Review: Lady Gaga - Joanne (2016)


Quinto álbum de Lady Gaga, Joanne é um passo corajoso na carreira da cantora norte-americana. O sucessor de Artpop (2013) despe as canções da característica produção exagerada do pop, fazendo-as soar mais orgânicas e, em certos aspectos, até mesmo minimalistas. Uma escolha que vai totalmente na contramão da grande maioria dos grandes nomes do pop atual, sempre ultra carregados de efeitos, timbres e arranjos que pasteurizam a música como um todo.

Inegavelmente uma ótima cantora, Lady Gaga solta a voz de maneira marcante em Joanne. O álbum traz Gaga colaborando com diversos nomes, desde o parceiro de longa data RedOne até as novas parcerias com Giorgio Moroder, Mark Ronson, Nile Rodgers, Josh Homme, Beck, Kevin Parker, Father John Misty, Thomas Brenneck, Florence Welch e outros. A aproximação com o rock, gênero do qual a cantora é uma fã declarada e faz questão de deixar essa paixão bem clara (basta assistir à performance ao lado do Queen ou seus vídeos ao vivo com releituras para clássicos do estilo) fica evidenciada no novo trabalho com as participações dos líderes do Queens of the Stone Age e do Tame Impala, além da presença do multi-musical Beck.

Toda essa proposta menos exagerada coloca o foco nas canções, na força da faixas que compõe Joanne. E é inegável que o disco possui uma coleção de músicas bastante forte. Caminhando sempre pelo espectro do pop e contando com a presença constante de um Midas do estilo como Mark Ronson (o cara que produziu o já clássico Back to Black, da saudosa Amy Winehouse), Lady Gaga transmite a sensação de se despir para o ouvinte, revelando aspectos de sua persona artística até então escondidos ou soterrados pela explícita embalagem presente nos trabalhos anteriores.

No fim das contas, Joanne vai se revelando um disco delicioso a cada canção que surge nos alto-falantes. Nunca pretensioso mas sempre interessante, o álbum é agradável do início ao fim, com Gaga flertando com diversas sonoridades ao longo do trabalho. Tendo a voz forte e cheia de personalidade sempre como protagonista, somos brindados com aquele que é até agora o álbum mais pessoal da norte-americana. Aliás, aqui vale um paralelo com a carreira de Beyonce, que também deu um passo corajoso em seu último disco, Lemonade, posicionando-se politicamente de forma agressiva. Lady Gaga não vai para o campo da política, mas renova a sua música limpando-a até a sua essência, e com isso entregando um disco com cara de atemporal. E é justamente a coragem em apostar em caminhos próprios que destaca tanto Gaga quanto Beyonce do resto.


Resumindo, o que temos é um álbum de uma cantora, de uma vocalista. E isso é a principal mudança em relação aos discos anteriores, que construíram um ícone pop através de suas canções. Em Joanne esse ícone pop reinventa-se de maneira radical, afastando-de de influências passadas como Madonna e nomes similares como Rihanna e Katy Perry (ainda que sempre soasse superior a essa dupla, é preciso dizer) e soando transparente e autêntica como nunca.

Ouça canções como “Joanne" e “Sinner’s Prayer”, repletas de lirismo e sensibilidade, e perceba como Lady Gaga está mais madura. São canções pop, é claro, mas que mostram outro caminho, totalmente diferente daquele que ela vinha trilhando até agora. “Come to Mama”, por exemplo, traz até mesmo sutis influências da fase 1967 dos Beatles e parece uma canção perdida da trilha de Magical Mystery Tour. A deliciosa parceira com Florence Welch em “Hey Girl” remete aos melhores momentos de Michael Jackson, enquanto “Just Another Day” é uma doce e grudenta brincadeira pop.

Forte e consistente, Joanne poderá chocar os ouvidos mais conservadores de alguns dos fãs de uma das grandes artistas pop de nosso tempo justamente por apostar em uma sonoridade e uma abordagem que contrasta com a imensa maioria daquilo que é classificado hoje em dia como música pop. No entanto, está justamente nessa coragem em trilhar outro caminho a sua principal virtude. Com uma coleção ótimas canções, Lady Gaga dá um passo decisivo em sua carreira e entrega, simultaneamente, o seu melhor e mais pessoal disco. 

Ou vai ver que é tão bom justamente por causa disso: por mostrar pela primeira vez aquela que é a sua verdadeira face, sem maquiagem e exageros.

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