Black Sabbath e Megadeth (Campo de Marte, São Paulo, 11/10/2013)

- Nos reunimos e começamos a tocar. E que barulho era aquilo. Eu nem sabia o que Geezer estava tocando. Ele tinha uma guitarra Telecaster comum, tentando tocar baixo com aquilo. Eu me perguntava: o que estamos fazendo aqui? Mas fomos persistentes (...) Tocamos todo tipo de blues e jazz e aquilo parecia evoluir para este som... sabíamos que era algo novo quando tocamos as canções pela primeira vez - elas soavam diferente de qualquer coisa que qualquer pessoa estivesse fazendo naquela época. Mas não tínhamos a menor ideia para onde iríamos com aquilo. Tocávamos daquela maneira porque gostávamos da forma que soava. Nós curtíamos aquilo.

Incrível como o show do Black Sabbath em São Paulo corrobora o relato acima, concedido por Tony Iommi ao escritor britânico Joel Mciver e que pode ser lido logo nas páginas iniciais da biografia Sabbath Bloody Sabbath (2006). De certa forma, as palavras do guitarrista soam um tanto quanto ingênuas e batidas. Algo que qualquer músico iniciante costuma reproduzir. Porém, são encharcadas de precisão e realidade. Ainda que passados quase 45 anos desde a gênese, o som da banda permanece diferente de tudo. E novo como se tivesse sido forjado ontem.

Além dessas duas constatações, a conclusão principal fica para o encerramento do trecho. "Nós curtíamos aquilo". Quem esteve no Campo de Marte na última sexta-feira, 11 de outubro, naturalmente saiu com a certeza explícita de que Iommi, Ozzy Osbourne e Geezer Butler ainda têm a maior satisfação possível em reproduzir ao vivo o que criaram há mais de quatro décadas. Hinos do hard rock/heavy metal. Sim, os caras ainda curtem isso.


Bastava olhar, a cada palhetada, o sorriso de canto de boca sarcástico e malévolo de um sisudo Tony Iommi para perceber o quanto ele reverencia a própria criação. Mais do que qualquer um dos 70 mil presentes. Iommi queima por dentro. Seus olhos - e seu crucifixo - brilham como uma cidade à noite. A real personificação do mal por meio de riffs mais pesados que o céu... e o inferno.

Geezer Butler e Ozzy Osbourne poderiam facilmente ser meros coadjuvantes diante do monstro sobrenatural que - atualmente - ocupa a ponta esquerda do palco. Não o são. Tanto que Ozzy conquistou o direito de ficar no meio dos dois e hoje, acertadamente, figura na porção central do tablado. À direita, Geezer empunha seu instrumento da condição de um dos baixistas mais subestimados da história. Nunca teve a grife de nomes como Jonh Paul Jones, Jack Bruce ou John Entwistle, mas bate de frente com os três numa boa.


Contudo, antes dessa tríade entrar em ação ao lado do excelente Tommy Clufetos na bateria, houve tempo para uma hora de Megadeth. Dentre o público, a maioria sequer lembrava que a banda iria tocar. Muitos se ligaram só com as primeiras notas de "Hangar 18". Por outro lado, era possível detectar também alguns que foram mais por Dave Mustaine e cia. Poucos, mas que se fizeram notar. Por incrível que pareça. E, a despeito do som baixo da guitarra de Mustaine, faça-se justiça: a apresentação foi eficiente. Recheada basicamente pelos maiores clássicos, como "Holy Wars... The Punishment Due", "Symphony of Destruction", "In My Darkest Hour" e "Peace Sells", possibilitou à banda protagonizar um bom show de aquecimento. Ainda mais se lembrarmos que a junção dos fatores "Mustaine" e "ao vivo" tende a gerar "tragédia" como produto.

Era chegada, então, a hora da verdade. Todo mundo sabia os detalhes de cada canção, a ordem do set list, a disposição do palco, o desenrolar da performance, mas ainda assim havia certa apreensão. Uma coisa é conhecer isso no papel. Outra é ver in loco. Só que nada que começa com "War Pigs" pode dar errado. E, logicamente, não deu. Depois da pedrada inicial, a sequência veio com a pesadíssima "Into the Void", além de "Under the Sun" e "Snowblind", as duas únicas representantes do melhor disco do Sabbath: Vol 4 (1972).


