Você realmente gosta de música?


Por Rodrigo Nogueira
Professor de Música e Colecionador
Sons, Filmes & Afins
Central Musical: Anos 80
(texto publicado originalmente no blog Sons, Filmes & Afins)


A pergunta do título pode parecer tola, mas acho que cabe uma reflexão. Acredito que podemos apreciar música de duas formas:

Pelo que ela nos causa

Na maioria das vezes que procuramos ouvir música, buscamos os efeitos que ela nos causa. Por exemplo: quando saímos para dançar, queremos ouvir músicas que nos compelem à dança, como um ritmo animado ou uma balada romântica. Isso nos coloca no clima e, em geral nos traz prazer. Quando vamos à igreja, precisamos de músicas que nos coloquem em uma espécie de transe, pois nos dão a sensação de estarmos em contato com o divino. Em casos mais corriqueiros, utilizamos a música na tentativa de mudar nosso humor ou potencializá-lo, como nos casos em que ouvimos uma música alegre quando estamos - ou quando queremos - ficar alegres.

Dessa forma, música boa é simplesmente aquela de que gostamos, e gosto não se discute. Sem contar que gosto nada mais é do que uma questão de costume, e a mídia, sabedora disto, molda o gosto da população em geral ao seu bel prazer, forçando audições constantes de gêneros e artistas específicos.

Existem atualmente até estudos avançados sobre os efeitos da música e terapias que a utilizam como matéria-prima em suas seções, como é o caso da musicoterapia, por exemplo. Mas aí será que estamos apreciando música ou estamos apenas utilizando os seus benefícios?

Por ela em si

A música é uma forma de arte, e por si só pode ser apreciada. Os livros de teoria musical dizem que “
música é a arte de bem combinar os sons” e que sua principal função é a “expressão de sentimentos”. Reparem que não há restrições de sentimentos, ou seja, podem ser tanto bons quanto ruins.

Para apreciar a música dessa forma devemos saber como ela é de fato, ou seja, sua estruturação, intenção, expressão, interpretação, etc. Não é essencial, para isso, ter tanta erudição; muito pode ser percebido de forma empírica e por sensibilidades. Sem dúvida que o conhecimento na área amplia ainda mais essa percepção, mas não é o principal. Portanto, não conseguiremos atingir esse nível de apreciação com atividades paralelas. Quando lemos um livro, não podemos estar com a cabeça em outro lugar, pois assim não entenderemos nada do que estamos lendo. Com a música é da mesma forma.

Nesse caso, música boa é aquela que tem qualidade, o gosto pouco importa. A qualidade é discutível sim, e é baseada na análise e na percepção. O fato de gostarmos dela ou não jamais tirará sua qualidade, só tornará mais ou menos agradável a experiência de ouvi-la.
Meu objetivo nesse texto não é dizer que uma forma é melhor que a outra, apenas mostrar que existem outras maneiras de apreciar a música e que não precisamos abrir mão de nenhuma delas.

Como a primeira forma é feita automaticamente, venho oferecer com meu blog um pouco da segunda. Não quero de maneira alguma mudar ou influenciar gostos, mas, através de pesquisa, mostrar o que tem valor artístico e estético nesse campo. Tanto é que muitas vezes contrario meu próprio gosto nas postagens no intuito de oferecer isenção de julgamento. Nem tudo o que é mostrado precisa ser gostado, mas por que não conhecido?

O universo musical é bem mais amplo do que o que a mídia nos mostra! Convido os caros leitores a compartilharem comigo essa maravilhosa viagem.

Programação de Postagens do Sons, Filmes & Afins
Segundas e Quartas – Discos históricos de música popular (todos os estilos), apresentados em ordem cronológica (no momento, estou desbravando o ano de 1979);

Sextas - Resenhas de filmes que estão em cartaz nos cinemas ou que acabaram de chegar às locadoras;

Domingos - Domingos Especiais – Matérias que falam da trajetória da música e curiosidades, sempre focando na música chamada erudita (ou clássica). Atualmente apresento a série 50 Obras Revolucionárias.


Comentários

  1. Na minha opinião, quem realmente gosta de música tem no mínimo a curiosidade de sempre pesquisar novos sons e conhecer artistas que ainda não ouviu. Ficar preso a um mundinho fechado, seja ele de um gênero ou de um artista específico, está mais para fanatismo do que qualquer outra coisa.

    Abraço.

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  2. Eu gosto de música, e discordo dessa frase: " gosto nada mais é do que uma questão de costume". Eu não tenho o costume de comer frutos do mar, mas é muito bom. Nunca tive o costume de beber uísque, mas gosto muito de uísque. E também não tinha o costume de ver o Fudêncio na MTv, mas adorava os mi-mi-mi e as porcarias que aconteciam com o Conrado.
    Enfim, acho que gostar de música não significa que tu tenhas que ser um colecionador de música. São coisas diferentes. Voce pode gostar de ir direto a uma festa, ouvir um som, mesmo sem ter que "pegar" alguem, e voltar pra casa tranquilo, pois vc ouviu o som que gostava, ou entao ir na mesma festa, ouvir um som novo, e depois correr para descobrir que som era aquele, por que fez a sua cabeça e vocec curtiu pacas. Eu particularmente, sou colecionador e amante de música, portanto me encaixo nessa segunda definição.

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  3. Olá Marion!

    O gosto a que me refiro é o auditivo. Evidentemente que se provo alguma comida que não tenho o costume de comer, ela pode agradar imediatamente.

