Discoteca Básica Bizz #191: Beatles - Revolver (1966)


Paul McCartney incentivando os Beatles a fazerem pequenos trechos superpostos, inspirados em John Cage e Stockhausen. John Lennon querendo soar como o Dalai Lama no alto do Himalaia ao cantar letras inspiradas no Livro Tibetano dos Mortos. O dedo oriental de George Harrison em uma canção sem mudanças de acordes. A bateria frouxa e hipnótica de Ringo Starr, mais tarde ressuscitada por moderninhos como Beck ("New Pollution") e Chemical Brothers ("Setting Sun").

O produtor George Martin obrigando funcionários dos estúdios Abbey Road a sincronizarem gravadores em colagens aleatórias de som. O técnico Ken Townshend inventando os vocais ADT (Artificial Double Tracking) e o engenheiro de som Geoff Emerick metendo a voz de Lennon numa caixa Leslie dentro de um órgão Hammond. E isso tudo no primeiro dia de gravação do sétimo disco dos Beatles, para uma única canção. A música era "Tomorrow Never Knows", mas ali, no início do álbum, o grupo assinalava a faixa como o começo de uma nova fase, batizando-a sem modéstia de "Mark I".

A canção marcava o princípio de uma era de experimentação na música popular que iria explodir na renascença psicodélica do ano seguinte, transformando o horizonte da cultura pop em um calidoscópio de referências. Com Revolver, os Beatles entravam em uma escalada que desembocaria em obras-primas como Sgt Pepper's Lonely Hearts Club Band (1967), White Album (1968) Abbey Road (1969). De 1966 em diante, passariam a explorar as novas fronteiras da arte, sem perder o senso de perfeição que haviam mirado no álbum anterior. De repente, descobriam as vantagens da manipulação sonora. "Quando experimentamos o som de trás para frente, eles passaram a inverter tudo", diz George Martin no livro Paz, Amor e Sgt Pepper.


As inovações iam além: microfones dentro de instrumentos de sopro, grudados em violoncelos, colados na bateria. Mas a banda estava ousando mesmo nas composições, com as drogas exercendo um papel fundamental. "Dr. Robert" cantava sobre um médico pronto para levantar o astral de quem quisesse. "Got to Get You Into My Life" expõe o entusiasmo de Paul McCartney com o fumo. "She Said She Said" e "Tomorrow Never Knows" falam de ácido: a primeira disfarça uma viagem que Lennon teve com o ator Peter Fonda e a segunda escancara a exploração de realidades induzidas ("desligue sua mente", "ouça as cores do seu sonho”).

Por outro lado, os Beatles continuavam entrando em portas musicais abertas nos discos anteriores. "Eleanor Rigby" é a evolução natural de "Yesterday". "Love You To" é George Harrison em sua primeira incursão de cabeça na cultura hindu, com a qual havia flertado em "Norwegian Wood". "Here, There and Everywhere" e "For No One" transformam McCartney em um jovem Schubert, compondo pequenas sinfonias em vez de baladas de amor.

Os assuntos abordados iam da cobrança de impostos a contos infantis, passando por existencialismo, psicodelia, fossa, amor à vida, paixão latente, crítica social e metáforas diversas.

O álbum encontra a banda no exato momento da guinada, um sofisticado registro da melhor música pop de 1966. Poucos meses depois, o grupo encerrou definitivamente a primeira fase de sua carreira ao anunciar que não iria mais tocar ao vivo.

"A transformação toda foi gradual", conta John Lennon no livrão Anthology. "Mas estávamos conscientes de que, se havia uma fórmula ou algo do tipo, esta era mover-se para a frente".

Texto escrito por Alexandre Matias e publicado na Bizz #191, de junho de 2001

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