Guns N’ Roses em Live Era ’87–’93 (1999): o retrato de uma banda gigante, contraditória e irresistível
Poucos lançamentos do Guns N’ Roses são tão reveladores quanto Live Era ’87–’93. O único álbum ao vivo da banda é, na prática, muito mais do que isso: é a tentativa de organizar — e eternizar — um período em que o grupo viveu no limite entre genialidade e autodestruição. Um registro que existe não para contar uma história linear, mas para preservar momentos capturados em meio ao caos.
Lançado no final de 1999, quando Slash, Duff e Matt Sorum já não faziam parte do Guns, Live Era tem um peso quase arqueológico. É como abrir uma cápsula do tempo de uma banda que já não existia mais daquela maneira. Isso molda o disco de forma decisiva: não se trata de uma celebração contemporânea, mas sim de um monumento tardio a uma formação que reinou absoluta no hard rock.
Ao optar por compilar gravações de diferentes turnês entre 1987 e 1993, o disco rejeita qualquer tentativa de criar a ilusão de um único concerto histórico. Ele não quer ser Made in Japan, Live After Death ou No Sleep ’til Hammersmith. Ele quer ser memória. Fragmentada, intensa e contraditória — como o próprio Guns N’ Roses. Essa fragmentação, no entanto, funciona a favor da narrativa. O ouvinte sente o impacto da transformação da banda: do quinteto sujo dos clubes de Los Angeles para a superprodução grandiosa dos estádios do Use Your Illusion Tour. É como assistir à evolução (e ao desgaste) da banda em fast-forward.
O maior mérito de Live Era é capturar a banda como ela realmente era ao vivo: imperfeita, mas eletrizante. O Guns nunca foi uma banda de precisão cirúrgica. O que movia o grupo era atitude, tensão e um senso quase imprudente de urgência. E isso está por toda parte. Slash está em modo pleno, emendando solos incendiários, às vezes fluindo como um bluesman bêbado, às vezes rasgando como um guitarrista punk com orçamento ilimitado. Duff McKagan mantém a banda ancorada — sua pegada é fundamental para que tudo não desmorone. Izzy Stradlin soa como uma reencarnação mais jovem de Keith Richards e mostra porque era o coração da banda. Matt Sorum contrasta com a agressividade descontrolada de Steven Adler. E Axl, em sua fase mais teatral, alterna entre brilhante e errático, mas sempre magnético. Quando ele acerta, acerta com força.
As versões de “It’s So Easy” e “Out Ta Get Me” são puro veneno, essenciais para quem quer ouvir o Guns sem filtros. Já “November Rain” e “Estranged” revelam a banda em escala épica, dilatando cada emoção até o limite. É um contraste que poucas bandas daquele porte conseguiram sustentar com tanta naturalidade.
Sim, há overdubs. Sim, há retoques. Mas a questão é: isso importa? Em um disco ao vivo lançado seis anos após o fim da turnê, sem a banda junta e sem qualquer intenção de soar como um registro cru, os ajustes fazem parte da proposta. A ideia aqui não é capturar um show, mas sim cristalizar a imagem do Guns que o próprio Guns queria projetar. É “verdade”, mas é verdade com maquiagem, como quase tudo que a banda sempre fez.
Live Era ’87–’93 ajuda a explicar por que o Guns N' Roses se tornou tão gigantesco. Ele mostra a força da banda como espetáculo, a evolução do som entre Appetite for Destruction (1987) e os Use Your Illusion (1991), a combustão permanente entre talento e caos e, principalmente, uma banda que funcionava melhor no limite. Ao revisitar o disco hoje, você percebe que ele é, acima de tudo, uma despedida não assumida. Um álbum lançado quando a banda já não existia mais daquela forma, mas que serve como a prova definitiva de que, entre 1987 e 1993, ninguém conseguia competir com o Guns N’ Roses em intensidade.
Se a sua entrada no Guns foi pelos hits — e para quase todo mundo é assim — Live Era funciona como uma revelação. Ele mostra que há muito mais por trás da banda do que “Sweet Child o’ Mine” e “Paradise City”. Mostra profundidade, raiva, vulnerabilidade e grandiosidade. Mostra uma banda que cresceu mais do que deveria, mais rápido do que poderia, e que brilhou mais do que qualquer um imaginava.
E, principalmente, mostra por que ainda vale a pena redescobrir o Guns hoje.
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