Rigotto´s Room: O mutante Loki


Por Maurício Rigotto
Escritor e Colecionador
Após ser ovacionada em festivais de cinema pelo mundo todo, a comovente cinebiografia Loki, de Arnaldo Baptista, é lançada em DVD e está disponível em lojas e videolocadoras. Trata-se de uma biografia honesta, que emociona profundamente o telespectador sem ser apelativa a sentimentalismos baratos e piegas, fazendo justiça a ‘El Justiceiro’, o mutante Arnaldo Baptista, um dos maiores gênios não só do rock, mas da música brasileira, e, porque não dizer, mundial.

A ideia de um documentário sobre Arnaldo veio a partir de um programa de meia hora sobre ele feito para o Canal Brasil, quando os produtores tiveram grande dificuldade em condensar essa rica história de vida em apenas trinta minutos, tornando-se óbvio que sua trajetória mereceria um longa metragem. Com o aval do Canal Brasil, o diretor Paulo Henrique Fontenelle e sua equipe, auxiliados por Lucinha Barbosa, esposa de Arnaldo, passaram a coletar depoimentos e um grande acervo de imagens, muitas delas muitos raras, para o filme.

A película começa mostrando um pouco do trabalho de Arnaldo como pintor, e uma tela em branco é mostrada, sendo que no decorrer da exibição o mutante irá pintar um quadro nessa tela enquanto sua história de vida musical e, principalmente, humana, é retratada. Há significativos depoimentos do próprio, de seu irmão Sérgio Dias, do baixista Liminha, de Gilberto Gil, Lobão, Raphael Villardi (guitarrista do O’Seis, seu primeiro conjunto, já com Rita e Sérgio na formação) e outros.

Rita Lee se absteve de dar declarações, mas consentiu que suas imagens fossem utilizadas. Sem a autorização de Rita, o projeto seria inviabilizado, haja vista ser impossível contar a trajetória de Arnaldo sem Rita. Não entrarei no mérito da questão, se Rita Lee não quis participar da volta dos Mutantes ou dar declarações para o documentário, isso é pessoal e só eles sabem ao certo o grau de amor ou ódio ou rancor que nutrem um pelo outro.

O que nos importa é que tudo está documentado de forma irretocável: a participação dos Mutantes acompanhando Gilberto Gil no Festival da Record, a ascensão da banda ao merecido estrelato, o reconhecimento da importância do grupo como peça fundamental da Tropicália, e depois o declínio, quando as drogas absorveram o bom humor e a gigantesca criatividade do grupo, que enveredou pelo caminho do rock progressivo. A saída traumática de Rita Lee após as inúmeras brigas do casal, a própria saída de Arnaldo da banda, depois da gravação do álbum ‘O A e o Z’ em 1973 - disco que só seria lançado em 1992 - e o seu primeiro disco solo, Loki, considerado uma obra prima que escancara toda a sua genialidade e a sufocante angústia e enorme depressão que estava lhe afligindo.

Seguem-se imagens de Arnaldo com a banda Patrulha do Espaço, com quem gravou dois discos, em um programa de televisão que nem chegou a ir ao ar, com depoimento do baixista Oswaldo “Kokinho”, que morreu subitamente em Londres um dia antes de o filme ser lançado.

O que comove e emociona o espectador é a transformação de um garoto genial, extremamente divertido e brincalhão, em um ser amargurado, triste e profundamente melancólico. Com sua sanidade perturbada e em total ostracismo, cada vez mais frustrado e incompreendido, Arnaldo foi internado diversas vezes em instituições psiquiátricas. O artista plástico Antônio Peticov, amigo de Arnaldo desde a adolescência, conta que ficou seriamente preocupado quando viu o amigo construindo uma nave espacial para cair fora desse planeta, afinal, "falar sobre discos voadores era normal, mas construir um para fugir da Terra era alarmante".

Em uma dessas internações, Arnaldo tentou o suicídio, pulando da janela do terceiro andar do hospital e entrando em coma profundo. Em Loki ele claramente atribui a sua tentativa de dar cabo em sua própria vida à Rita, que ele chama de responsável pela suas internações. Suas declarações mostram um homem com uma sensibilidade desenfreada, às vezes ainda parecendo ser um menino ingênuo e fragilizado.

