Discoteca Básica Bizz #064: Jefferson Airplane - Surrealistic Pillow (1967)


Nos dourados anos 1960, quando o ácido ainda não era empastelado de anfetamina e o desbunde não era apenas pose, a música então desenvolvida era um anteparo imprescindível para o advento do flower power e uma de suas principais formas de expressão.

Foi neste contexto que em 1965 surgiu na explosão do rock californiano um dos grupos que mais caracterizou o San Francisco sound: The Jefferson Airplane, formado por Marty Balin, Signe Anderson (vocais), Paul Kantner, Jorma Kaukonen (guitarras, vocais), Bob Harvey (baixo) e Skip Spence (bateria). Junto a duas outras bandas locais - The Charlatans e The Warlocks (que depois se transformaria no Grateful Dead) -, o Airplane foi um dos criadores do acid rock, cujos primeiros lampejos encontravam-se logo no álbum de estreia, Jefferson Airplane Takes Off (1966), já com o baixista Jack Casady no lugar de Bob Harvey. 

Depois do disco, as deserções do baterista Skip Spence (que saiu para formar o Moby Grape) e da cantora Signe Anderson (que se afastou por causa da gravidez) foram oportunos pretextos para o grupo atingir seu line up ideal com a entrada de Spencer Dryden e, especialmente, de Grace Slick (que era vocalista do Great Society).

Com esta configuração, o Airplane gravou seu segundo LP, Surrealistic Pillow, um dos mais perfeitos retratos da primeira geração psicodélica e de todo o west coast sound. Só de um modo genérico seria possível desmembrar sua complexidade, uma chapante pororoca na cabeça dos hippies perplexos: uma bateria técnica emigrada do jazz, um baixo bluesy e rebuscado, guitarras com riffs e longos solos revezando-se em atmosferas viajantes.


Mas era na voz de menina tarada de Grace Slick, nas afetadas harmonias de Marty Balin e no toque folkster de Paul Kantner que residia o grande segredo: vocalizações sui generis que soavam estranhas e divagantes. Somadas a isto, letras que misturavam Lewis Carroll (vide "White Rabbit"), deambulações herdadas da beat generation, pacifismo, rebeldia e - claro - muito amor.

Entre as onze canções que compunham este "travesseiro surrealista" revelavam-se obras-primas do Frisco Sound como o hino ao amor livre "Somebody to Love" e a ode lisérgica "White Rabbit" ("Um comprimido te faz crescer / um comprimido te faz encolher / aqueles que sua mãe te dá / não fazem efeito nenhum"), ambas trazidas por Slick do repertório do Great Society. Não menos essenciais eram a hipnótica balada de amor "Today" (apaixonadamente cantada por Balin) e a ultra-inventiva "Plastic Fantastic Lover" - com vocais no melhor estilo rap (!) e ambientada em high lisergia. 

Mas havia muito mais: as belas passagens folk psicodélicas detectadas em "My Best Friend", "D.C.B.A.-25" e "How Do You Feel", as pinceladas rockers que embalavam "She Has Funny Cars" e "3/5 Of A Mile in 10 Seconds", a envolvente balada "Comin' Back to Me" e o instrumental intimista de "Embryonic Journey". Tudo isso fez de Surrealistic Pillow o álbum que definiu as diretrizes sonoras do grupo, numa trajetória única e impecável que se estenderia até 1972.

Durante este período, o Airplane gravou mais sete álbuns - dois deles ao vivo - onde destrinchou a psicodelia em sua essência, descobrindo seus segredos, virtudes e em que circunstâncias ela poderia se tornar "um bode". Num processo de constantes mudanças passou a chamar-se Jefferson Starship (que, à exceção dos dois primeiros LPs, desonrou totalmente sua história) e, depois, apenas Starship. Em 1989, o Airplane voltou com a formação principal dos sixties e um novo disco, mas... nem chegou a decolar.

Texto escrito por Fernando Naporano e publicado na Bizz #064, de novembro de 1990

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