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Into Glory Ride (1983): quando o Manowar selou seu pacto com os deuses do metal

Into Glory Ride (1983) é o segundo álbum da banda norte-americana Manowar e uma das pedras angulares do chamado true metal. Se o disco de estreia - Battle Hymns , de 1982 - já deixava clara a proposta épica e guerreira do grupo, foi com Into Glory Ride que Joey DeMaio e companhia consolidaram uma identidade sonora e lírica que viria a influenciar gerações de bandas de heavy, power e epic metal. O início dos anos 1980 foi uma era fértil para o metal tradicional, com nomes como Iron Maiden, Judas Priest e Dio ganhando força mundial. Mas o Manowar se destacava por abraçar uma estética ainda mais mitológica, tribal e agressiva. Into Glory Ride soa como um hino à brutalidade das batalhas, à glória dos deuses e à devoção inabalável ao metal, tudo isso com uma seriedade quase teatral. Gravado com poucos recursos e com produção crua (mas eficaz para o tom do disco), o álbum exala uma aura quase ritualística. A capa, com os membros da banda vestidos como guerreiros bárbaros, é um refle...
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Brain Drain (1989): o disco que selou o fim de uma era nos Ramones

Brain Drain (1989) marca um ponto de transição na discografia dos Ramones — e, de certa forma, o início do fim de uma era. Décimo primeiro álbum de estúdio da banda, ele surge após um período turbulento nos bastidores, com tensões internas entre os membros e mudanças de formação que afetaram diretamente o processo criativo. Lançado em 23 de maio de 1989, Brain , o disco é, ao mesmo tempo, uma tentativa de renovação e um reflexo das dificuldades que a banda enfrentava no final dos anos 1980. Durante a segunda metade dos anos 1980, os Ramones vinham lidando com um cenário musical que havia se transformado radicalmente desde sua estreia em 1976. O punk havia se diluído em diversas vertentes, o hardcore dominava o underground e o mainstream flertava com o hard rock radiofônico, o glam e o pop sintético. Internamente, Dee Dee Ramone, o icônico baixista e um dos principais compositores da banda, estava em processo de afastamento — Brain Drain foi o último álbum com sua participação até ...

Entre a memória e a vingança: Old Boy, de Garon Tsuchiya e Nobuaki Minegishi (2025, Comix Zone)

Publicado originalmente no Japão entre 1996 e 1998, Old Boy é uma obra intensa, sombria e profundamente humana. Criada por Garon Tsuchiya (roteiro) e Nobuaki Minegishi (arte), a série ganhou notoriedade mundial após a aclamada adaptação para o cinema dirigida por Park Chan-wook em 2003. Mas o mangá original trilha caminhos diferentes — mais contidos, mais silenciosos e igualmente devastadores. A trama acompanha Shinichi Gotō, um homem comum que, sem nenhuma explicação, é sequestrado e mantido em cativeiro por dez anos, isolado do mundo. Quando finalmente é libertado, ele parte em busca de respostas: quem o prendeu? Por quê? O que sua antiga vida ainda significa? Aos poucos, ele descobre que tudo está ligado ao passado — mais especificamente, a um antigo colega de escola que arquitetou o sequestro e a prisão como forma de vingança por algo aparentemente banal: o fato de Gotō ter esquecido que ele existia. A ausência de lembrança foi uma ferida psíquica irreparável. A vingança, então,...

Entre o silêncio e a herança: A Propriedade, de Rutu Modan (2015, WMF Martins Fontes)

Publicada no Brasil pela WMF Martins Fontes em 2015, A Propriedade é uma graphic novel que escava memórias enterradas com a precisão de quem conhece bem os caminhos da dor familiar. Escrito e ilustrado pela israelense Rutu Modan, o quadrinho acompanha uma viagem aparentemente simples: Regina, uma senhora judia, e sua neta Mica partem de Tel Aviv rumo a Varsóvia com o objetivo declarado de recuperar um imóvel que pertenceu à família antes da Segunda Guerra Mundial. Mas o que começa como uma disputa burocrática se revela, pouco a pouco, como um acerto de contas com o passado — aquele que se esconde em silêncios, meias-verdades e ausências compartilhadas. Modan trabalha com a técnica do "ligne claire" (a linha clara popularizada por Hergé, o gênio belga criador de TinTim), traço limpo e direto que remete aos quadrinhos europeus clássicos. As cores suaves e a diagramação precisa criam um contraste interessante com a densidade emocional da narrativa. Nada aqui é exagerado: a do...

Fly on the Wall (1985): quando o AC/DC disse não aos anos 1980

Fly on the Wall (1985) é o décimo álbum de estúdio do AC/DC e o segundo sem a produção de Robert John “Mutt” Lange, que havia trabalhado nos clássicos Highway to Hell (1979), Back in Black (1980) e For Those About to Rock We Salute You (1981). Aqui, os irmãos Angus e Malcolm Young assumem a produção, buscando retomar o controle criativo da banda em um período complicado para o hard rock tradicional. No meio da década de 1980, o AC/DC enfrentava um cenário musical em mutação. O glam metal tomava conta das paradas, com bandas como Mötley Crüe e Ratt dominando a MTV. Ao mesmo tempo, o AC/DC tentava se manter relevante após os altos estratosféricos de Back in Black (1980). Fly on the Wall veio após o mediano Flick of the Switch (1983) e foi lançado num momento em que a banda enfrentava críticas, queda de popularidade e até investigações policiais após associações indevidas entre seu nome e crimes nos Estados Unidos — algo que gerou controvérsia, mas também fortaleceu sua postura rebel...

