Pink Floyd e The Wall: todos erguemos muros ao nosso redor, qual é o seu?


Sempre achei que grandes discos deveriam trazer boas sensações durante sua audição, seja lembrando de passagens marcantes de minha juventude, ou mesmo pelo simples prazer de ouvir pela primeira vez uma banda e conhecer novos sons. Mudei drasticamente de ideia ao ouvir pela primeira vez o aclamado álbum duplo da banda inglesa Pink Floyd, The Wall. 

Porque um disco que aborda, entre outros temas, o isolamento do mundo e das pessoas que nos cercam, tendo como metáfora a construção de um muro em torno de si, mexeu tanto comigo e com tantas pessoas que passam pela, ao mesmo tempo, maravilhosa e incômoda audição das 26 faixas deste álbum duplo?

Conheci The Wall em 2002. Apresentado a mim no ensino médio por um professor maluco de filosofia e fanático por óperas-rock (já havia conhecido por intermédio dele outro clássico, Tommy, do The Who). Por insistência levei o CD para casa, pois, segundo ele, seria “uma experiência transformadora para minha vida”. Mesmo sem acreditar muito em suas palavras proféticas, aceitei o desafio. Eu, acostumado a gostar de discos pela beleza da arte da capa à primeira vista, não poderia mesmo levar em consideração as afirmações de um docente "lunático" sobre um álbum que trazia estampado alguns tijolos brancos pichados como nome da banda e o título. Ao chegar em casa, coloquei-o no play para tocar. Mal sabia eu que ele estaria completamente certo e hoje, dez anos depois, ainda encaro a audição deste disco como uma experiência praticamente religiosa.

Lançado originalmente em 1979 sob concepção quase ditatorial do baixista Roger Waters, The Wall se tornou o álbum duplo mais vendido da história. Não entrarei aqui nos detalhes históricos a respeito de sua criação, pois informações como essa são encontradas facilmente pela internet. O que gostaria de compartilhar nessas linhas são os sentimentos que o disco me proporciona no decorrer de sua audição.




Voltando ao primeiro contato, mesmo sem entender nada acerca das letras do álbum, a melancólica introdução seguida dos primeiros e imponentes acordes de "In the Flesh" causaram um impacto sobre minha pessoa que até hoje disco nenhum causou. Ouvi o restante sendo levado pelas sensações que cada música proporcionava, finalizando com a mesma melancolia do começo em "Outside the Wall". Precisei ouvi-lo mais algumas dezenas de vezes e pesquisar sobre a história do personagem Pink para assimilar a experiência por completo, e tamanha foi minha surpresa ao descobrir que o muro construído ao redor de Pink poderia ser erguido ao redor de qualquer um que aceitasse a experiência, assim como eu aceitei.

Sem conter nenhuma mensagem messiânica, o disco retrata vivências que muitos de nós provavelmente já tivemos, como uma mãe superprotetora, professores que maltratam seus alunos, o dor de perder o pai e de sentir a falta dele em seu crescimento e formação, o drama da dependência química e das alucinações que as drogas provocam - enfim, o isolamento do mundo em qualquer forma.

Impossível não se lembrar daquele professor fdp dos tempos de escola ao ouvir "Another Brick in the Wall", a única que eu conhecia antes de ouvir esse disco. Assim como em "Mother" também é impossível não lembrar daqueles momentos em que nossa mãe nos protegia, praticamente formando quase que literalmente um muro ao nosso redor, de forma que nada nem ninguém nos atingisse. The Wall toca profundamente em nossas emoções, e é impossível ouvir o disco apenas como passatempo ou distração, pois uma vez envolvido na história você se identifica imediatamente com o drama de Pink em algum momento.

Como não cantar junto com David Gilmour o refrão de "Young Lust" a plenos pulmões, em momentos que queremos esquecer do mundo e apenas nos divertir: "Uh, I need a dirty woman... uh, I need a dirty girl!". Aquela mudança súbita de comportamento, onde por vezes nos tornamos até mesmo agressivos com as pessoas mais próximas, é retratada fielmente em "One of My Turns", assim como aquele pedido desesperado de ajuda, sempre sem resposta como o personagem, já completamente isolado do mundo e da realidade em "Hey You". E até aí só estamos na metade da experiência ... 


A viagem não seria completa sem que antes embarquemos no fantástico solo de David Gilmour em "Comfortably Numb", e o que vem a seguir é uma sequência de sensações onde, imersos e paradoxalmente indefesos pelo mesmo muro que construímos para nos proteger, culminamos como réus em "The Trial". Condenados a quebrar o muro e nos abrir para o mundo, percebemos que tudo o que precisamos na verdade se encontra mesmo do lado de fora dele.
 
 

Mais do que um simples álbum, The Wall é uma exposição, sem uso de meias palavras, de nossas fraquezas, na maioria das vezes alimentadas por nós mesmos e por aqueles que mais temos contato e trocamos relações de afeto no decorrer de nossas vidas.

A quem se interessar, recomendo também o filme homônimo de 1982, sob direção de Alan Parker. Nele, temos a personificação dos sentimentos pelo protagonista, interpretado de forma magnífica por Bob Geldof. A experiência audiovisual da película é tão emocionante quanto somente a audição do disco duplo.

Como disse no começo deste texto, a partir de The Wall passei a encarar o desafio de ouvir esse disco e vários outros como mais do que uma simples distração ou passatempo, mas sim como uma experiência árdua, mas que no fim causa uma inexplicável sensação de libertação, e de que existe sim vida e pessoas que nos amam "outside the wall", assim como diz a letra Roger Waters que encerra esta obra marcante:“All alone, or in twos, the ones who really love you, walk up and down outside the wall …”


(por Tiago Seven)

Comentários

  1. é verdade cara.. depois que eu conheci Pink Floyd (com 16 anos) mudei completamente de vida! parece um pouco radical né? mas depois de fumar um baseado para esquecer dos problemas e botar para tocar The Wall Movie (que é o filme) minha vida mudou a partir dali, minha cultura, passei a olhar a vida com outros olhares.. e não só do The Wall, mas sim The Dark Side, Meddle, Animals, Wish You e quase todos seus álbuns.. As vezes parece que sou maluco, mas só botar pra tocar um Pink que já me sinto em casa..
    Sem falar que, na minha opinião, pessoas que levam as musicas da banda como cultura, são mais inteligentes, sabe dos defeitos do mundo, sabe do sistema que vivemos, pra ser mais direto, são pessoas mais intelectuais. É uma conversa diferente, voce percebe isso, os valores dessa pessoa é diferente.. Essa é minha opinião.
    E gostei do seu professor de Filosofia hahaha

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