Hardão 70: JPT Scare Band


Por Marcos A. M. Cruz
Colecionador

Quem leu o texto de introdução desta coluna vai se lembrar que menciono o fato de não ter ficado para a posteridade registro sonoro de nenhuma banda brazuca que tenha feito rock pesado nos anos setenta, coisa que sempre me intrigou, pois até nossos hermanos argentinos tiveram seus heróis naqueles tempos, sem contar o Uruguai (Dias de Blues), Peru (Pax), etc.

É bem verdade que houve um ou outro espasmo através de faixas perdidas em álbuns do Casa das Máquinas, O Peso, Made in Brazil e outros, porém todos mais próximos do rock and roll em si que propriamente do hard rock, heavy rock ou seja lá como o leitor queira chamar. Isto não significa que não existiram bandas que faziam som pesado na época, mas simplesmente que estas não deixaram nada gravado. O porquê disso? Desconfio que, aliado à falta de memória do povo brasileiro, chavão que de tão batido infelizmente parece que se tornou uma verdade absoluta, todos estes grupos eram muito undergrounds para aqueles tempos.

"Era isto mesmo!" me disse Orlando "Landinho" Lui, num bate-papo informal que tivemos há cerca de três anos. Landinho foi integrante de uma banda lendária chamada Rock da Mortalha, que atravessou inúmeras formações durante os anos setenta e que, dentre outros feitos, se apresentou no "Woodstock brasileiro", ou seja, o festival de Águas Claras de 1975, realizado numa fazenda em Iacanga, interior de São Paulo. De acordo com o depoimento de quem assistiu ao seu set, eles soavam como uma espécie de versão brazuca do Black Sabbath e nesta apresentação estavam usando umas roupas pretas, com uma cortina também preta de fundo, carregando o logotipo do grupo.

"Éramos realmente o Sabbath brasileiro", afirmou Landinho, confirmando que em seus shows, baseados principalmente em composições próprias, sempre tentavam criar uma atmosfera sombria para combinar com seu som, que de acordo com ele era muito pesado para a época, sendo Iommi & companhia uma de suas principais referências. Perguntei-lhe, já com o coração na mão, se havia algum registro sonoro, sonhando em encontrar alguma preciosidade perdida que mandaria minha tese água abaixo, mas líquida e gelada foi a ducha que Landinho mandou: "Não Marcos, nunca gravamos absolutamente nada, a gente tocava principalmente pelo prazer de fazer música"...


Em 1973, Jeff Littrel e Terry Swope, dois velhos conhecidos de infância, estavam tocando numa banda de country rock no Kansas chamada Carol Cruise and the Cruisers, que tinha como formação a tal vocalista chamada Carol, um baterista chamado Frank Infranca e um baixista cujo nome se perdeu no tempo, além de Jeff nos teclados e Terry na guitarra. O tal baixista decidiu sair, e em seu lugar entrou Paul Grisby, velho conhecido da época de faculdade de Jeff e Terry.

Nesta época, de acordo com Jeff, ele, Terry e Paul eram muito jovens (cerca de 20 anos de idade) e não tinham dinheiro, ao contrário de Carol e Frank, que vinham de famílias mais abastadas. Os três decidem então, junto com outro amigo chamado Greg Gassman, alugar um casarão velho, devidamente rebatizado de Electric House, que se tornaria o estúdio caseiro do grupo, principalmente depois que Carol e Frank decidem sair, tendo Jeff assumido as baquetas e Terry e Paul dividindo os vocais, nascendo daí o JPT Scare Band.

Por mais pitoresco que possa parecer, o lance dos caras não era gravar, tampouco tocar ao vivo, mas apenas tocar pelo prazer de tocar, como afirmou Jeff em entrevista ao Planeta Stoner: "É importante que as pessoas entendam que, voltando ao passado, quando estávamos felizes gravando nossas jams no porão da Electric House e na sala de jantar da Stone House on Crooked Road (local para onde Paul se mudaria mais tarde), nós estávamos totalmente imersos em fazer música e nos divertirmos. Não tínhamos absolutamente nenhum interesse em assinar contratos com gravadoras ou fazer tours. Tivemos sorte em ter um cara (Greg Gassman) morando com a gente na Electric House e que era engenheiro de gravação. E temos um outro grande amigo (Rocky Van Rude) que tinha uma companhia de som para shows e nos deixava usar uma das mesas de mixagem e os microfones. Caso contrário, não teríamos nenhuma gravação destes tempos maravilhosos".

Na realidade, eles chegaram a fazer algumas poucas apresentações num lugar chamado Volker Park ainda nos anos setenta, onde várias bandas se apresentavam mediante uma platéia de hippies totalmente chapados, pois aqueles eram tempos recheados de boa música, diversão, mulheres selvagens e aventuras cósmicas, nas palavras de Jeff.


Algum tempo depois, Jeff e Terry se mudam para um lugar chamado Boogie Barn, enquanto Paul seguiria para Parkville, no Missouri, passando a residir na tal Stone House on Crooked Road, onde prosseguiriam as loucas jams iniciadas no Kansas.Para se ter uma idéia do método de trabalho dos caras, eis trecho do relato de uma das sessões de gravação: "As músicas geralmente surgiam a partir de um riff que posteriormente ganhava uma letra (...), montamos nossos instrumentos na sala enquanto Greg registrava tudo na cozinha, tentando mixar tudo com auxílio de fones de ouvido, mas como tocávamos com os amplificadores no volume máximo, certamente ele não conseguia ouvir nada direito. Além do mais, haviam duas garotas com ele na cozinha, de forma que sempre que eu o vislumbrava pela porta suas mãos não estavam na mesa de som, mas sim ocupadas com as garotas!"