Nos anos noventa, a sua redescoberta pelas novas gerações é mostrada a partir de um depoimento de Kurt Cobain, líder do Nirvana, à MTV, falando da genialidade de Arnaldo e de sua vontade de conhecer o artista, inclusive escrevendo uma carta de próprio punho para o mutante. O encontro não aconteceu, mas Arnaldo é visto no filme assistindo comovido a essa entrevista de Cobain.

Em 2000, Sean Lennon, o filho de John, toca no Brasil e convida Arnaldo para uma participação em seu show. Sean fala sobre a importância da obra de Arnaldo e o compara a Syd Barrett, o mentor do Pink Floyd, outro gênio da música que teve uma trajetória semelhante. A riqueza das canções de Arnaldo são então comparadas a Beatles e Rolling Stones e, a meu ver, embora resguardando devidas proporções que possam soar exageradas, também deveriam ter citado Brian Wilson dos Beach Boys na analogia.

A construção do documentário coincidiu com a volta dos Mutantes em 2006, após 33 anos sem se apresentarem juntos. Um DVD foi gravado no primeiro show do retorno da banda, no Teatro Barbican, em Londres, e o diretor Paulo Fontenelle acompanhou o grupo à Inglaterra para registrar os bastidores. Arnaldo foi ovacionado como um dos maiores artistas vivos em todo o mundo. Imagens feitas no dia seguinte, nas ruas de Londres, mostram Arnaldo sendo reconhecido e reverenciado pelos ingleses, demonstrando que ele é mais conhecido no mundo que em seu próprio país. Arnaldo recebia o reconhecimento, embora tardio, por sua inspiradíssima obra musical.

O documentário tem duas horas de duração e emociona quem é fã dos Mutantes, fã de Arnaldo, fã de música ou qualquer pessoa que nunca tenha ouvido falar no artista. Loki é o primeiro produto cinematográfico lançado pelo Canal Brasil. O filme circulou por vários festivais de cinema pelo mundo, ganhando prêmios no Festival do Rio, Mostra de Cinema de São Paulo e festivais de cinema em Cuiabá, Toronto, Miami e Nova York, além de ser muito aplaudido nos festivais internacionais de Buenos Aires, San Francisco, San Diego e Seattle, o que o levou a percorrer as salas de exibições das principais capitais de estados brasileiros.

Além dos cento e vinte minutos do longa, muita coisa boa acabou ficando de fora. Não perca nos extras do DVD Arnaldo tentando visitar sua antiga residência no bairro Pompéia, quando a atual dona do imóvel lhe diz que só permite a sua entrada se ele pagar ingresso, pois antigamente alguém famoso morou ali, um tal de marido da Rita Lee, e de tanto aparecer garotos querendo conhecer a casa agora ela cobra ingresso - isso dito ao mesmo artista que é reconhecido pelos ingleses quando circula pelas ruas de Londres ...

Comentários

  1. A algum tempo procurei o Loki em CD. Não é preciso dizer que só achei em lojas de fora e por preços abusivos. Para as lojas aqui do Brasil o disco não existe.

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  2. Fernando, comprei o Loki em CD na Roots Records de Floripa, no final do ano. Vi o disco também na Saraiva Mega Store de Floripa.

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  3. Acho o Loki bem em CD bem facil aqui em PoA e com preço justo. Esse documentário é uma paulada. Uma pena que a Rita inda tem essas birrinhas, pois com certeza, suas declarações seriam importantíssimas para entedermos melhor o que passava na cabeça de Arnaldo (e tirar de vez aquela imagem de gostosão do livro A Divina Comédia dos Mutantes). E quanto ao fato de não conhecerem o Arnaldo no Brasil, bom, ISSO É BRASIL!!!

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  4. Pois é, eu achei o CD fácil em Floripa, apesar de que estamos falando em capitais, Mairon.

    Eu não li A Divina Comédia. Que imagem é pintada do Arnaldo lá?

