Review: Emanuelle Araújo - O Problema é a Velocidade (2016)


Um lugar comum: uma atriz que lança disco. Tal coisa, normalmente, não causa nem surpresa, nem curiosidade. No caso presente, porém, existem duas particularidades: primeiro, a artista em questão, Emanuelle Araújo, já tem um mais que respeitável currículo no meio musical, tendo integrado a banda Eva (substituindo Ivete Sangalo), cantado no grupo do Luís Galvão (gênio poeta, letrista e mentor intelectual dos Novos Baianos), além de sua bagagem nos trios elétricos carnavalescos desde os quatorze anos de idade e de seus trabalhos com o trio de samba Moinho e a Orquestra Imperial. 

Segundo, o álbum tem sido bastante apreciado no meio crítico, tendo arrancado elogios de gente do gabarito do grande Sergio Martins (jornalista cultural de ponta, atualmente trabalha na Veja). Além disso tudo, o nível do time de músicos que a cantora arregimentou em torno de si para conceber o trabalho é, no mínimo, impressionante: Stephan San Juan (percussão), Danilo Andrade (teclados), Pedro Sá (violão e guitarra), Alberto Continentino (Baixo) e o badalado Kassin, (que assina a produção e também toca baixo).

Fui então ouvir o álbum torcendo por uma surpresa positiva - mas, sem criar expectativas - e bom, ela não tardou a aparecer. Logo no começo, na verdade, com "Uma Mulher" (composição de Gabriel Muzak), a faixa de abertura, veio o sobressalto. Um ótimo samba, do tipo que tanta falta faz ouvir hoje em dia. Fluído, espontâneo e cativante em sua musicalidade, como todo bom samba tem que ser, converge o aconchegante clima de pagode de quintal com os amigos à contra-pontos de sofisticação instrumental, enquanto embala uma sensível letra. Quando você ouve soa tão natural que até parece fácil,  mas se é fácil, porque se ouve tão raramente? 

"Para o Grande Amor" (do grande e saudoso Peu Souza) traz o pop irresistível com toques alatinados e letra belíssima. O cálido clima caribenho embala ainda a agradável "Lua Cheia de Janeiro" (Celso Fonseca), e é condensado à mais carismática brasilidade na faixa-título, composição de Alberto Continentino e Domenico Lancelotti.

O trabalho funciona em todas as frentes e sua diversidade soa antes como uma expressão honesta de caminhos variados do que alguém atirando para todos os lados. A Emanuelle é, de fato, interessante. Inteligente e de charme e carisma latentes, é uma cantora com personalidade e muito bom gosto. Usa a voz com propriedade, passando a léguas de distância dos tantos moldes que de forma nefasta estão padronizando a forma de cantar de nossas mulheres. Vejam, só! Logo no Brasil, o país das cantoras …

"Baby Love" (Zeca Veloso) dá prosseguimento ao disco, trazendo o axé, que não poderia faltar, só que em estonteante intercâmbio com outras sonoridades, enquanto o samba reaparece na singela "O Amor Está ao Meu Lado" (Paulinho Moska) e em "Se For Pra Mentir" (Arnaldo Antunes/Cezar Mendes), aqui menos "low" que na faixa anterior e com primorosos arranjos.

Emolduradas por tocante lirismo, "Flor de Laranjeira" (Cezar Mendes) e "Na Imensidão" (também do Gabriel Muzak) seguem, competentes, numa agradável linha sonora pop mais dentro do universo MPB. Uma parabenização especial precisa ser feita à Emanuelle, por seu visível capricho na escolha dos poetas a quem daria voz e mais ainda, pela fluidez e naturalidade com que canta, transmitindo sempre honestidade, como se as letras de fato expressassem suas reais emoções.

"Louco de Saudade" (do Márcio Melo) e "Pra Pescar Seu Coração" (Paquito e Gerônimo) são de caráter popular mais deliberados, e então encerrando o disco, quando com um sorriso no rosto, você já tinha se dado por satisfeito com o conjunto da obra, surge ela, a obra-prima do trabalho. "Céu Azul" (também do grandíssimo Márcio Melo), com uma inebriante, quase etérea atmosfera, permeada de sublimes ecos psicodélicos e com uma letra de arrepiar de tão bonita, não só é a melhor música do álbum como bem pode ser considerada uma pérola da música brasileira contemporânea. 

Emanuelle acertou na receita musical do disco, resgatando a tradição e adaptando-a para o futuro, num álbum mais que moderno. A produção do Kassin também tem créditos aqui. Ele soube entender e contribuir com os intentos sonoros da cantora, principalmente com a escolha de muito bom gosto dos timbres.

O que se pode dizer no final é que O Problema é a Velocidade não apenas é realmente um ótimo trabalho, como é um disco até necessário. O álbum é um tipo em extinção nos dias de hoje, com potencial para reunir crítica e ouvintes em cândida harmonia. 

De surpresa, Emanuelle Araújo entregou um dos melhores discos nacionais de 2016, onde soube expressar sua forte personalidade e para o qual toda a repercussão positiva é merecida. Ao menos, eu estou louco com a possibilidade de ouvir "Para o Grande Amor" na boca do povão.


Por Artur Barros

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