Coube a "Age of Reason", uma das mais fracas de 13 (2013), ser justamente apresentada como a primeira do disco novo, algo que esfriou um pouco o início triunfal. Para levar o delírio e a insanidade ao topo novamente, uma trinca do álbum de estreia: "Black Sabbath", "Behind the Wall of Sleep" e "N.I.B". Simplesmente indescritível o clima fúnebre gerado pela faixa homônima à banda, bem como o a perfeição do solo de "N.I.B". Se alguém ainda tinha dúvida de que o heavy metal nasceu no dia 13 de fevereiro de 1970, creio que tal problema foi mais do que corrigido.

"End of the Beginning" precedeu outra trinca de um mesmo disco, desta vez Paranoid (1970): "Fairies Wear Boots", "Rat Salad" - acompanhada do solo de bateria de Clufetos - e "Iron Man", cantada em algo além do que pode ser chamado de uníssono. "God is Dead?" e "Dirty Women", a única pertencente a um disco pós-1972 a ser tocada - à exceção das três novas, claro -, prepararam o terreno para o arraso que foi "Children of the Grave". Para fechar, indiscutivelmente o maior clássico do Sabbath: "Paranoid", que tomou de assalto o Campo de Marte, não sem antes ser precedida pelo riff inicial de "Sabbath Bloody Sabbath", onde Tony Iommi deixa 70 mil indivíduos com água na boca. O desfecho definitivo? "Zeitgeist" sendo executada pelo som mecânico.


Algum ponto negativo? Não sei se a expressão correta seria essa, mas o fato é que cabem e são pertinentes algumas observações. Primeiro, "Under the Sun" teve seu finalzinho, geralmente chamado de "Every Day Comes and Goes" limado sem dó. Uma grande pena. Segundo, é muito fácil entender os motivos que levaram a banda a não tocar nada de Sabbath Bloody Sabbath (1973), Sabotage (1975) e, principalmente, Never Say Die (1978). Na hora de selecionar os melhores momentos da carreira, ninguém vai querer pegar aqueles em que a atuação até foi boa, mas o ambiente e o relacionamento eram péssimos. Só que, se houve espaço até para uma do Technical Ecstay (1978), ao menos "Sabbath Bloody Sabbath" e "Symptom of the Universe", de longe as melhores de seus respectivos discos, poderiam ter rolado. 

Para abrir esse espaço, bastava terem tocado músicas menores de 13. Juntas, "End of the Beginning", "God is Dead?" e "Age of Reason" somam quase 24 minutos. Média de oito minutos para cada. O disco novo é ótimo e extremamente relevante. Justamente por isso, poderia ter sido contemplado com outras melhores. Quem mantivessem "God is Dead?", já que é o principal single do trabalho, mas ao lado de "Loner" e "Live Forever", por exemplo, mais diretas, urgentes e que funcionam muito melhor ao vivo - como pode ser conferido aqui.


Por falar em 13, o show apenas comprova um claro equívoco cometido no disco. Tommy Clufetos está anos-luz à frente de Brad Wilk e deveria tê-lo gravado. Brad até fez um trabalho razoável, mas Tommy é fenomenal e teria elevado as linhas de bateria a um outro patamar. Sem falar no quesito identificação, já que o cara parece um Bill Ward mais novo e vivendo o auge.

Apontamentos, no entanto, que em nada diminuem o show. Por duas inesquecíveis horas do dia 11 de outubro de 2013, entre 21h e 23h, o Black Sabbath reinou absoluto. Acompanhados de um baterista acima da média, Tony Iommi, Geezer Butler e Ozzy Osbourne, três sujeitos de Aston, um cinzento distrito de Birmingham, na Inglaterra, destilaram a magia ímpar de sua música. E, como gigantes, caminharam incólumes sobre São Paulo.

