Boogarins: entrevista e cobertura do último show antes da turnê Estados Unidos/Europa

Fernando Almeida Filho, o Dinho, é de Apucarana (PR). Pouco moderno, fugiu do Sul. Foi em Goiânia que a vida do vocalista/guitarrista com pinta de Jimi Hendrix pôde se cruzar com a de outro músico das seis cordas: Benke Ferraz. Juntos, montaram o Boogarins, que começou como dupla e sem muita pretensão. Coisa de amigo de escola. Só depois chegaram o baixista Raphael Vaz, de Ceres (GO), e o baterista Hans Castro, de Araguaína (TO).

Assim como a união dos quatro é fruto de uma improvável mistura geográfica que encontrou ponto comum em Goiânia, a somatória de influências de cada um explica em partes o leque de gêneros que culminou na sonoridade peculiar do Boogarins. Rock, música brasileira e estética psicodélica formam apenas a tríade básica que caracteriza a banda. Há mais coisas por trás da musicalidade desses 'goianos'. Amizade e uma certa inocência, por exemplo.

O fato é que, há exato um ano, o Boogarins soltava o EP As Plantas que Curam, que depois foi estendido e virou full lenght lançado pelo selo Other Music Recording. