: Fred Wesley e Maceo Parker nos metais e - claro - o braço direito de Clinton, o baixista William "Bootsy" Collins, dono de um suingue e uma técnica de slap inconfundíveis.

Mas, além de surpreender no campo musical, a Parliafunkadelicment Thang transformou a própria concepção dos shows de black music. Em vez de elegância e coreografias ensaiadas, Clinton e companhia traziam para o palco um bizarro espetáculo, com um bando de freaks circulando em fraldas, meias de nylon, roupas de heróis espaciais ou monstros e outras excentricidades, enquanto as letras flutuavam entre images apocalípticas, a ficção científica e cenas meramente escatológicas.

Esta insólita miscelânea tornou-se a mais justa medida de valor do funk nos anos 1970, e um dos lados de tão valiosa moeda foi devidamente compilado na antologia em questão. Compreendendo a fase áurea do Parliament (1974-1979), o disco reuniu dez das melhores canções do grupo: desde seu primeiro sucesso massivo, "Up For the Down Stroke", até os devaneios disco de "Aqua Boogie (A Psychoalphadiscobetabioaquadooloop)" e "Theme From the Black Hole". A seleção apresenta ainda faixas essenciais como "Chocolate City" (com suas inflexões de rap), "Flash Light" (precursora do baixo sintetizado, fartamente usado pela new wave) e o balanço arrasa-quarteirão da notória "Give Up the Funk (Tear the Roof Off the Sucker)".

Durante a década de oitenta Clinton não só continuou à frente dos P. Funk All-Stars como também expandiu suas atividades como produtor (Red Hot Chilli Peppers, Thomas Dolby) e, acima de tudo, continuou ousando - a música "Loopzilla" (1982) foi a primeira a registrar o uso de samplers. 

Aliás, a ousadia parece ter sido sempre a principal missão da funky music intergalática de George Clinton. P.Funk: uncut funk... THE BOMB!

Texto escrito por Celso Pucci e publicado na Bizz #063, de outubro de 1990

Comentários