Entrevista: Big Joe Manfra - Blues, jazz e muito talento



Por Ugo Medeiros
Coluna Blues Rock

Há mais de dez anos levando a boa música aos quatro cantos do Brasil, Big Joe Manfra toca um blues com influências de Jimi Hendrix a Brian Setzer, além de pitadas de soul e jazz. O carioca, que este ano completa treze anos de carreira, fala sobre a admiração por Setzer e os planos para o futuro.

Ugo Medeiros – Você é um guitarrista completo: toca rock, Chicago blues, Delta blues, jazz blues, rockabilly e às vezes flerta com o soul. Quais são as suas principais influências? Você começou escutando blues ou este foi uma consequência?

Big Joe Manfra – Os primos do meu pai tinham uma loja de vinil. Ele curtia muito Elvis Presley, cresci escutando desde rock à MPB. Passei a ir à loja e na mesma época vi, pela TV, a apresentação do Queen em São Paulo, e aquilo me marcou. Depois fui apresentado ao Pink Floyd, Who, Beatles e Jimi Hendrix, pois falavam que ele era “bom” (risos). Comecei a tocar guitarra aos 16 anos e, enquanto ia aprendendo, entrei em contato com B.B. King e Stevie Ray Vaughan. A virada veio no Free Jazz: shows de André Christovam com Flávio Guimarães, John Lee Hooker e, para fechar a noite, John Mayall com o Coco Montoya na guitarra. Me interessei bastante pelo blues. Quando fui morar em Los Angeles, tocava rock e algumas coisas de blues rock, mas nunca o blues puro. Eu queria voltar para o Brasil, mas não sabia se conseguiria fazer um trabalho com o blues. Felizmente, um ano depois, apareceu a oportunidade e nasceu o Big Joe Manfra. Na verdade, o primeiro disco que eu realmente curti foi do Iron Maiden (risos).

Você está há mais de dez anos na estrada. Qual foi a maior dificuldade enfrentada para se trabalhar com o blues no Rio de Janeiro?

Comecei o meu trabalho em 1995, tocando num bar em Juiz de Fora, graças a um amigo. Toquei com uma banda, durante uns dois anos, em Minas Gerais e em cidades do interior do Rio. Entrei em contato com o pessoal da capital. O Baseado em Blues nos chamou pra abrir os shows deles. Como não havia o Circo Voador, não tive reconhecimento. Foi uma época difícil: se na década de 80 o blues teve um boom, naquela altura passava por um período complicado. Apenas em 1999 lancei o primeiro CD. É um cenário bastante limitado, são poucas as casas dispostas a incentivar o blues. Infelizmente quase não toco na minha cidade natal.


Como começou a relação com o gaitista norte-americano Peter “Madcat” Ruth?

Por volta de 1997 o Madcat veio com a Shari Kane para o festival Nescafé Blues (SP). Eles tinham um duo, o Madcat & Kane. O Jefferson Gonçalves, que havia conhecido o Peter no festival, me falou que tinha um gaitista dos Estados Unidos que estava com vontade de conhecer o Rio de Janeiro. Como eu morava sozinho, ficou na minha casa. Tocamos com a minha banda pela cidade e no sul. Apesar de o ensaio ter sido apenas bom, os shows foram sensacionais e o público foi receptivo. Acertamos que em suas passagens futuras pelo país tocaríamos juntos. Aprendi muito com a sua versatilidade, com o seu timing e sua liderança com a banda. Mais tarde, com a criação da Blues Time, o trouxemos para gravar conosco.

Você criou a Blues Time Records com o intuito de dar chance a novos talentos do estilo. Já começa a colher os frutos? Quais as perspectivas futuras?

