Review: Stone Temple Pilots – Perdida (2020)


As coisas não foram fáceis nos últimos anos para o Stone Temple Pilots, ou STP como preferem os fãs. O passado de glórias marcado por álbuns indispensáveis na formatação da cena grunge e do rock alternativo (Core em 1992 e Purple em 1994, por exemplo) ficou para trás. A banda se viu obrigada a lidar, ao longo dos anos, com diversas questões delicadas como sua dissolução temporária, brigas judiciais e, especialmente, as mortes prematuras de seus dois vocalistas: Scott Weiland em 2015 e Chester Bennington em 2017.


Tragédias e descompassos à parte, o ano de 2018 representou uma renovação no espírito do grupo, que passou a contar com o vocalista Jeff Gutt, mais conhecido por participar da terceira temporada da série musical americana The X Factor.


O álbum homônimo lançado naquele ano com a nova formação dava indícios de que a intenção era continuar com a pegada hard rock acrescida de pitadas de rock alternativo, respeitando o passado mas sem experimentar muito. Afinal, Jeff Gutt acabara de chegar e poderia levar algum tempo para ele se sentir confortável no posto de vocalista.

 

E é neste ponto que a história ganha contornos interessantes e, por que não, surpreendentes. Pela primeira vez em sua história, o STP decide lançar, agora em 2020, um álbum mais suave e acústico, focando essencialmente na voz e no violão. Se o ouvinte esperava um álbum contando com a guitarra de Dean DeLeo ou o baixo pulsante de Robert DeLeo acompanhado pela segurança de Eric Kretz na bateria, se enganou. Os caras simplesmente diminuem o volume e convidam o ouvinte para uma viagem serena por faixas que trazem um sentimento de paz e certa nostalgia.

 

Todo o álbum, da arte gráfica à última música, é centrado no sentimento de perda e superação (por isso o título Perdida, retirado do espanhol). Basta olhar para a capa com cores opacas e monocromáticas retratando uma árvore sem folhas, levemente inclinada pelo vento, em um ambiente ermo. É inevitável não sentir um certo desalento, frio e tristeza vendo a paisagem retratada.

 

Ainda a respeito do título, é interessante a escolha do vocábulo em espanhol, o qual entendo ser bem propício, pois dá uma aura mística nos sentimentos que a banda quer passar e, sem dúvidas, é mais impactante do que optar por “Loss”, seu correspondente em inglês. O glamour é maior, e sabemos que as culturas espanhola e latino-americana sabem muito bem expressar com paixão suas emoções.

 

Apesar da mensagem passada pela capa e nome do álbum, a experiência de ouvir as dez faixas é extremamente agradável e não cansa o ouvinte. As músicas são inspiradas não muito pela técnica (pois em álbuns acústicos não é tão comum momentos complexos e intrincados), mas sim pela emoção de seus integrantes e pelas interpretações de Jeff Gutt.

 

A faixa inicial, “Fare Thee Well”, é um dos singles escolhidos e já dá o tom (literalmente) de despedida e das sensações que acompanham o álbum. Se você se concentrar na audição conseguirá realmente senti-las quando ouvir os versos iniciais: “Fare thee well so long / Hate to say goodbye to you / I can tell you’re gone / By the way I’m missing you / Don’t you realize you’re everything to me?”.

 

Em “Three Wishes”, mais suave que a faixa de abertura, há uma proeminência do violão de Dean DeLeo e, ao fundo, Eric Kretz dá o ritmo na percussão, enquanto Gutt canta os desacertos de um relacionamento.

 

Eu disse anteriormente que em um álbum acústico não há muito espaço para a criatividade, no entanto, aqui fugimos um pouco à regra, pois é preciso destacar a bela faixa título composta em forma de tango, largamente inspirada nos ritmos espanhóis em cada dedilhada de Dean em seu violão. Uma agradável surpresa e, sem dúvidas, o maior destaque do álbum pela sua originalidade. E digo mais, esta mesma sensação hispânica é encontrada em “Miles Away”, que conta com um triste violino, relembrando novamente o tango.  

 

Outras faixas também merecem atenção por suas peculiaridades, como “I Didn’t Know the Time”, que, além de contar com os instrumentos usuais, é também complementada por passagens de flauta, o que traz uma bela química aos ouvidos. Pitadas de Jethro Tull? Quem sabe ...

 

A faixa título ousa pelo seu ritmo, mas considero “Years” o segundo grande destaque do álbum. De início ela pode parecer simples, com uma batida repetitiva, mas se destaca por ser cantada pelo baixista Robert DeLeo que, na minha opinião, não recebe seu devido reconhecimento no cenário musical, pois sua técnica e presença são notáveis em qualquer álbum da discografia do Stone Temple Pilots.

 

Mais próximo ao fim do disco é perceptível uma mudança no ambiente criado pela banda, que passa das dores da perda e do sofrimento para uma perspectiva de mudança e superação, como podemos ouvir em “You Found Yourself While Losing Your Heart”, quando Jeff Gutt canta melodias pedindo por um recomeço.

 

“I Once Sat At Your Table” é uma faixa instrumental conduzida exclusivamente pelo violão de Dean DeLeo. Sua simplicidade é tamanha que acaba por chamar a atenção do ouvinte e, se você fizer força, acaba se imaginando sentado em uma mesa conversando com alguma pessoa querida.

 

Por fim, o álbum termina com “Sunburst”, que apresenta um ritmo mais enérgico se comparado com as demais faixas. Aqui se encerra a perda para dar lugar aos raios de sol saindo entre as nuvens, que é literalmente a tradução do seu título. É realmente um momento de mudança e esperança.

 

Lançar um álbum acústico não é algo fácil para uma banda de rock, mas pode trazer ótimos resultados. Basta ver o que aconteceu com o Foo Fighters no disco dois de In Your Honor (2005) ou Zakk Wylde nos dois volumes de Book of Shadows (1996 e 2016). Com o Stone Temple Pilots não foi diferente. Saindo de sua zona de conforto logo no segundo álbum com seu novo vocalista, a banda apresenta um trabalho maduro que apenas o tempo e a experiência poderiam proporcionar, sendo perceptível o comprometimento dos integrantes em cada nota tocada.

 

Perdida é um belo registro que valoriza ainda mais a discografia do STP e nos instiga a questionar qual será o próximo passo a ser dado pelo grupo.

 

Por Paulo César Teixeira Júnior

 


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