Kabuki: Verão, Outono, Inverno, Primavera (Guilherme Petreca e Tiago Minamisawa, 2025, Pipoca & Nanquim)

Lançada pelo selo da editora Pipoca & Nanquim, Kabuki: Verão, Outono, Inverno, Primavera é uma graphic novel profundamente sensível, poética e necessária. Escrita por Tiago Minamisawa e ilustrada por Guilherme Petreca, a obra costura com delicadeza temas universais como identidade, dor, aceitação e transformação, com um foco especial na vivência de pessoas trans — uma escolha que reverbera com força em um país como o Brasil, que lidera o triste ranking mundial de assassinatos contra essa população. A narrativa gira em torno de um jovem artista do teatro kabuki — a tradicional arte cênica japonesa — que se reconhece e se afirma como uma mulher trans. A escolha de ambientar a história nesse universo estético e simbólico é mais do que estilística: o kabuki, marcado por suas rígidas convenções e papéis de gênero, torna-se uma poderosa metáfora para os limites impostos socialmente à identidade de gênero e à autoexpressão. O fato de, historicamente, mulheres serem proibidas de atuar n...

O metal não se aposenta: a força de Ozzy Osbourne em Live & Loud (1993)

Lançado em 28 de junho de 1993, Live & Loud marcou um ponto de virada simbólico na carreira de Ozzy Osbourne. Apresentado inicialmente como o registro da última turnê do Madman antes de sua aposentadoria — que, como sabemos, nunca se concretizou de fato — o disco serviu como um apanhado da trajetória solo de Ozzy até aquele momento e também como uma carta de amor aos fãs. No começo dos anos 1990, Ozzy vivia um momento turbulento. Após o lançamento de No More Tears (1991), um de seus maiores sucessos comerciais e artísticos, ele anunciou que se aposentaria das turnês por motivos de saúde, batizando a turnê de despedida de No More Tours. O clima era de celebração e encerramento de ciclo — e Live & Loud capturou esse espírito com precisão. O disco foi lançado em CD duplo e também em VHS e, posteriormente, em DVD. A formação da banda incluía músicos de altíssimo nível: Zakk Wylde (guitarra), Mike Inez (baixo, Alice in Chains), Randy Castillo (bateria, ex-Mötley Crüe) e Kevin...

Tio Patinhas e A Última Aventura (Francesco Artibani e Alessando Perina, 2025, Panini)

Em Tio Patinhas e A Última Aventura , acompanhamos o pato mais rico do mundo perdendo tudo após um golpe meticulosamente orquestrado por seus maiores inimigos: os Irmãos Metralha, Maga Patalójica, Patacôncio e Pão Duro Mac Mônei. Embora o tema da ruína e reconstrução da fortuna seja recorrente nas histórias de Tio Patinhas, o roteirista Francesco Artibani consegue abordá-lo com frescor e competência. Dividida em quatro partes, a trama é contada com uma linguagem universal e ritmo ágil. Mesmo recorrendo a elementos previsíveis — como o clássico “a maior riqueza é ter quem amamos por perto” — a história funciona muito bem graças a diálogos bem escritos e à interação entre os personagens, especialmente aqueles que costumam ter papéis secundários, como Mac Mônei. Há momentos de grande inspiração por parte de Artibani, em especial no desenvolvimento do arco da Maga Patalójica. A história também presta homenagens sutis a clássicos de Carl Barks e Don Rosa, os dois maiores arquitetos do u...

Da marginalidade ao Pulitzer: como os quadrinhos conquistaram o status de arte

Durante décadas, os quadrinhos foram tratados como um produto descartável — literatura de segunda, coisa de criança ou subcultura juvenil. Mas o tempo passou, os leitores amadureceram, e as HQs também. Hoje, obras em quadrinhos ocupam espaço ao lado de romances consagrados, são estudadas em universidades, premiadas com os maiores troféus da literatura mundial e exibidas em museus. Mas como isso aconteceu? Como passamos das bancas de jornal aos prêmios literários? Esta é uma viagem pela evolução cultural e estética dos quadrinhos — dos pulp à consagração. Anos 1930-1940: a era pulp e o nascimento do super-herói Os quadrinhos surgiram nos jornais do século XIX, mas ganharam forma como produto editorial de massa nos anos 1930, com a explosão das revistas pulp e dos primeiros gibis. Foi aí que nasceram ícones como Superman (1938), Batman (1939) e Mulher-Maravilha (1941), fundando o que conhecemos como Era de Ouro dos Super-Heróis. Mas, para a crítica tradicional, essas publicações nã...

Glory to the Brave (1997): como o álbum de estreia do HammerFall reacendeu o power metal nos anos 1990

Lançado em 27 de junho de 1997, Glory to the Brave marcou uma virada decisiva no cenário do metal europeu. Em uma época em que o heavy metal tradicional era considerado datado ou relegado a nichos, o HammerFall surgiu como um arauto da resistência metálica, reacendendo a chama do power metal clássico com energia renovada, melodias marcantes e atitude reverente às raízes do gênero. O HammerFall nasceu em Gotemburgo, na Suécia, cidade mais conhecida até então pela prolífica cena do death metal melódico com nomes como At the Gates, In Flames e Dark Tranquillity. Mas o guitarrista Oscar Dronjak tinha outra missão: homenagear o metal tradicional da velha guarda. O que começou como um projeto paralelo rapidamente ganhou corpo com a entrada do vocalista Joacim Cans, cuja voz potente e melódica se tornaria a assinatura da banda. Gravado com orçamento limitado, Glory to the Brave foi lançado pela Nuclear Blast e se destacou por sua autenticidade em um período dominado por tendências mais mo...