Discoteca Básica Bizz #067: Genesis - The Lamb Lies Down on Broadway (1974)


Esta é a terceira vez que um grupo progressivo clássico chega à Discoteca Básica. Por mais controversa que seja a posição deste movimento dentro da história do rock, ele marcou seus tentos. The Lamb Lies Down on Broadway faz parte do score favorável ao time dos dinossauros.

Antes de The Lamb Lies Down on Broadway, o Genesis já havia superado sua imagem de mera college band inglesa dos anos 1970 com Nursery Crime (1971), em que estabeleceu as coordenadas de seu estilo particular a partir da formação mais consistente do grupo - Peter Gabriel (voz, letras), Steve Hackett (guitarra), Phil Collins (bateria), Michael Rutherford (baixo) e Tony Banks (teclados). Este estilo, para quem gosta de etiquetas, carregaria sem problemas a marca de "rock programático", ou seja, uma música de intenções pop inspirada por uma ideia não-musical, uma espécie de descrição de imagens elaborada através dos sons.

Esta trilha sonora das letras alegóricas de Gabriel - que se colocava em posição diametralmente oposta à música absoluta praticada pelo King Crimson fase 1972-1974 - chega ao seu ápice em The Lamb Lies Down on Broadway. Ao mesmo tempo, Gabriel praticamente monopoliza a concepção do álbum, a ponto de não ser muito difícil considerar o disco como seu primeiro trabalho solo. 


Sem dúvida, seus colegas tiveram um trabalho considerável em dar movimento a uma história criada basicamente segundo a velha técnica surrealista da escrita automática. Gabriel concentrou uma massa de referência literárias dentro de uma trip de autoconhecimento. Seu personagem - Rael - é um porto-riquenho líder de gangue juvenil em Nova York. Ele é capturado por um objeto voador e perde-se em um esquisito mundo de alegorias da sociedade de consumo. Durante a viagem, Rael se embaralha em encontros com Marshall McLuhan (em "Broadway Melody of 1974") ou figuras saídas das visões de William Blake (as "wise and foolish virgins" de "Carpet Crawl"). Por trás das máscaras, simulações e citações que o próprio Gabriel só entenderia nos mais de cem shows que o grupo fez para divulgar o álbum.

No geral, as músicas se revelam brilhantes. Optando por um formato mais compacto de cada canção, o quinteto concentra atenção nas experimentações com timbres e na construção de uma narrativa musical. A faixa-título é uma tijolada conduzida pelo baixo de Rutherford, revidada no lado 2 pelo quase-blues apresentado em "Back in N.Y.C.". O primeiro disco perde um pouco de sua unidade no final, deixando o melhor para o lado 3: a condução da bateria de Collins na seção final da desconstruída "The Waiting Room" e a pérola de ironia na conversa de Rael com a morte em "Anyway" ("Dizem que ela vem a cavalo / mas estou certo que ouço um trem"). O lado 4 abre "The Colony of Slippermen", com uma vinheta instrumental japonesa, retomando os temas principais em "The Light Dies Down On Broadway" e encerrando com a antecipação do que seria o som do Genesis após a saída de Gabriel, logo depois. Sintomaticamente, é a pior parte do álbum.

The Lamb Lies Down on Broadway é um disco de entrelinhas, com detalhes que demoram a ser assimilados. Contribui para isso a pequena participação de Brian Eno, fazendo tratamentos reconhecíveis nas faixas ambientais (como "Silent Sorrow in Empty Boats"). As hierarquizações dos planos vocais, as intervenções de Collins interpretando John - o irmão de Rael - são aspectos do testamento da união entre Gabriel e o Genesis. Depois deste álbum, só o vocalista faria algo que mereça ser acrescentado a outra edição desta coluna.

Texto escrito por Marcos Smirkoff e publicado na Bizz #067, de fevereiro de 1991

Comentários

  1. Sou fã do Genesis, mas não considero The Lamb Lies Down on Broadway o melhor disco do grupo porque o que mais há de melhor deles durante a Era Gabriel está em Nursery Cryme (1971), Foxtrot (1972) e Selling England by the Pound (1973). Gosto deste álbum, não tanto quanto os anteriores mencionados, pois penso como seria o TLLDOB se todo seu conceito coubesse num disco simples ao invés de duplo, e também se o egocentrismo do Sr. Gabriel não crescesse tanto nesse tempo, ofuscando o talento dos outros quatro membros do Genesis - incluindo o Sr. Collins - uma das razões que motivaram a saída do performático frontman. Eu tenho o vinil duplo do The Lamb (com o selo do Chapeleiro Maluco), ouço-o de vez em quando, mas é como eu disse, não considero este o melhor trabalho do Genesis. Os três antecessores é que são os melhores pra mim. Enfim, ótimo texto!

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