Rigotto's Room: A turnê dos Novos Bárbaros


Por Maurício Rigotto
Escritor e colecionador
Collector's Room

No inicio de 1979, os Rolling Stones encerravam a turnê de divulgação do disco Some Girls, lançado no ano anterior. O álbum, um dos mais bem sucedidos da banda nos anos setenta, fez grande sucesso com as músicas “Miss You”, “Shattered” e “Beast of Burden”; além de incluir grandes rocks como “When the Whip Comes Down”, “Respectable” e “Before They Make me Run” (com Keith Richards nos vocais); a bela canção country “Far Away Eyes”, a quase punk “Lies” e a cover de “Just My Imagination”, dos Temptations. Encerrada a digressão, os Stones decidem tirar o resto do ano de férias, no que seria uma das primeiras pausas do grupo, que vinha emendando discos e turnês sem interrupções.

O guitarrista Ron Wood, que havia entrado na banda quatro anos antes, estava lançando mais um álbum solo, Gimme Some Neck, que contou com a participação de todos os seus colegas de banda na gravação. Ron Wood decidiu aproveitar as férias dos Stones para formar uma banda e sair em turnê divulgando seu novo disco. Para a empreitada, convocou o pianista Ian McLagan, seu ex-companheiro na banda Faces e que havia acompanhado os Stones na última turnê; o saxofonista Bobby Keys, que acompanha os Stones desde os anos sessenta; Stanley Clarke, renomado baixista de jazz fusion; e Joseph “Zigaboo” Modeliste, baterista da banda funk The Meters. Ron batizou a banda com o nome The New Barbarians.

Keith Richards pensava no que faria durante o hiato dos Stones. Queria continuar tocando guitarra, por diversão, e a nova banda de Wood era a mais próxima naquele momento. Keith foi ao ensaio dos New Barbarians e, sem cerimônia, disse a Ron que queria entrar na banda. Keith foi aceito na hora. O entrosamento entre os guitarristas já vinha desde antes de Ron entrar nos Rolling Stones. Keith havia participado da banda que gravou os primeiros solos de Ron Wood - I’ve Got My Own Album To Do (1974) e Now Look (1975) – e havia tocado como convidado em concertos dos Faces.

Antes de entrar em férias, os Rolling Stones ainda tinham um último compromisso: fazer um show beneficente em Toronto. Keith Richards havia sido preso em Toronto em 1977 por porte de heroína, podendo ser condenado a uma sentença de sete anos de prisão em regime fechado. Durante o processo, o governo norte-americano ofereceu tratamento a Keith; e uma garota cega que ia aos shows dos Stones testemunhou a favor do guitarrista, declarando que Keith sempre lhe oferecia carona e lhe tratava com gentileza e cavalheirismo. Esse depoimento foi determinante para a sentença que o juiz proferiu em 1978, condenando Keith a fazer um show com os Stones em beneficio a uma instituição de cegos, a CNIB – Canadian National Institute for the Blind. Keith ficou satisfeito, mais uma vez escapara de cumprir pena em uma cadeia e ainda faria um concerto em beneficio a causa dos deficientes visuais. O show dos Stones no Oshawa Civic Auditorium foi marcado para o dia 22 de abril de 1979. Os New Barbarians acharam que seria uma ocasião perfeita para o seu primeiro show, abrindo justamente o show dos Rolling Stones.

Em Toronto, após serem apresentados pelo falecido ator John Belushi (The Blues Brothers), os New Barbarians surpreendem a platéia canadense com um repertório composto por músicas dos discos solos de Ron Wood, além de uma cover de Chuck Berry e “Before They Make me Run”, a música que Keith canta em Some Girls. Após a abertura dos Barbarians, os Stones sobem ao palco para a sua performance. No bis, os New Barbarians são chamados ao palco e acompanham os Stones nas canções “Miss You” e “Jumpin’ Jack Flash”. Após dois shows no Canadá, os New Barbarians iniciam em maio a turnê norte-americana, cruzando os Estados Unidos com dezoito concertos em cidades diferentes.

No dia 05 de maio, os New Barbarians sobem ao palco do Capital Center Arena em Largo, Maryland. Abrem o show com “Sweet Little Rock’n’Roller”, música de Chuck Berry que se tornou um hit na interpretação dos Faces. Seguem com as novas músicas de Gimme Some Neck, como a ótima “Buried Alive”, “F.U.C.Her” e “Infekshun”. Tocam "Mystifies Me", do primeiro solo de Ron, e “Rock me Baby”, um blues de B.B. King. Keith Richards assume os vocais em “Sure The One You Need", uma composição de Jagger/Richards incluída no primeiro solo de Ron Wood. O show prossegue com “Lost and Lonely”, do novo álbum, “Breathe on me”, do disco Now Look e “Love in Vain”, um blues de Robert Johnson gravado pelos Rolling Stones no album Let It Bleed.

