Review: Francisco, el Hombre - Soltasbruxa (2016)


A trajetória deste quinteto campinense até aqui foi bastante improvável: durante uma das diversas turnês que fizeram pela América do Sul por conta própria, sofreram um assalto na Argentina que os desproveu de todos os seus pertences e documentos e os forçou a tocar nas ruas para conseguir dinheiro para voltar ao Brasil (além de uma ajuda de fãs e conhecidos). O que poderia ser um sinal do tipo “vão trabalhar num escritório que cês ganham mais” acabou virando um divisor de águas para a banda e foi interpretado como “se nós tivéssemos morrido aqui, que legado deixaríamos?”.

Assim, e motivados ainda pelo momento político conturbado do país, decidiram mudar a imagem de “grupo alegre de música dançante” para “grupo ‘papo sério’ com mensagens políticas” – e, ufa, ainda dançante – e soltar esse discaço que é Soltasbruxa, combinando discurso crítico e direto com leveza e humor.

A abertura densa, crescente e auto-intitulada desemboca no single “Calor da Rua”, uma forte mensagem contra a violência doméstica. O álbum ganha requintes de axé e música brega e a crítica fica mais direta e pessoal em “Bolso Nada”, que detona um dos mais descartáveis parlamentares que temos atualmente (antes de pedir imparcialidade, aprenda a diferença entre “análise/resenha/crítica” e “notícia”). A peça recebe a participação de Liniker, fenômeno recente da música brasileira que não se diz homem, nem mulher – bolsominions vão à loucura.

A ala hispânica da banda aflora em “Primavera”, a primeira faixa com uma temática mais leve, trazendo um clima praieiro ao álbum. Em seguida, vem uma espécie de interlúdio, “Não Vou Descansar”, que lembra cantigas populares naquela vibe Dona Edith do Prato.

O feminismo volta a ser tema em “Triste, Louca ou Má”, desta vez abordando um lado menos agressivo e mais melancólico da vida da mulher. Aparentemente, trata-se do xodó do quinteto – com efeito, recebeu um belo vídeo gravado em Cuba. O segundo interlúdio, que basicamente não recebeu nome nenhum, consiste numa curta faixa com flautas leves e brasilianistas com uma breve letra sobre a flor que resolveu brotar no meio do cinza da cidade.


A pegajosa marchinha carnavalesca “Tá com Dólar, Tá com Deus”, com a participação dos gaúchos do Apanhador Só, muito oportuna em tempos de crise econômica, provavelmente fará sucesso em 2017 no carnaval de rua. “Como una Flor”, que traz novamente os elementos hispânicos, vê parte de sua letra reprisar o interlúdio sem nome e revisita o EP La Pachanga!, resgatando aquele lado mais folk e despretensioso.

A serena e melancólica “Sincero” se aprofunda numa autorreflexão e é sucedida por “LoboLoboLobo”, mais um curto interlúdio (meros 25 segundos). Em seguida vem “Axé e Auê sem Fuzuê”, incorporando leves toques de samba e marchinhas carnavalescas e misturando-os com a essência da Francisco, el Hombre. E o último grito de guerra, “Muro em Branco”, alerta para o “cheiro de podre no ar” que continuará nos atormentando a despeito da recente troca de presidentes.

Boa parte das faixas de Soltasbruxa foi criada a partir do zero, com a banda se reunindo e tocando para ver o que surgia. Se somarmos a isso a experiência que eles têm tocando por diversos países antes mesmo de terem lançado um álbum completo, entendemos por que a música do trabalho é marcada por uma química tão forte para um grupo com pouco tempo de estrada.

O Francisco, el Hombre é simplesmente uma das melhores coisas que aconteceram na música brasileira nos últimos anos. Antes mesmo de lançarem este álbum, eu já fazia esta previsão ouvindo os EPs Nudez e La Pachanga! e comparecendo a um show deles em Cotia (SP), no qual ficou claríssimo que o habitat natural deles é o palco, não o estúdio.



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