Setlists

Megadeth: "Hangar 18", "Wake Up Dead", "In My Darkest Hour", "She-Wolf", "Sweating Bullets", "Kingmaker", "Tornado of Souls", "Symphony of Destruction", "Peace Sells" e "Holy Wars... The Punishment Due"

Black Sabbath: "War Pigs", "Into the Void", "Under the Sun", "Snowblind", "Age of Reason", "Black Sabbath", "Behind the Wall of Sleep", "N.I.B", "End of the Beginning", "Fairies Wear Boots", "Rat salad" (+ solo de Tommy Clufetos), "Iron Man", "God Is Dead?", "Dirty Women", "Children of the Grave", into de "Sabbath Bloody Sabbath" e "Paranoid"(+ "Zeitgeist" no som mecânico)


Por Guilherme Gonçalves

Comentários

  1. Cara...muito legal o texto !!!
    Eu não fui ao show...mas fico muito contente com o reconhecimento que o Black Sabbath tem hj !!!! Mais do que justo...vale lembrar que a banda era considerada um dinossauro ultrapassado e sem valor durante boa parte das décadas de 80 e 90 ... a justiça pode tardar...mas não falha !!!!

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  2. Um espetáculo foi à perfomance do Black Sabbath, valeu a pena cada centavo, dia de espera e horas na estrada para assistir essa célebre banda.

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  3. Sobre o show e banda, qualquer palavra dita não será capaz de reproduzir a realidade do momento.

    Quem esteve lá sabe disso.

    O Black Sabbath é o pai do Heavy Metal e deu aula semana passada.

    Menções a serem feitas:

    1- Acho que não rolou "Sabbath Bloody Sabbath" e "Symptom of the Universe" ou algumas músicas dessa época porque o vocal do Ozzy não chega mais nesse tom, é muito alto pra ele.

    2- O Campo de Marte é um péssimo lugar para entrar, assistir e sair de um evento desse porte. Horrível. Solo de cascalho, grama e asfalto, terreno nada plano e a saída foi um caos. O Anhembi seria infinitamente mais apropriado para esse evento.

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  4. Caraca eu tava lá há uma semana... nem acredito que noite incrível,Surpeendente, satânica, faltam elogios. Eu tava c/ meus irmãos um de sangue mesmo e outros três de consideração e posso dizer que foi o show da minha vida e um dos grandes momentos da mesma. Em algumas vezes eu gritava "É AO VIVO!! É AO VIVO!!" de tão surpreso que eu estava de ver estes SENHORES tocarem as música que eu venéro a tantos anos, bem ali na minha frente, AO VIVO!! Simplesmente inesquecível!!

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  5. Seu texto, Guilherme, sem dúvida, é muito bom. Estive lá também e foi exatamente essa a atmosfera que experimentei. Mas discordo quanto aos "pontos negativos" que você observou quanto ao show. Na minha humilde opinião, não houve nada que pudesse ser classificado como negativo, quanto ao que aconteceu no palco. Irrepreensível! Mas fora do palco... Há muitos pontos negativos: o local era inadequado para um espetáculo daquela magnitude. Piso irregular, palco baixo, banheiros inoperantes; a "front house" tirou muito da visão dos que estavam na pista comum, sem falar nos pobres coitados que chegaram por último - estes nem viram, nem ouviram o show. Alimentação? O que falar de um hot dog ou cheesburger ou cone de batatas fritas (com 12 batatas, rsrsrs) a R$ 12,00 ou um refrigerante a R$ 6,00 e cerveja (ainda bem que era Bud) a R$ 8,00? Agora, na hora de sair: inferno na Terra! Quase uma hora para sair do local, a passo de pinguim; estação Carandirú fechada para as pessoas que queriam voltar para casa... Eu mesmo, que não moro tão longe, demorei 3 horas para chegar em casa, isso porquê boa parte do percurso fiz a pé!

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  6. Lucas S e David Dias,

    É verdade, essa questão relacionada a problemas estruturais do Campo de Marte pode ser encaixada como um dos 'pontos negativos'. Ouvi isso de muito gente.

    Só não o fiz no texto porque acabei ficando na pista premium e, pelo menos lá, foi tudo tranquilo. Ou seja, eu não teria propriedade suficiente para relatar os problemas da pista comum. E também não tive como apurar isso de forma criteriosa. Mas que muita gente reclamou, isso é verdade...

    Uma pena.

    Valeu por acrescentarem esses detalhes aqui!

    Abraços!

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