A gravadora foi criada para dar continuidade ao meu primeiro CD, que fora lançado de forma independente. Nesse tempo posso dizer que a coisa evoluiu, conseguimos distribuição nacional. Queremos dar atenção à música de todo o Brasil. Recentemente lançamos um trio de blues de Barbacena, interior de Minas Gerais, chamado Rodrigo Nézio & Duocondé Blues. Foi um dos melhores que já gravamos. A primeira prensagem esgotou-se em tempo recorde e tivemos que mandar fazer a segunda, algo que não acontecera nem com os discos do Madcat. Lançamos, também, o Felipe Cazaux, de Fortaleza. Gravar o disco do Madcat ou Big Gilson é muito legal, mas o maior prazer é poder revelar uma banda com potencial. Criamos a “Blues Time +”, que traz músicos e bandas de outros estilos. Crescemos bastante, a ponto de, a partir deste ano, lançarmos CDs do Roy Rodgers e do Stanley Jordan. Pretendemos, também, lançar um novo CD do Big Gilson, se possível um meu e um DVD do Madcat. A tendência é entrarmos no mercado externo. Infelizmente enfrentamos a pirataria e a dificuldade de distribuição. A solução é a venda de downloads, músicas pelo iTunes e dos produtos nos shows.

O seu DVD, "Big Band Ao Vivo", representa uma consolidação da sua carreira. Da onde veio a inspiração de fazer um som calcado no jazz?

Fui convidado para o Rio das Ostras Jazz & Blues Festival e, na mesma época, estava perto de completar dez anos de estrada. O organizador sugeriu que a formação não fosse o quarteto tradicional, mas uma banda maior. Nessa época escutava muito Brian Setzer, que me serviu de inspiração. Chamei o AC para fazer os arranjos do trio de metais. Os dois shows foram bem legais. A idéia deu certo e decidi levá-la a diante. Tive o apoio necessário e aos poucos fui selecionando o repertório. Levou tempo, mas valeu a pena. O lançamento deste trabalho foi pioneiro no mercado brasileiro. Gostei de ter esse DVD marcando meus dez anos de carreira.


A sua banda atual é, de longe, a mais completa do cenário de blues brasileiro. Você poderia falar um pouco de cada um deles?

O Léo Torresini sempre tocou rock e por isso tinha um estilo diferente. Começou a ter aulas de guitarra comigo. Passava algumas coisas de blues e na semana seguinte estava tocando tudo de forma impecável. Foi assim durante um tempo. Parei de dar a aula e começamos a tocar juntos. Na gravação do meu segundo CD assumi todos os vocais, assim precisava de uma guitarra base. Não hesitei em chamá-lo. Com o tempo pegamos o entrosamento. Ele tem potencial para, em breve, fazer o trabalho dele, basta ter concentração e determinação. O Fábio Lessa entrou graças ao meu antigo baixista, que saiu da banda perto de um show. Ele já havia tocado com grandes nomes, como Celso Blues Boy. O Williams (bateria) entrou quando quis mudar o som do grupo, queria algo que se aproximasse do jazz. O vi tocar e gostei daquele som de swing jazz e funk. Todos os três são muito talentosos e pretendo utilizar esta formação para a gravação do próximo trabalho.

Você sempre usou a Fender Stratocaster?  A considera uma guitarra para todas as ocasiões?

Eu tinha três Stratos, entretanto troquei uma modelo Stevie Ray Vaughan por um amplificador Fender Bassman 63. Continuei com uma 76 e uma 73, a que uso mais por ter um som mais “Hendrix”. Sempre usei a Strato por ser mais versátil e ter a cara do blues, apesar de atualmente ter outras. Uso também uma Telecaster, que inclusive gravei o DVD. A tenho utilizado para tocar slide, devido ao seu sustain interessante. Quando comecei a curtir Brian Setzer comprei uma Gretsch modelo Brian Setzer Hot Rod. Bastou tocá-la para sentir algo novo, um som totalmente diferente de uma Fender ou uma Gibson. Também sempre gostei de semi-acústicas, tenho uma Guild 56. Estou sempre atrás de boas guitarras, mas tenho que admitir que adoro uma Fender. Fender é Fender (risos).

O que o blues representa na sua vida?

Acho que é a forma de expressar minhas emoções presentes e passadas. Acho que atinjo mais as pessoas tocando do que conversando de fato.


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