Discoteca Básica Bizz #069: Al Green - Greatest Hits (1975)


A cidade de Memphis, no Tennessee, é um ponto crucial na história do blues, do rock e, posteriormente, do soul. Desde a chegada de bluesmen como B.B. King e Howlin' Wolf no final dos anos 1940, passando pela lendária gravadora Sun - fundada em 1952 pelo DJ Sam Phillips, na qual se revelaram Elvis Presley, Carl Perkins e Jerry Lee Lewis - até o conglomerado Stax/Volt, panteão sagrado do soul nos anos 1960 (Booker T. & The MG's, Otis Redding, Sam and Dave, Wilson Pickett, etc), a cena local sempre foi de uma riqueza impressionante.

Esta tradição continuaria durante a década de 1970 com a gravadora Hi, criada em 1956 pelo empresário Joe Cuoghi, no rastro do sucesso da Sun. De início dedicada apenas a números instrumentais, a companhia firmou-se realmente na primeira metade dos sixties, com os primeiros hits. Mas a ascensão definitiva da Hi viria com a integração do trompetista Willie Mitchell ao seu cast.

Figura-chave no álbum musical de Memphis, Mitchell cultivava excelente reputação no circuito de blues e jazz, tanto por seu talento de instrumentista e band leader como enquanto compositor, arranjador e produtor. Em pouco tempo ele se firmou como o segundo homem da Hi, influindo diretamente na mudança das diretrizes musicais da gravadora - que passou a trabalhar também com vocalistas como O. V. Wright, Bobby Bland e Ann Peebles. Porém, Mitchell ainda não tinha encontrado "sua voz".

Ela surgiu casualmente em fins de 1968, quando sua banda se apresentava em Midland, Texas. O show de abertura cabia a um tal de Albert Greene, cantor semi-obscuro de formação gospel - como a de seu ídolo, Sam Cooke - que tinha conseguido apenas um modesto hit ("Back Up Train"). Fascinado pelo timbre vocal do rapaz, Mitchell imediatamente convidou-o para ir a Memphis, prometendo "transformá-lo num astro em dezoito meses".


Um ano e meio depois, provou-se que Mitchell tinha razão. O cantor - já como Al Green - emplacava seu primeiro hit: uma releitura de "I Can't Get Next to You", dos Temptations. Seu lançamento, em julho de 1970, coincidiu com a morte de Cuoghi, que fez com que Mitchell assumisse plenamente a Hi.

Era o início de uma nova era do soul. Sob seu comando, ele reuniu uma poderosa seção rítmica, mesclada com arranjos de metais e cordas que ora apareciam em delicadas intervenções, ora conduziam os riffs, forrando a melodia. À frente desta perfeita cama musical, a voz de Green deslizava entre o sussurro e a suavidade extrema, até os falsetes mais rasgados. Com esta combinação, a dupla Green/Mitchell - com eventuais colaborações do baterista Al Jackson (ex-MG's) - lapidou joias do quilate da ultra clássica "Let's Stay Together", "I'm Still in Love With You", "Call Me (Come Back Home)" e outras presentes nesta compilação do período áureo de sua carreira (1970-1975).

Nos anos seguintes, uma série de dramas pessoais e crises de consciência - que inclusive puseram fim à parceria com Mitchell - fizeram com que Green se afastasse gradualmente do star system e se reconciliasse com suas convicções religiosas, tornando-se pastor em 1976 e adentrando os anos 1980 gravando hinos de fé.

Como derradeiro legado de sua "fase profana", ficou apenas mais um LP absolutamente brilhante - The Belle Album, de 1977 - e a certeza de que sua voz imprimiu marcas inauditas na música pop, celebrando a sacralização do amor via apelo sexual. God bless you, Al.

Texto escrito por Celso Pucci e publicado na Bizz #069, abril de 1991

Comentários