Review: Myrath - Legacy (2016)


De acordo com o instituto Datafolha, 99% das músicas que escutamos são compostas por escalas ocidentais, sendo que 87% são as pentatônicas, 7% modos gregos, 2% de escala menor harmônica, 1% de cromatismos.

Antes que o sagaz leitor pergunte... E os outros 2% das escalas ocidentais? Não pôde ser identificado, pois são músicas do Malmsteen. Rápidas demais para perceber qualquer tipo de nota.

A verdade é que ficamos muito restritos ao que acontece do lado esquerdo do globo, e pouco damos ouvido aos nossos vizinhos. Nota: fãs de música japonesa e animes, vocês não entram nessa generalização.

O Myrath talvez seja uma grande porta de entrada para apresentar uma música mais orientalizada ao viajante inexperiente. A banda foi formada na Tunísia, e Legacy é o quarto álbum deles, talvez o mais pop de todos (isso não é sinônimo de ruim).

A origem tunisiana não impediu a forte ocidentalização do grupo, que toca em uma base power metal, com nuances progressivas e sinfônicas. Algo muito parecido com a sonoridade de bandas clássicas como Symphony X e Dream Theater.

O legal é que apesar de todo o viés ocidental do metal, o Myrath deixa transparecer um pouco do seu lado oriental, adicionando uma sonoridade quase única aos nossos ouvidos pouco habituados. Dentre esses elementos estão escalas novas (que eu obviamente não sei o nome) e técnicas de canto peculiares, como o uso de vibratos o tempo todo, chamados de silsul (rá, esse eu sei o nome!). 

Existe o diferencial, mas ele é sutil. Por um lado isso é bom, pois torna o som bastante acessível. Se eles saíssem metendo o louco nas escalas árabes, certamente iriam assustar e afugentar muitos ouvintes. O lado ruim é que o excesso de sutileza me deixou com vontade de ouvir um som ainda mais aprofundado na música típica. Queria mais folk metal e menos power.

O disco começa com a excelente introdução de "Jasmin" (alguém mais percebeu a semelhança, provavelmente casual, com “Journeyman", do Iron Maiden?), e emenda com a faixa de trabalho, "Believer". O refrão é grudento e toda a música muito bem trabalhada. É minha favorita. Depois de ouvir "Believer", você ouvirá vozes por toda sua eternidade. E se fechar os olhos e prestar bastante atenção, perceberá elas dizendo lálálálá-lálá, lálálá-lálálálálá-lá. Acredita-se que esse seja um código secreto do Nilo.

O Myrath peca um pouco no meio do álbum. "Through Your Eyes" é fraquinha, e muitas músicas possuem uma estrutura muito semelhante, deixando a audição meio repetitiva em certos momentos.

Destaco (além das já citadas) Get Your Freedom Back, um power metal bem tradicional e com uma bateria arregaçante; "Duat", que começa como uma boa balada mela-cueca e ganha peso depois; e "Endure the Silence", melhor riff do álbum.

Não, o Myrath não será um novo conceito de música, um novo gênero, ou qualquer outro rótulo pesado que só grandes bandas adquirem. O Myrath cumpre muito bem o seu papel de divertir e apresentar ao ouvinte influências locais. É legal, mas se eu pudesse, faria um pedido para a banda: orientalizem-se por completo! De sons ocidentais já estamos saturados. Seria fantástico ver uma fusão maior com sons locais e o metal.

Can hear the black creaking doors; of the eternal land. ‘Cause Anubis is on the wait; to weigh my soul.



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