Headbanger de extrema direita: o resultado catastrófico de quem ouve música sem se aprofundar em seu conceito


Em um país onde grande parte dos grupos políticos organizados na disputa pelo poder se encontram desmoralizados, falar de política ou assumir determinada posição ideológica se torna muitas vezes um tabu gerado pelo constrangimento e vergonha por parte de quem se engaja politicamente em alguma causa. Mas, como as decisões políticas e institucionais refletem diretamente o nosso cotidiano e determinam o nosso papel social, tratar desse assunto é algo muito necessário, ainda mais por ser algo extremamente relacionado a música - neste caso, ao heavy metal e ao rock and roll.

Neste contexto onde as contradições sociais e ideológicas no Brasil se encontram ainda mais acentuadas, vemos o surgimento de muitas personalidades dentro da nossa cena que ganham atenção vociferando discursos conservadores, moralistas, autoritários, com um ódio bem acentuado contra os movimentos sociais e coletivos de esquerda. Particularmente eu afirmo isso com um grande pesar e decepção de alguém que desde os 15 anos de idade sempre entendeu a cultura do rock com algo libertário que quebrasse com todos os padrões sociais e morais impostos por essa sociedade que, há pelo menos 40 anos, sempre foi criticada na cena.

Quando o Black Sabbath lançou seu primeiro álbum, em 1970, o que mais chamou a atenção foi o fato de as músicas baterem em assuntos tidos como verdades universais pela nossa sociedade ocidental, como religião, sexo e drogas. A mesma coisa aconteceu quando o Sex Pistols lançou seu debut Never Mind Bollocks, Here’s the Sex Pistols, sete anos depois. Como o próprio nome da banda já era polêmico para a época, músicas como "Anarchy in the UK" e "God Save the Queen" foram o suficiente para deixar as posições morais da aristocracia e da elite britânica ainda mais afloradas. Judas Priests, AC/DC, Twisted Sister, Mötley Crüe e Mercyful Fate são outros exemplos que fizeram a elite conservadora arrancar os cabelos e não medir esforços para censurá-los através da Parents Music Resource Center (PMRC).

O heavy metal foi algo que surgiu dentro das maiores periferias dos Estados Unidos e da Europa, e sempre teve a ideologia de criticar as estruturas dominantes, excludentes, que a sociedade sempre aceitou passivamente e sem nenhum questionamento. Uma prova disso é a religião. Ao contrário do que muitos pensam, o conceito de satanismo dentro do gênero musical não é uma expressão espiritual ou religiosa, e sim uma crítica e uma oposição à todo tipo de atrocidade e disseminação de violência e repressão que sempre foi (e ainda é) justificado por meio do cristianismo.

Mesmo que muitos tentem negar, todos nós - sem exceções - possuímos uma ideologia, seja ela bem fomentada ou várias ideias tortuosas. Ideologia não significa apoiar partidos políticos ou determinadas pessoas, mas sim ter uma base de raciocínio que utilizamos para enxergar a sociedade e agir dentro dela. A nossa ideologia define nossa posição em relação a questões que permeiam a sociedade em que vivemos, se somos contra ou a favor de algo, e o que se deve fazer diante de um fato. Apenas o ato de expressar nossa opinião já demonstra que somos ideológicos.


O heavy metal é um movimento que se apropriou de vários conceitos culturais para poder surgir, e continua se apropriando de outros para se renovar. Porém, na essência do movimento, o metal sempre pregou uma sociedade livre onde as pessoas pudessem realizar seus desejos e vontades pessoais sem serem julgadas ou reprimidas por alguém que se incomode por isso. O dilema “sexo, drogas e rock and roll” é um reflexo deste clamar por liberdade e tolerância diante da nossa sociedade autoritária e hipócrita. Basta levarmos esses aspectos em consideração para entender o porque é ignorância e incoerência haver headbangers esbravejando preconceito e elitismo nos lugares por onde andam.

Algumas pessoas tentam justificar que gente como eu está “tentando impor” um conceito único e imutável ao metal, mas a verdade é que estamos apenas corrigindo desvios e conceitos que são adversos à cultura que fazemos parte. Entendo que o heavy metal possui sim um conceito libertário e não segregador. Depois de figuras como Jair Bolsonaro e Olavo de Carvalho, outros personagens também se projetaram e ganharam visibilidade por defender ideias semelhantes, como o músico Nando Moura. A partir daí formou-se uma legião de fãs de metal ignorando todo o conceito do gênero, toda crítica presente nas composições musicais e apoiando a extrema-direita brasileira como alguém que queira mostrar radicalidade e brutalidade sem pensar no que está dizendo.

O HEAVY METAL JAMAIS PODERÁ SER SINÔNIMO DE SEGREGACIONISMO, ELITISMO, EUGENIA OU DOGMATISMO RELIGIOSO.

Trazendo à tona novamente a questão da ideologia, sintetizo melhor a contradição em questão. Todos nós temos uma base de raciocínio pela qual enxergamos o mundo. Bolsonaro, por exemplo, já demonstrou que na sua compreensão a sociedade seria melhor se houvesse mais controle e repressão contra aqueles que ele considera como o “câncer” desta mesma sociedade. Abertamente, ele defende uma sociedade construída sob uma viés moralista e conservadora no que rege às estruturas socioeconômicas, além de homogeneidade sociocultural. E o pior: tudo isso imposto autoritariamente sob um regime totalitário. Ele deixa tudo isso bem claro quando elogia a ditadura militar, por exemplo.

Nada que é proposto pela extrema-direita ou por setores elitistas está de acordo com a ideologia colocada nas letras das músicas ou no papel social que desempenhamos na história. O heavy metal jamais poderá ser significado de segregacionismo, elitismo, eugenia ou dogmatismo religioso. Metal é o oposto a tudo aquilo que sempre tentou ser imposto, ser forçado independente da nossa vontade. É o grito de liberdade pela autonomia de pensamento, comportamento e atitude.

É com base nisso que expresso meu profundo repúdio a quem dá o braço a torcer por figuras e conceitos ideológicos que, na verdade, querem mesmo é acabar com qualquer suspiro que seja a nossa liberdade e direito de ser e pensar como queremos, independente da opinião dos outros ou mesmo da sociedade. 

Independente de ser fã ou músico, misturar conservadorismo e heavy metal é como misturar água e óleo.


Comentários

  1. Por um mundo sem extremos.
    Pra mim pouco importa se você é esquerda ou direita(como é o meu caso, sou de centro-direita), o problema é você ser extremo. Se você acha Marighella ou Ustra heróis, você é extremista. Se você vê Fidelix ou Pinochet como grandes líderes, você está batendo palmas para ditadores. Pelo fim do extremismo, por uma política nacional sem comunistas e fascistas.
    Deixei o rock meio de lado nesse comentário, pois classificar o rock em uma ideologia seria algo burro, tendo em vista que temos vários artistas que se definem como sendo de espectros políticos diferentes.

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    1. Fidel*
      Não Fidelix, aquele cara não é um grande líder nem do partido dele kkkk.

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    2. Fidel*
      Não Fidelix, aquele cara não é um grande líder nem do partido dele kkkk.

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  2. Pega a lacração e... Pegue as ideologias... Pegue o coletivismo... Pegue os movimentos sociais e enfie no teu cu! #BeijosDeLuz

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