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  5. Que o Arnaldo era um garanhão que vivia metendo guampa na Rita, e quando ela decidiu pular fora, ele acabou se atirando nas drogas e talz. O livro tem muita história, mas que não parece ser real no meu ponto de vista, e puxa muita brasa pra sardinha da Rita. Tanto que os próprios mutantes (a menos da Rita, óbio) não gostaram do livro

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  6. Acho que isso é mentira. Acho a Rita uma duas caras sem tamanho. Ou alguém aqui acredita que eles não tomavam drogas antes de a Rita sair, em 1972?

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  7. As observações do Mairon acerca do livro do Antonio Callado "A divina comédia dos Mutantes" estão corretíssimas, mas mesmo assim acho uma ótima biografia e considero a sua leitura indispensável.

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  8. Maurício, também penso que, tirando esse fato levantado pelo Mairon, o livro é uma leitura fundamental, sobretudo pelo fato de o Brasil não ter o hábito de reconhecer a história de seus grandes artistas, o que A Divina Comédia, apesar das falhas, certamente o faz.

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  9. Sim, com certeza, o livro é obrigatório, mesmo com as frustações que causam para quem é fã. Porém, quem não conhece a banda, vale a pena principalmente pelas histórias ocorridas na França. E o fato das drogas, o livro trata sobre o uso antes da Rita sair, mas como se fosse uma brincadeira juvenil (algo tippo Christiane F. no início de carreira, se é que me entendem)

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  10. Mairon, Christiane F. em início de carreira foi foda. Só quero perguntar uma coisa: de qual carreira você está falando (risos)?

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  11. Hehehehe, pior que ela tem várias. Inclusive descobri que existe um vinil dela cantando punk (to tentando achar isso pra comprar/baixar e não encontro em lugar nenhum). Mas é o início da carreira com o pagode e o sertanejo mesmo, ou seja, as drogas pesadas, hehe

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  12. Vou dar mais uma pesquisada. Mas eu procurei em todos os sites de compra da net. Talvez agora com o filme o CD fique mais fácil de encontrar.

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  13. Para os que se interessarem achei o disco na CDPoint. O Daniel vai comprar correndo...hehehe
    Foi o único lugar que achei por enquanto..

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  14. Assisti o Loki duas vezes já, é bem legal, principalmente no que tange as imagens raras da banda que aparecem (uma pena total, que o formato dos documentários quase nunca permite que elas sejam mostradas na íntegra). Acho que tem dois lados a questão - o primeiro é bom, pq pra acabar com essa história de que o brasileiro não tem memória, não valoriza os artistas que teve, enfim...o outro lado é que a coisa vai num embalo. Um faz um documentário sobre um músico esquecido ou injustiçado que dá certo, gera repercussão, e um monte de gente vai e faz a mesmissíma coisa, do mesmo jeito. Vide documentário do Simonal, do Arnaldo, do Hermeto, dos Titãs, do Hebert Vianna, etc, etc, etc...lá fora a onda é fazer filme sobre os artistas...já teve do Hendrix, da Janis, do Ray Charles, querem fazer do Keith Moon, blá blá blá...Quanto ao Loki, uma coisa que me soa meio incômoda é que o pessoal quis encher muito a bola dele (claro que ele tem seu mérito sim) mais por piedade (tendo em vista seu estado mental atual) do que por reconhecimento msm. Aquela declaração do Duprat achei de um exagero sem tamanho, que o Arnaldo foi a coisa mais importante do Tropicalismo...e outra, a fase em que ele não estava nos Mutantes é a de musicalidade mais avançada da banda, ou seja, o Sérgio tb tinha muito crédito no trabalho anterior, pq toca e compõe muito bem tb.
    Abraço a todos!
    Ronaldo

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  15. Mas Ronaldo, eu não vejo problema haver um boom na produção de documentários sobre artistas. Se o resultado final for bom, o filme será elogiado e receberá os créditos. Se for ruim, será esquecido.

    Vou comprar esse DVD. Vi o filme no Canal Brasil, mas quero ter o DVD em casa.

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