M:pire of Evil (Rio Rock & Blues Club, Rio de Janeiro, 14/11/2013)


Na última quinta-feira, 14 de novembro, o Centro do Rio de Janeiro foi tomado de assalto pelos headbangers locais, que puderam optar entre assistir Andre Matos e banda executarem o clássico Angels Cry na íntegra ou testemunhar algo ainda mais histórico: a passagem do legítimo império do mal por solo carioca. Estou falando do M:pire of Evil, que conta com ninguém menos que Mantas, guitarrista e fundador do Venom — logo, pai do black metal —, e Tony Dolan, o Demolition Man, que foi vocalista e baixista do grupo de 1989 a 1992. O palco escolhido foi o do Rio Rock & Blues Club, que é, em todos os aspectos, a melhor opção para shows de pequeno a médio porte na cidade. 

Com 15 anos de estrada e três álbuns na bagagem, os cariocas do Farscape foram encarregados de iniciar os trabalhos com seu thrash metal de categoria alemã. Depois de aproximadamente uma hora de show, o quarteto deixa o palco e todos os cerca de 100 presentes — numa faixa etária que variava de "estive na grade quando o Venom abriu para o Exciter no Maracanãzinho em 1986" a "só estou aqui por causa do meu pai metaleiro" — devidamente aquecidos. 

Mantas, Dolan e o batera JXN deram as caras pouco antes da meia-noite e o que se viu e ouviu foi um verdadeiro duelo entre o som ensurdecedor que vinha dos amplificadores e os gritos desesperados de uma turma sedenta por brutalidade. Dolan parece trazer seu vociferar das profundezas de um abismo enquanto Mantas mostra que é rock n' roll até o talo bangueando de óculos. Baixo e bateria eram o próprio trem desgovernado em rota de colisão. A guitarra, por sua vez, soava como uma desova de corpos em cova rasa, mas ao final de cada canção, os únicos cadáveres no ambiente éramos nós, o público, gado de corte voluntário dos nossos ídolos imortais e açougueiros inigualáveis. 


No repertório, esperadas inclusões de sons de Hell to the Holy (2012) e Crucified (2013) e, é claro, uma avalanche de clássicos do Venom, saca só: "Die Hard", "Don't Burn the Witch", "Welcome to Hell" e, é claro, "Black Metal. Sem contar sons da fase Dolan como "Carnivorous" e "Temples of Ice", curiosamente anunciada com o Demolition Man suando em bicas. E por falar em anúncio, imagine um juiz lendo uma sentença: era assim que Dolan anunciava cada música. E ia de juiz a carrasco em questão de segundos, induzido pela marcação da bateria como se estivesse sendo possuído por alguma entidade maligna incorpora, então, o personagem ideal para letras e músicas tão aterrorizantes. 


Mas a grande estrela da noite era mesmo Mantas. Seu nome era entoado a cada intervalo e sua expressão indicava tanto surpresa quanto emoção. "Eu não estive aqui em 1986, mas espero compensar de alguma forma", disse, com a humildade que anda em falta no meio artístico não limitado ao rock. "Nós não existiríamos se não fosse por vocês. Obrigado por tudo!". Reconhecimento retribuído com palmas e mais gritos de "Mantas! Mantas! Mantas!". Para o bis, uma trinca digna do pote: "Countess Bathory", "Leave Me in Hell" e "In League with Satan", que vinha sendo pedida desde o início. Depois do show, Dolan e Mantas atenderam cada um, em quase uma hora de fotos e autógrafos, mostrando que, de fato, são gratos pelo suporte dos fãs no decorrer dos anos. 

E foi aí que eu consegui, com exclusividade, bater um papo com a dupla. Os caras são tão gente boa que eu poderia ter ficado lá por horas e horas, mas devido ao cansaço de ambos depois de duas horas de show e aos compromissos da turnê — o voo do grupo para São Paulo estava marcado para sábado de manhã —, tivemos apenas alguns minutos. Acompanhe: 

CR: Esta é a sua primeira vez no Rio de Janeiro. O que vocês acharam da cidade? 
TD: É uma cidade incrível. Passeamos o dia inteiro. Fomos ao Corcovado e almoçamos em uma ótima churrascaria. É, definitivamente, um lugar que todos deveriam conhecer. Não existem palavras suficientes para descrever o Rio. E onde quer que você olhe, há uma mulher bonita. As cariocas estão de parabéns. 

CR: E sobre o público carioca? Esperavam algo como o que tiveram? 
TD: Houve momentos em que eu mal conseguia me ouvir. Era tanta gritaria, o pessoal todo cantando junto. Rock n' roll para mim é essa troca de energia entre o artista e o público. 

(Tony levanta para ir beber algo) 

CR: Mantas, você é o autor de "Black Metal", canção que acabou emprestando seu nome para uma vertente do metal. Como se sente diante disso? 
JM: "Black Metal" é uma canção muito simples e direta. Eu não fazia ideia da dimensão que a coisa toda tomaria. Mas no rock é assim: certas músicas acabam virando hinos sem mais nem porquê. 

CR: O que você acha da cena Black Metal atual? 
JM: Eu vejo que o Black Metal de hoje em dia ultrapassou as barreiras da música e tornou-se algo quase que cultural. Existem pessoas que realmente vivem de acordo com as letras e todo o resto, mas o que me deixa mais contente é o fato de o Black Metal ter sobrevivido após tantos incidentes e permanecer forte no âmbito musical. 

CR: No palco você falou sobre a importância de valorizar a figura do fã. O que você tem a dizer para artistas e bandas que não tratam seus seguidores com o devido respeito? 
JM: Me recuso a dividir o palco com músicos que não partilhem do meu pensamento. Tudo que eu consegui na vida foi graças aos fãs, que compram meus discos e vão aos meus shows. A indústria musical só existe graças ao fã. Um artista de verdade tem consciência de quem sem os fãs não haveria nada. 

CR: Como está a relação com Cronos? 
JM: Não falo com ele desde 2005, quando dei a ele o direito de usar o nome Venom. Acredito que não tenhamos mais o que falar um com o outro. 

Com a casa fechando as portas, só tive tempo de agradecer Tony e Mantas e, é claro, tirar fotos com os caras, afinal, eu também me enquadro na categoria de fã, hehe 


Setlist:
01. Demone
02. Die Hard
03. Wake Up Dead
04. Don't Burn the Witch
05. Blackened Are the Priests
06. Carnivorous
07. Temples of Ice
08. Hell to the Holy
09. Welcome to Hell
10. Metal Messiah
11. Hellspawn
12. Creatures of Black
13. Black Metal
14. Witching Hour

Bis:
15. Countess Bathory
16. Leave Me in Hell
17. In League with Satan

Texto: Marcelo Vieira 
Fotos: Luan Sanchez e Filipe Barcelos

Comentários

  1. Esse show ficará na mente e alma dos cariocas pra sempre. Para mim, os dois principais motivos são: a humildade e competência dos caras! Jeff, Tony e Marc são demais!

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  2. Quando o Venom veio nos anos 80 para SP, Mantas não estava mais na banda....que sorte de vcs por vê-lo ao vivo!

    Anselmo
    minervapop.com

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  3. Excelente cobertura! Mantas é o cara e o metal extremo deve muito mesmo a ele aos antigos integrantes do Venom. Parabéns pela matéria e por não deixarem passar batido um evento desse porte, mesmo sendo underground, que queiramos ou não, é onde as coisas acontecem de verdade.

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