Como precisavam sobreviver, eles se viravam com o que aparecia pela frente. Dentre outras coisas, Paul foi balconista, Jeff foi vigia e Terry diz que foi salva-vidas, além dos dois últimos eventualmente terem feito bicos em estúdio de gravação e participações em diversas outras bandas locais. Embora o JPT sempre tenha girado em torno dos três, eventualmente em algumas jams o trio contou com outros guitarristas, tecladistas e bateristas, sendo que parte deste material ainda permanece inédito nas mãos de Jeff.

No final dos anos setenta Terry e Jeff formaram o Prisoner (também chamado de Project 23) juntamente com o baixista Wally Binney (Paul havia mudado para o Colorado), banda que adotava uma sonoridade diferente do JPT (aparentemente bem mais pop, pra ser sincero nunca ouvi), e que gravou um disco independente, lançado em 1980, que não chegou de fato a ir para as lojas, tendo sido vendido durante as apresentações que fizeram, abrindo para grupos do porte do Krokus, Alvin Lee, Savoy Brown e REO Speedwagon. Tudo indicava que aquelas lendárias jams iriam acabar mofando em velhos tapes, mas uma reviravolta iria ocorrer no futuro.


Estamos em 1992: Jeff vai atender ao telefone e do outro lado da linha um sujeito se identifica como sendo Phil Baker, dizendo que havia comprado em um sebo o tal disco do Prisoner e gostara muito de uma faixa chamada "Burning Hell", perguntando para Jeff se o grupo gravara mais algo naquela linha. O baterista, ainda meio reticente, diz que na realidade a faixa em questão havia sido gravada originalmente em meados da década de setenta pela sua banda da época, chamada JPT Scare Band, da qual ele mantinha caixas e mais caixas de material. Phil pergunta se poderia rolar alguma coisa pelo próprio telefone, e Jeff lhe mostra um trecho de 45 segundos de Acid Acetate Excursion. Algum tempo depois, um ansioso Phil estaria recebendo no Texas o primeiro lote de fitas do JPT.

Acontece que Baker, juntamente com Dennis Bergeron, são proprietários da Monster Records, gravadora independente norte-americana cuja principal missão, de acordo com eles, é editar e relançar clássicos perdidos do hard rock, heavy metal, psicodelismo e progressivo dos anos 60, 70 e 80 (Nota do Editor: veja uma pequena lista com os itens lançados pela Monster aqui).


A gravadora então lança em 1994 o LP Acid Acetate Excursion em tiragem limitada de 300 cópias, que seria o estopim do culto ao JPT, seguido por Rape of Titan's Sirens, também prensado somente em LP, com uma tiragem de 500 cópias. Logicamente ambos os discos não tardaram a ser pirateados mundo afora em formato digital, e em junho de 2000 finalmente a Monster lança Sleeping Sickness, trazendo todas as faixas de Acid Acetate Excursion e três de Rape of Titan´s Sirens, todas em versões expandidas. Uma frase extraída de uma resenha sobre o CD diz tudo: "Use com cuidado! Este álbum pode causar sérios problemas musculares devido ao desejo incontrolável de se praticar air guitar".


Como a gravadora de Phil decidiu trabalhar apenas com material dos anos setenta, o grupo optou por formar um selo próprio chamado Kung Bomar, que lançou em 2002 o CD Past is Prologue trazendo gravações realizadas recentemente, além de outras ainda dos anos setenta (não se deixe enganar pelas três primeiras faixas, que são justamente as mais recentes, e ficaram um tanto quanto polidas, pois a partir da quarta em diante o troço pega fogo!).


A banda lançou em 2007 mais um trabalho, chamado Jamm Vapours. Futuramente aguarda-se outros lançamentos de material dos anos setenta pela própria gravadora do grupo, já que o contrato com a Monster Records acabou há alguns anos; dentre eles, há idéia de um CD somente com jams de blues, trazendo material gravado em meados daquela década com um cantor chamado Jerry Wood (homenageado com uma faixa chamada "Jerrys Blues" em Past is Prologue, gravada em meados dos anos setenta - se aquilo, na realidade uma jam infernal, recheada de riffs, for o que eles entendem por blues, muitos tradicionalistas vão enfartar quando sair o tal CD).

Quem estiver interessado em mais detalhes e algumas histórias pitorescas, basta dar uma conferida no
website oficial do grupo. E se você ainda não conhece a banda, e gosta de jams sessions pontuadas por riffs esporrentos de guitarra, vale à pena batalhar ao menos o Sleeping Sickness, que é garantia de diversão do começo ao fim!

Possivelmente ainda vamos nos surpreender com muito material inédito do JPT, eles de fato merecem recolher os louros pelo seu passado. Enquanto isto, Landinho continua por aí tocando a vida, tendo somente as lembranças em sua mente, ao mesmo tempo em que seus relatos nos aguçam a curiosidade. Quem sabe alguém venha a encontrar alguns tapes perdidos que possam resgatar pelo menos um pouco da memória dos nossos heróis daqueles tempos, e algum dia eu possa estar aqui contando a história do Rock da Mortalha e de outras bandas brazucas perdidas no tempo?

Comentários

  1. Estranho mesmo, Marco, não haver registros das bandas brasileiras. Isso seria devido ao amadorismo das mesmas somado ao 'prazer de fazer música' ?? Ou mesmo pela questão de não se confiar na qualidade do trabalho feito ??

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