Discoteca Básica Bizz #071: Suicide - Suicide (1977)


Eles formavam um par esquisitão: Martin Rev (teclados) era um experimentalista que tivera lições formais com o beboper Lennie Tristano, enquanto Alan Vega (voz), de ascendência hispânica e polaca, se iniciara nas artes como escultor, criando peças apenas com os estilhaços de lâmpadas quebradas. 

Em 1971, ano de ascensão do bitter sweet rock e da derrocada dos mega festivais pop, a lapidar frase "the dream is over" - que o ex-Beatle acabara de enunciar - parecia justificar a criação do Suicide: um pesadelo escuro como breu que no futuro tornar-se-ia o modelo para 99% das bandas ligadas à eletrônica (das brigadas tecno da década de 1980 à entourage cyberpunk dos anos 1990 entrincheirada no selo Wax Trax - todos, sem exceção, devem tributo à dupla).

Naquela época, Vega vivia num ateliê em Manhattan - um lugar podre, aberto 24 horas por dia para um seleto bando de heroinômanos, bêbados e degenerados em geral. Um belo dia, Rev apareceu lá, simpatizou com Vega e chamou-o para ver um show do seu grupo, o Revend V. Este tinha três baterias, três clarinetas, quatro trompetes, sax e órgão, que - óbvio - faziam um barulho terrível. Excitadíssimo com a coisa, Vega propôs a Rev um novo projeto a dois. E assim foi.

Meses depois, o Suicide estreou no Ungano, um night club para lá de caído, em Nova York. Conta a lenda que metade da plateia - vinte cobaias, ao todo - fugiu esbaforida no terceiro número. Esse padrão de rejeição seria uma constante na carreira do duo. Não fossem as noitadas no Mercer Arts Center e no CBGB's, ou as caóticas turnês pela Europa em 1978 (junto com Elvis Costello e The Clash), eles sempre foram os alvos favoritos do público, que lhes atirava pedras, garrafas, cusparadas e outros projéteis. Também, seus sets jamais primaram pela acessibilidade. Na verdade, houve um tempo em que nem sequer tinham canções: tudo que havia era um zumbido metalizante inominável, de timbre, amplitude e matiz transmutados das litanias negras do Velvet Underground, das trips opiáceas de Albert Ayler e John Coltrane e das labaredas rock and roll de obscuridades dos anos cinquenta.


Em 1977 a ira punk pareceu mera traquinagem diante de seu primeiro LP, Suicide (do selo Red Star). Aquilo era realmente assustador. Suas sete faixas liberavam uma torrente de ruídos atávicos, vomitados pelo "synth" de Rev (na prática, um velho órgão Farfisa avariado). Sons bestiais, reduzidos ao básico, que impulsionavam Vega a se entregar - entre urros e gemidos - a um ritual de niilismo, autoflagelação e morbidez estertorantes.

O festim se abria aos acordes de "Ghost Rider", um boogie à la T. Rex (após um choque elétrico de dez mil volts!) que expunha as chagas que os napalms ianques deixaram no Vietnã. Em "Rocket USA", a beat box hipnotizava a mente em eternas reverberações, enquanto "Cheree" e "Girl" - em clima cabaré-terminal - inauguravam a trilha nice 'n' sleazy, pela qual Soft Cell e afins seguiriam anos depois. No outro lado, os dez minutos de "Frankie Teardrop" redimensionavam a tragédia grega ao minimalismo, deixando um vácuo para a irrupção da funérea "Che".

Nos anos seguintes, o Suicide continuou amargando o desdém das massas, colaborou com Fassbinder (na trilha de In a Year of Thirteen Moons), registrou bissextas gravações, acabou, renasceu das próprias cinzas e, enfim, imortalizou-se.

Texto escrito por Arthur G. Couto Duarte e publicado na Bizz #071, de junho de 1991

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