Hardão 70: Dust, direto das catacumbas


Por Marcos A. M. Cruz
Colecionador e Editor do Whiplash! Rock e Heavy Metal

Final de 1973. Durante uma apresentação do Kiss perante executivos da gravadora Casablanca, Gene Simmons começa a fazer caretas e colocar a língua para fora, num gesto que passaria para a posteridade como marca registrada do baixista. Um dos presentes não consegue segurar um sorriso, e mais tarde, Simmons admite ter-lhe roubado a perfomance, que vira algum tempo antes, por ocasião de um show do Dust, banda cujo guitarrista se tratava do agora produtor Richie Wise.

Uns tempos atrás estava eu na sala de aula batendo papo com meus pupilos (nas horas vagas sou professor) sobre trivialidades em geral, quando a conversa descambou para a questão do sucesso profissional, coisa que os interessa bastante, a grande maioria adolescentes e pós, que estão adentrando o mercado de trabalho, até que, num certo momento, uma aluna fez a seguinte afirmação, em tom de dúvida:

"Então, pelo que o senhor diz, basta ser competente no que se faz para se obter sucesso?"

Ia responder que sim, mas de repente me veio à mente a trajetória de várias bandas que tentaram, em vão, alçar seu lugar ao sol, muitas não conseguindo sequer aqueles propalados quinze minutos de fama andywarholnianos.

Fillmore East, início de 1968. Dois jovens na casa dos quinze anos, Kenny Aaronson e Richie Wise, se deliciam durante uma apresentação do Jimi Hendrix Experience, onde ao final o guitarrista destrói seu instrumento, jogando alguns pedaços para a platéia.

Após uma luta encarniçada, Richie consegue ficar com os captadores, troféu que adaptaria em sua guitarra e carregaria por toda sua carreira como músico, que até então estava apenas engatinhando, pois ele fazia parte de uma turma de jovens que havia na época no Brooklin, local onde morava, que tocavam em várias bandas adolescentes dedicadas a coverizar Beatles, Stones e, como era de se esperar, muito soul e funk.

Pouco tempo depois ele viria a conhecer Kenny Kerner, com o qual acabaria por estabelecer uma parceria que viria a se mostrar eficaz e duradoura, inicialmente como compositores, mais tarde como produtores.

Enquanto isto, no mesmo Brooklin, morava aquele seu amigo Kenny Aaronson, cuja paixão pela música veio através de seu irmão mais velho, que tocava bateria, instrumento que adotaria inicialmente, até que aos catorze anos de idade ele se depara com um baixo numa vitrine de uma loja e surge uma paixão à primeira vista.

Nova York, 1969. Um baterista de apenas treze anos de idade começa a se destacar pelo seu estilo veloz e pesado de tocar, inspirado principalmente por Keith Moon e Mitch Mitchell. Não tardou para despertar a atenção de Richie, que lhe propõe montar uma banda para tocar covers do The Who e Jimi Hendrix, duas de suas três grandes paixões (a outra eram os Beatles).

Durante um bom tempo prosseguem tocando nos bares e colégios da região, tendo passado diversos instrumentistas pelo baixo, até que em meados daquele ano estava na platéia o velho amigo de Richie, o baixista Kenny Aaronson, que horas mais tarde receberia um convite para se integrar ao grupo, já batizado de Dust.

Nisto, já em 1971, entra na história Neil Bogart, executivo da Kama Sutra (subsidiária da Buddah Records), que chegou até a banda através de Domenic Facilia, que estava empresariando os garotos. Acontece que Bogart estava interessado em expandir seus horizontes financeiros, investindo em grupos que tivessem uma sonoridade mais pesada, pois o grande filão que movimentava a Kama Sutra, que eram as bandas bubblegum (Ohio Express, 1910 Fruitgum Company e outros), não estava mais rendendo tanto quanto antes (por causa desta fama da gravadora é que algumas pessoas pensam erroneamente que o Dust faz parte do gênero).


Bogart oferece um contrato para o grupo, que imediatamente grava no Bell Sound Studio seu primeiro álbum, lançado em meados daquele mesmo ano, tendo sido precedido por um single com a canção "Stone Woman" em ambos lados (o lado A trazia a versão mono, e o B a versão estéreo).

Embora não fosse exatamente um sucesso de vendas, o álbum lhes garante uma certa credibilidade, que lhes renderia a única turnê que fariam fora da cidade de Nova York, abrindo alguns shows para Alice Cooper.

Ainda no final do ano sai mais um single, novamente trazendo a mesma canção em ambos os lados em sua versão mono/estéreo: desta vez a escolhida foi "Love Me Hard", porém numa versão diferente da editada no álbum (este
outtake pode ser encontrado na edição em CD da gravadora One Way, ao contrário do lançamento da Repertoire Records, que traz somente as faixas do álbum original).


