Judas Priest e o disco que redefiniu o heavy metal


É impossível questionar a importância que Ozzy Osbourne, Tony Iommi, Geezer Butler e Bill Ward tiveram para o desenvolvimento do que hoje chamamos de heavy metal. Ainda que bandas como Cream, Blue Cheer, Jeff Beck Group e principalmente o Led Zeppelin tenham lançados álbuns importantes anteriormente, e por isso muitas vezes também levem a alcunha de “pioneiros”, todos os cinco (ou seis) primeiros discos do Black Sabbath, lançados na primeira metade dos anos 1970, continham peso e agressividade incomparáveis para a época, ajudando a definir o gênero - e praticamente todos os seus subgêneros por tabela - e permanecendo influentes até os dias de hoje.

Mas há outra banda fundamental de Birmingham, na Inglaterra, surgida pouco depois das citadas, mas que há 40 anos atrás lançou um disco que, ainda que tenha passado longe de ser um grande sucesso, mudaria completamente o curso da história da música pesada. Isso sem falar que, junto ao também aclamado Rising, do Rainbow, deu ao estilo uma sobrevida - pra não dizer uma cara totalmente nova - em um momento em que o punk (Inglaterra) e a disco music (Estados Unidos) começavam a dominar as paradas, e os medalhões entravam em decadência, lançando alguns de seus piores discos (Technical Ecstasy e Presence) ou até mesmo acabando, como o Deep Purple.

O Judas Priest havia estreado em 1974 com Rocka Rolla, após anos de ralação no underground e abrindo para grupos do segundo escalão do rock pesado da época (Budgie, Trapeze). Mas a banda ficou insatisfeita com o resultado final, após problemas com o produtor - curiosamente o mesmo do Sabbath, Rodger Bain - que resultaram em uma sonoridade aquém do esperado e um repertório mal escolhido. Foi apenas com Sad Wings of Destiny que o quinteto realmente mostrou a que veio, deixando de lado a abordagem mais puxada para o hard rock/prog setentista do debut - ainda que essas influências também aparecessem no novo LP - para imprimir um estilo que caracterizaria-os pelo resto da carreira.


Numa demonstração de inexperiência da gravadora (o grupo só assinaria com uma major no ano seguinte), um erro de prensagem da contracapa acabou alternando os lados A e B, o que só seria corrigido muitos anos depois em uma versão remasterizada do disco. Com isso, a épica “Victim of Changes”, com seus mais de sete minutos de duração, ficou como a faixa de abertura para os ouvintes, o que acabou não sendo algo lá tão ruim, pois trata-se de um maiores clássicos da banda, assim como a mais direta “The Ripper”, que como o próprio nome entrega, fala na letra sobre Jack o Estripador (do ponto de vista do assassino), e foi uma das que teve sua inclusão rejeitada em Rocka Rolla - haja falta de visão! Ambas se tornariam presenças incontestáveis nos setlists dos shows dali em diante.

Outras músicas importantes são “Tyrant” e “Genocide”, sendo que a primeira era a planejada para abrir o LP (é inclusive precedida por uma faixa chamada “Prelude”). E isso fica claro quando se ouve a mesma, pois trata-se de uma canção rápida e arrasa-quarteirão ao melhor estilo “Highway Star” - algo que seria muito copiado em abertura de discos no futuro e pelas mais variadas bandas - com as guitarras de Glenn Tipton e K.K. Downing dialogando entre si (e dobrando uma a outra no solo final), aliadas aos vocais agudos de Rob Halford, um dos melhores da história do heavy metal. Já a segunda lembra um pouco o disco anterior, mas viraria uma das favoritas dos fãs após a inclusão no ao vivo Unleashed in the East, em uma versão mais pesada - e extensa - que a aqui presente.

Entre as menos conhecidas, há a balada ao piano (sim, Judas Priest fazendo balada ao piano) “Epitaph” e a dinâmica “Island of Domination”, ambas mostrando uma grande influência do Queen, especialmente no trabalho das vozes. E também a dobradinha “Dreamer Deceiver” e “Deceiver”, que é praticamente uma música só dividida em duas partes - até pelos títulos parecidos. Enquanto a primeira envereda novamente por um lado mais baladeiro, com as guitarras e violões dedilhados e Halford mostrando um registro mais grave do que o seu habitual, a segunda já retoma o peso como principal atrativo, dando ao disco um encerramento apropriado (bem, ao menos originalmente ela deveria encerrar o álbum).

Em termos de qualidade, a própria banda superaria Sad Wings of Destiny com seus dois sucessores diretos (Sin After Sin e Stained Class), que também foram mais bem resolvidos em relação a produção - o único defeito da estreia que permaneceu aqui -, e os clássicos British Steel e Screaming for Vengeance, já nos anos 1980, que dariam ao grupo o sucesso comercial merecido. Mas nenhum deles é tão importante quanto esse, que não só precedeu o que seria tido como New Wave of British Heavy Metal poucos anos mais tarde, como também definiu o que tem-se até hoje como “metal tradicional”.

Por Matheus Henrique Pires

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