Review: Lou Reed & Metallica – Lulu (2011)



Não espere uma audição fácil ao dar play em Lulu, álbum da parceria entre a maior banda de heavy metal do planeta – Metallica – e um dos ícones do rock alternativo, Lou Reed. Concebido para ser uma espécie de trilha sonora para o teatro de vanguarda, preenchendo o espaço que antes era ocupado por trilhas orquestradas e clássicas, o disco soa como uma espécie de ópera, alternando momentos mais visuais com outros mais palatáveis ao ouvinte convencional de música.

Conceitual, o trabalho conta a história de Lulu, personagem criada pelo ator e dramaturgo alemão Benjamin Franklin Wedekind, uma jovem dona de um desejo sexual infinito, selvagem e sem restrições que a conduz através de uma jornada repleta de prazer e sangue. Reed havia escrito as letras das canções há alguns anos para uma montagem da peça, que acabou não saindo. No álbum, essas mesmas letras ganharam o acompanhamento instrumental do Metallica, alcançando um resultado final, no mínimo, controverso.

Pra começo de conversa, é preciso deixar claro que Lulu não é um disco nem do Metallica e nem de Lou Reed. O álbum é o resultado da parceria entre ambos, portanto não espere encontrar aqui o thrash metal de arena que está acostumado a ouvir nos CDs da banda norte-americana. A maior força do trabalho está nas letras de Reed, que serão ignoradas pela grande parcela do público, ainda distante do domínio e entendimento da língua inglesa. Assim, o que importa, para grande parte dos ouvintes, é a música propriamente dita.

O Metallica soa de maneira inédita em Lulu. No lugar dos riffs thrash temos a predominância de jams, ruídos e passagens construídas a partir de feedbacks. Não há o formato clássico do heavy metal e nem do rock na parte instrumental do disco. Salvo algumas exceções - como “Mistress Dread”, onde a banda soa mais próxima do que os seus fãs estão acostumados -, a maioria das músicas caminha por sons que causarão estranhamento ao ouvinte tradicional de metal. Isso, aliado à maneira peculiar de cantar de Reed – recitando as letras, como se estivesse falando e quase sussurrando -, realça ainda mais a sensação de estranheza. Pra fechar, a duração das músicas – todas longas -, faz com que se feche um casulo em torno das canções, impenetrável para quem consome música apenas como entretenimento e trilha para outros afazeres.

Ainda assim, algumas faixas funcionam. É o caso de “The View”, primeiro single, onde o Metallica soa bastante similar aos álbuns Load e Reload. Já em “Iced Honey” o que temos é um hard rock interessante, que remete ao ótimo New York, lançado por Lou Reed em 1989.

O que torna a audição difícil é o excesso de experimentalismo de algumas faixas. Entendendo o objetivo dos músicos – criar uma trilha para uma peça de teatro, traduzindo nas canções os diferentes momentos e emoções do roteiro -, fica mais fácil absorver as composições. No entanto, algumas delas simplesmente não funcionam sozinhas, sem o acompanhamento de atores em um palco imaginário, por mais fértil que possa ser a imaginação de quem está escutando o disco. É o caso de “Pumping Blood” e “Frustration”.

Entretanto, em alguns momentos a transição é feita de maneira suave, sem a exigência de uma barreira quase intransponível entre a música e o ouvinte. Quando isso acontece, somos brindados pelas “Cheat On Me” - uma tour de force de mais de 11 minutos -, “Dragon” e a espetacular “Junior Dad”, que não só encerra o trabalho como funciona como um fechamento de tudo o que ele propõe.

Lulu não é um disco fácil. Ele não foi feito para ser ouvido de maneira casual. É preciso se concentrar, deixar-se levar pelas mãos de Hetfield e Reed através de suas composições. Desafiador, erra em alguns momentos e acerta em outros. É uma espécie de sinfonia repleta de pretensão, que, definitivamente, não será assimilada por quem vive em um universo musical formado somente por rock e metal. Os ouvintes mais curiosos e já habituados com a música erudita, por exemplo, absorverão muito melhor as ideias propostas, já que elas estão muito mais próximas dos conceitos e variações desenvolvidos pelo gênero do que do formato padrão do metal e do rock.

Este álbum duplo mostra que o Metallica, inquieto por natureza mesmo com os milhões de dólares de suas contas bancárias, continua buscando desafios criativos em sua carreira ainda que encontre mais críticas do que elogios por parte dos fãs. Essa atitude, que muitas vezes não é entendida por quem acompanha a banda e se diz admirador do trabalho do quarteto, é extremamente saudável, pois mantém a banda viva artisticamente e não apenas como uma enorme empresa da indústria musical, como muitos gigantes por aí. No final, o Metallica sai ganhando ao experimentar novas sonoridades, assim como Lou Reed, que teve um acompanhamento literalmente de peso para as suas letras.

Ouça, e tire as suas próprias conclusões. Para mim, o saldo é mais positivo do que negativo.

Comentários

  1. Um disco espetacular, imprevisível. Quando soube da notícia, confesso que torci o nariz, no meu preconceito, eu achava mais adequada uma parceria com o Neurosis, Sonic Youth, Swans, etc.. No entanto, como gosto muito da obra de Lou Reed, resolvi comprar o disco. O resultado foi além do esperado e até hoje me encanto com essa obra, um trabalho único na discografia dos dois.

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    1. Cara, não se esqueça que o Velvet Underground, grupo que Lou Reed fundou na década de 1960, é pai e mãe de todas estas bandas que você citou...

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