E, no início de 1972, os garotos entram novamente no mesmo estúdio para registrar seu segundo e derradeiro trabalho, "Hard Attack", lançado pouco tempo depois, trazendo na capa uma belíssima ilustração de Frank Frazetta, famoso cartunista novaiorquino que galgou sucesso tardio aqui no Brasil com uma das encarnações da saga "Conan, O Bárbaro".

Porém, apesar de todo este esmero na parte gráfica e na produção (impecável, diga-se de passagem), mais uma vez o disco não alcança boas vendas, e as poucas chances de excursionar fora da cidade eram sabotadas por Marc, que na época contava com apenas 16 anos de idade e não podia largar a escola (era estudante secundário). E Richie Wise, ao que parece, estava um tanto quanto desencantado com a função de músico, passando a se interessar mais em atuar nos bastidores.

Provavelmente estes foram os motivos que levaram a banda a encerrar atividades em meados daquele mesmo ano.

Todos os integrantes do Dust construiriam uma carreira de sucesso dentro do meio musical; Richie Wise, que abandonaria a guitarra logo após sair do grupo (só viria a tocar muito esporadicamente em algumas sessões de estúdio) se torna um renomado produtor ao lado de seu amigo Kenny Kerner, tendo a dupla produzido, entre outros, discos de nomes como Badfinger, Glady´s Knights & The Pips e seu maior sucesso comercial, o Kiss,, que se tornou o carro-chefe da gravadora Casablanca Records, fundada por Neil Bogart assim que saiu da Kama Sutra.

Kenny Aaronson, que logo em seguida ingressaria no Stories, com quem grava seu maior sucesso comercial ("Brother Louie"), constrói uma gigantesca folha corrida, tendo trabalhado com Rick Derringer, Foghat, Blue Öyster Cult, Bob Dylan, Leslie West, Joan Jett e muitos, muitos outros.

Já Marc Bell se constitui num caso pitoresco: logo após o fim do grupo ele vai para o Estus, quarteto americano que deixa apenas um disco gravado em 1973, tendo no ano seguinte atuado na banda do bluesman Dave Bromberg, que registra um álbum naquele mesmo ano juntamente com Johnny Shines (lançado somente em 1992), e em 1976 se junta ao Richard Hell & The Voivoids. Porém, a fama viria mesmo em 1978, quando ingressa no Ramones e muda seu nome artístico para Marky Ramone.

Durante muitos anos pensei que se tratava de uma lenda a associação entre o baterista do Dust e o do Ramones, até ler numa entrevista a confirmação dele que de fato se trata da mesma pessoa. O motivo? Bem, compare as viradas e a pegada da primeira banda com a segunda, e depois me diga se parece ser o mesmo instrumentista.

Interessante notar que o grupo era incendiário não apenas em estúdio, como pode ser constatado na única gravação ao vivo existente (até onde eu sei), registrando pouco mais de quarenta minutos de uma apresentação no Brooklyn em 19/11/1971, mas que infelizmente conta com uma qualidade sonora abismalmente péssima.

Outro detalhe é que eles apresentam neste show três músicas inéditas, o que pode ser um indicativo que de fato eles deixaram material de sobra para um terceiro álbum, tal qual se comenta. Se for verdade, esperamos que algum dia isto venha à tona.

Uma pergunta que sempre pairou no ar em relação ao Dust é: por qual motivo eles não fizeram sucesso?  É indiscutível a qualidade dos seus dois únicos álbuns, tanto na parte das composições quanto na produção, além da competência técnica dos músicos, que formaram o que poderia vir a ser dos maiores power trios da história do rock. Apenas duas faixas - "Love Me Hard" e "Suicide" - já valem a aquisição de ambos.

Talvez a resposta resida no fato deles terem vindo na hora certa, mas no local errado, pois o tipo de som que faziam era mais próximo ao das bandas inglesas da época, ao contrário do que rolava em Nova York.

"Pense da seguinte forma: o sucesso profissional não depende só da ascenção financeira ou até mesmo do reconhecimento de terceiros, muitas vezes o que vale é estar de bem consigo mesmo, e nada melhor para isto do que se entregar ao que se faz de coração e alma, deixando de lado a ânsia por resultados imediatos, pois eles podem tardar mas um dia chegam, e se por acaso não vierem, paciência!"

Talvez a minha resposta tenha sido um tanto quanto piegas ou mesmo confusa, porém foi o que me veio na hora. Não sei se minha aluna entendeu meu ponto de vista (tampouco o leitor). Fazer o quê, há pessoas muitíssimo mais competentes que eu que não conseguiram seu lugar ao sol.

Mas eu continuo tentando, um dia chego lá. E se não chegar, pelo menos estou de bem comigo mesmo, isto é o que importa. O resto
"is dust in the wind" ...

Comentários

  1. grande matéria!
    realmente essa banda é muito boa, fui atrás de uns vídeos no Yotube, e não me decepcionei.

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  2. Os Albuns foram relançados pela Repertoire records recentemente, as edições estão muito caprichadas...
    Agora o caso do Marc(ou Marky) é impressionante, o cara era muito bom, parace que desaprendeu....

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