Keith Richards volta a assumir os vocais em "Let's Go Steady Again", e para a grande surpresa do público, Ron Wood larga a guitarra e pega um saxofone tenor, fazendo uma duo de sax com Bobby Keys. Na próxima canção, o standard country “Apartment Number Nine”, ainda com Keith nos vocais, Keith Richards assume o piano, enquanto Ron Wood desliza o seu slide em um pedal steel guitar. A platéia ovaciona a banda ao ouvir a introdução de “Honky Tonk Women”, com Ron Wood nos vocais do clássico dos Stones. Keith volta aos vocais em “Worried Life Blues”, um antigo blues dos anos quarenta. O show segue com uma empolgante versão de “I Can Feel the Fire”, do disco I’ve Got My Own Album To Do e "Come to Realize", do Gimme Some Neck. Em "Am I Grooving You", os Barbarians fazem uma versão com mais de dez minutos de duração desse funk rock do primeiro disco de Wood, com direito a um fabuloso solo de contrabaixo de Stanley Clarke. A próxima canção é "Seven Days", uma música que Bob Dylan compôs em 1976 e nunca gravou, apesar de executá-la com freqüência em seus shows. Ron Wood foi o primeiro a gravá-la e "Seven Days" acabou sendo o carro-chefe de Gimme Some Neck. Keith Richards encerra o show cantando “Before They Make me Run”. No bis, os Barbarians fazem um interpretação incendiária e impecável de “Jumpin’ Jack Flash”, encerrando em definitivo um show que teve mais de duas horas de duração.

Após vinte shows entre abril e maio de 1979, no Canadá e Estados Unidos, os New Barbarians ainda tinham um último desafio: abrir o show do Led Zeppelin no Knebworth Festival em agosto. Seria o último show da banda e a única oportunidade para os ingleses presenciarem uma apresentação do projeto paralelo de seus conterrâneos. Apesar do Led Zeppelin ser obviamente a grande atração da noite, os New Barbarians fizeram uma elogiada apresentação, incluindo no repertório a ótima “Take a Look At the Guy”, do primeiro disco de Ron, encerrando sua curta carreira em uma grande festa etílica nos camarins de Jimmy Page e cia.

Durante a turnê americana, um único incidente foi registrado, em Milwaukee. Alguém espalhou um boato de que o show dos Barbarians contaria com diversos convidados especiais, criando grande expectativa entre os fãs, que destruíram o local em um grande tumulto quando descobriram que os “convidados” não apareceriam. Em janeiro de 1980, Ron Wood e Ian McLagan voltaram a Milwaukee para mais um show usando o nome New Barbarians, para tentar levantar fundos para o promotor cobrir as despesas causadas pelo tumulto. Desta vez a banda contou com Andy Newmack, Reggie McBride e Johnnie Lee Schell substituindo Keith Richards, Stanley Clarke e Joseph “Zigaboo” Modeliste. No mesmo mês, os Rolling Stones voltaram às atividades para preparar o que viria a ser o álbum Emotional Rescue.

Em outubro de 2006, finalmente Ron Wood edita um CD duplo com a íntegra do show dos New Barbarians em Largo, Maryland, intitulado Buried Alive: Live in Maryland. Um DVD bootleg com o vídeo do concerto circula entre os colecionadores, registrando assim mais esse belo capítulo da história do rock.



Comentários

  1. Essa capa do Gimme Someneck foi chupada pelo Pearl Jam na capa do álbum No Code, de 1996.

    Bela matéria, Rigotto man. E a foto do Wood e do Keith "alterados" é de dar medo ... (risos) ...

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  2. Ótima matéria! Eu nem sabia da existência do registro em cd, vou correr atrás.
    Abs.

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  3. Obrigado amigos!

    A capa e o encarte de Gimme Some Neck traz desenhos e pinturas do próprio Ron Wood, que é um grande artista plástico. Auto-retratos e desenhos de Mick, Keith, Charlie, Dylan e Rod Stewart ilustram esse belo vinil.

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  4. Não sou muito ligado na carreira do Ron Wood, mas gosto desse disco, Maurício. E a capa é linda.

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  5. Valeu pela dica!
    Vou atrás desse registro!

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