Review: Katatonia - The Fall of Hearts (2016)


A catatonia é uma perturbação que ataca o sistema motor. Seu principal sintoma é deixar a pessoa literalmente estática, por horas e horas. O corpo trava, enrijece, e então a pessoa não é mais capaz de se mover.

A CARREIRA

Se você puxar o histórico de toda a carreira do Katatonia, verá que permanecer imóvel não é uma situação que pode ser atribuída aos suecos.

No início da carreira, nos anos 1990, a banda fazia um som que mesclava doom e death metal, consolidando-se na cena com o consagrado Brave Murder Day (1996). A surpresa veio nos álbuns seguintes, em que os caras abrem mão do death que os consagrou e apostam em uma pegada mais gótica. Foram ousados e, apesar de todo o conservadorismo do metaleiro, muito elogiados.

Não satisfeitos, continuaram com a evolução da sonoridade. Dead End Kings (2012) passa a flertar com o progressivo, e essa tendência é acentuada com o trabalho atual. Ainda assim, fica difícil rotular o Katatonia como uma banda de progressivo. Aliás, fica difícil rotulá-los como qualquer coisa.

Dentre as tentativas de rotular The Fall of Hearts, o site Encyclopaedia Metallum os descreve como metal depressivo. Em conversa com um amigo, a definição dele também foi boa: doom metal progressivo. Vou simplificar e manter o rótulo como metal progressivo, por uma questão de ordenação das categorias aqui do blog. Não é o ideal, mas não tenho ideia melhor.

ME TIRE DESSA SOFRÊNCIA

Como sugerido pelo próprio título do álbum (“A queda dos corações”, em tradução livre), somado à capa sombria, o ouvinte já imagina que o caminho a percorrer será denso e triste. Mas eu confesso que a temática me decepcionou um pouco.

Tudo gira em torno do amor, mais especificamente em torno da falta dele. Esse é um tema muito perigoso: ou ele é abordado com extrema maturidade, ou você corre riscos altíssimos de cair em todos os clichês da sofrência humana.

O Katatonia desliza nesse aspecto. Existem acertos, como a letra de "Serac": “Para que não perdoemos o que nos trouxe até aqui / Esse fechamento não é o que você tinha em mente / Eu tento me lembrar de você como éramos, fragmentos” mostra um ponto de vista curioso, misturando raiva e amargura. É uma boa letra.

O contraponto fica com "Residual" (existem outros exemplos, mas não quero me alongar muito): “Na cidade as luzes são várias / Só que eu não consigo mais achá-las divertidas / Eu assisto a noite se desdobrar e desaparecer / Eu fico na estrada”. Agora feche os olhos e pense na sofrência. Esse tipo de letra é mais clichê do que frases sobre inveja em carros fuleiros.

IS THIS LOVE?

Liricamente eles não mandam bem. Ponto. Não há defesa que possa me convencer o contrário. Os fatos são claros, e de acordo com Arnaldo, a regra também é clara. 

É o amor! Que mexe com a minha cabeça e me deixa assim... Que faz eu pensar em você e esquecer de mim... Que faz eu esquecer que a vida é feita pra viver..." Há! Aposto que você leu no ritmo!

The Fall of Hearts sofre a síndrome de Whitesnake em grau preocupante. Se você não conhece essa síndrome, te explico brevemente: Ela consiste em colocar a palavra “amor” e seus derivados em todas as brechas possíveis. Alguns dados para te convencer:

- A palavra “amor” aparece em 50% das músicas;
- “Esquecer” ou “perdoar” em 25%;
- “Coração” está no título do álbum e (pasmem!), em 75% das músicas.

É muita repetição. Por mais que seja esse o conceito por trás do álbum, existem caminhos mais ousados, imprevisíveis e maduros para explorar.

LIMITAÇÕES

A limitação lírica inicialmente não se repete nos instrumentais. Esse sempre foi o grande ponto forte do Katatonia, e continua sendo assim. Musicalmente há uma profundidade muito grande. Precisei de várias audições para conseguir pegar todos os detalhes contidos nas músicas. 

As sete faixas iniciais avançam muito bem. Destaco as variações bruscas e extremamente harmônicas de "Serein", a suavidade de "Decima", "Serac" e "Sanction" rasgando na hora certa. O miolo, com "Last Song Before the Fade", "Shifts" e "The Night Subscriber" é menos empolgante. Não estou dizendo que é ruim. Mas as vejo um degrau abaixo do nível da banda. "Pale Flag" retoma o nível. Ela parece simples se observada rapidamente, mas gosto muito das nuances vocais e dos sutis trabalhos da percussão. O fim é com a comum "Passer". Dependendo da sua versão, pode haver faixas adicionais. Uma delas é "Vakaren". Ela agrega pouco, mas vale a curiosidade por ser cantada em sueco.

CATATONIZAÇÃO

O ponto forte é a musicalidade. O Katatonia evolui a cada lançamento e se mantém em um padrão extremamente elevado. The Fall of Hearts merece e deve ser ouvido com máxima atenção. Excelente trabalho.

Mas, liricamente falando, o Katatonia catatoniza (adorei esse trocadilho, apesar de o editor de textos me avisar que essa palavra não existe!). Sei que para muitos isso não é um critério relevante. Acho justo pensar assim. Porém, aqui é importante, e essa infeliz (ou mal elaborada?) escolha de tema prejudica o todo.

Leaving the choirs behind to sing; of anything fair, of lilac spring. A dream of truce behind my eyes; a life of journeys will unwind.



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