Castiga!: o jazz funk alucinógeno do Demon Fuzz


Por Marco Antonio Gonçalves
Colecionador

Afro-jazz psicodélico? Jazz funk experimental? Rock progressivo negróide? Na verdade, isso pouco importa quando se escuta o álbum Afreaka! e o seu fulminante caldeirão sonoro de referências. Raridade lançada em 1970 pelo selo Dawn, trata-se do fantástico e obscuro disco do grupo britânico Demon Fuzz, cuja estrutura rítmica é alimentada por um mecanismo de conexão black com engrenagens multiplicando o fator groove.

Oriundo da cena afro-rock britânica (a mesma de bandas como Brotherhood of Breath e Noir), o combo era formado por Smokey Adams (voz), Ray Rhoden (piano, órgão), W. Raphael Joseph (guitarra), Sleepy Jack Joseph (baixo), Steven John (bateria), Clarance Brooms Crosdale (trombone), Paddy Corea (flauta, sax, congas) e Ayinde Folarin (congas), e durou apenas oito meses, o suficiente para conceber esta verdadeira obra-prima.

Miscelânea sonora sensacional, potencializada em jams fulminantes e arranjos maneiríssimos a cargo de Paddy Corea, privilegiando a individualidade dos instrumentistas envolvidos, sem perder a coesão e a unidade sonora. Discaço trazendo composições moldadas pela dupla R. Rhoden e W. R. Joseph e produção certeira de Barry Murray.

Um cruzamento de levadas grooveadas com influências jazzísticas e alternâncias climáticas, agrupando elementos do afrobeat de Fela Kuti; funkeira nervosa no compasso de JB’s, Funkadelic e Sly & Family Stone; pitadas de funk latino, antecipando aquilo que Mandrill, Osibisa e Cymande fariam com maestria na mesma década; e resquícios de psicodelia e progressivo nas belas passagens de órgão de Ray Rhoden, conduzindo a lisergia black.


E não é só: frases de guitarra e linhas de baixo estilosas, flautas e solos de sax de cair o queixo, bateria e percussão afro bem destacadas, aliados ao vocal suave de Smokey Adams, que em maravilhas como “Hymn to Mother Earth” e “Disillusioned Man” parece cantar para o último de seus dias. Junto a faixas instrumentais de perder o fôlego como “Past, Present and Future” e “Mercy (Variation No.1)”, são alguns dos melhores temas que já escutei na seara da black music. O disco traz ainda uma versão instigante para “Another Country” do Electric Flag, bandaça por onde passaram nomes como o guitarrista Mike Bloomfield, o batera Buddy Miles e o cantor Nick Gravenites.

Para aqueles que já conheciam as cinco faixas do play original do Demon Fuzz, a novidade veio em 2005 com o lançamento de
Afreaka! em formato digital (selo Janus Records), incluindo material do primeiro EP da banda, com três gravações ainda mais raras: “Message to Mankind”, “Fuzz Oriental Blues” e uma versão arrebatadora de “I Put a Spell On You”, clássico do maluquete Screamin’ Jay Hawkins.

Para os ratos de sebo que procuram uma obscuridade funky, é como achar o Santo Graal. Recomendadíssimo!

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