    Com a música isso também pode ocorrer, ou seja, agradar imediatamente, porém, acredito que isso apenas aconteça porque já tenha o costume de ouvir algo próximo daquilo, ou seja, haja uma pré-disposição. Por exemplo, suponhamos que você tenha o costume de ouvir heavy metal e um dia alguém te apresente uma música nova da Vanessa da Matta. Se durante sua infância, alguém que exercia uma grande influência sobre você, como um parente, tivesse o costume de ouvir, digamos, Gal Costa, aquela da Vanessa poderá cair bem de primeira. Porém, se não, entrará em conflito imediatamente com seu costume (auditivo) e causará repulsa ou indiferença. O que poderá mudar se você tiver boa vontade e interesse de "se acostumar" com aquele "novo" som.

    Já sobre as formas de ouvir, eu particularmente opto pelas duas, sem disperdícios.

    Abraço!

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  4. Vou tentar ir bem direto. Esse texto me fez lembrar de uma linha de raciocínio que tenho e é até ciência. Não quero brincar com deboche, mas eu gosto de mulher não porque fui acostumando com o contato com elas. Gosto por impulso natural, decorrente de sentimentos despertados internamente sem necessidade de experimentação prévea. Você não foi gostando de mulher progressivamente! Raciocío simples, apesar de bobo serve para explicar o que quero. Muitos prazeres surgem com umas ou mais experimentações mesmo. Elas gravam na mémória de imediato ou não a boa sensação que foi experimentar algo. Isso leva a repetição. Vc não nasce sabendo que chocolate é gostoso até o dia em que provar. Tudo bem. Mas vai ser bom ou ruim no momento em que provar. Música comigo sempre foi - "bateu e não bateu". Algumas coisas gastam uma ouvida minuciosa, mas chega um ponto que ouvir demais pra ver se agrada vão tornar falsas as sensações despertadas pela percepção da música.---Luciano

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  5. Olá Luciano, primeiramente, acho que o termo "costume" que utilizei gera muita variedade de interpretações e não deixou o texto claro. Acho que o mais apropriado seria dizer que o gosto é definido por padrões. Nosso cérebro se agrada daqueles padrões que já conhece e tem dificuldade em aceitar padrões novos (o bateu ou não bateu que vc citou).
    Entendo seu ponto de vista, mas ressalvo que instinto é uma coisa e gosto é outra. Veja: um recém nascido tem o instinto de se alimentar, mas como nunca comeu, não gosta de nada, ou seja, não tem padrões. Vai no leite materno e e encontra satisfação, não gosto, o gosto surge com a criação do padrão à partir da repetição. Nesse ponto, o único padrão que ele tem é o leite materno, qualquer outra coisa que vc der pra ele que não for nem remotamente próximo do gosto do leite materno (padrão), ele irá estranhar. Para gostar de outros alimentos ele terá que criar novos padrões, novamente pela repetição.

    O exemplo q vc usou para o chocolate poderia comprovar. Gostar de chocolate não está no simples fato de vc o experimentar, mas sim que seu cérebro tentará associar o gosto percebido a algum padrão já existente. Outro exemplo é a cerveja, dificilmente alguém gosta do primeiro copo. É exigida a repetição para gerar um novo padrão para tornar a bebida gostosa.

    Voltando para a música, nossos padrões são basicamente as músicas tonais que ouvimos desde bebês, se em algum momento de nossa vida ouvirmos algo atonal (como alguns trabalhos de Schoenberg, por exemplo), aquele padrão não existirá e causará o choque, ou no mínimo estranheza. Para gostar, devemos criar um novo padrão, e ele será criado com a repetição, mas vc tem toda a razão, a repetição por si só não é suficiente e tornaria falso, outros elementos fazem parte da equação.

    Desculpe, me extendi. Caso seja de interesse do blog, poderia escrever artigos tentando explanar melhor o que penso do assunto e aprofundar o debate.

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  6. Muito bom o post, Rodrigo. Entendi perfeitamente o que quis demonstrar.

    Eu, como fã de Return to Forever, Krisiun, Tim Maia, Jorge Ben, Rush e Beatles (não só), que tenho plena convicção que John Coltrane definitivamente não é uma boa trilha sonora de cervejada de faculdade, e que ainda estou começando a ter contato com o sistema dodecafônico, consegui enxergar com clareza esta questão que já havia notado empiricamente, porém ainda de forma tímida.

    Abraços

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  7. Sensacional esta frase:

    " ... tenho plena convicção que John Coltrane definitivamente não é uma boa trilha sonora de cervejada de faculdade ..."

    Abraço.

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  8. Miller, o caminho é esse mesmo. Eu também estou longe do entendimento completo, mas não paro nunca meu trajeto e tento não criar nenhum tipo de barreira. Estou publicando uma série aos domingos que tenta demonstrar os passos evolutivos que mentes musicais inquietas deram, dodecafonismo, serialismo, atonalismo são alguns temas abordados.

    Ricardo, John Coltrane é meu ídolo maior, inclusive estou lendo no momento o livro "A Love Supreme" que conta como foi concebido esse álbum sem precedentes. Taí uma sugestão para resenha de livro.

    Abração!

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  9. Rodrigo, tenho esse livro sobre o Coltrane, mas li pouco mais da metade. Tenho que terminá-lo.

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  10. Fantástico, esse texto!

    Creio que a palavra "prazer" costuma criar um pouco de confusão quando se fala de música.

    Creio que a força motriz do "gostar de música" é a sede de saber e ponto.

    A experiência prazeroza passa longe de mim quando ouço Mahavishnu Orquestra, que me causa inquietação, ou o Ernesto Nazareth, que me faz ter saudade do que nem vivi.

    Dizer que é prazeroso ouvir Angel of Death do Slayer é no mínimo uma sacanagem, embora seja uma obra artística brilhante!.

    Obrigado ao Ricardo e a todos que dividem o seu conhecimento nesse blog!

    Rogério Lama

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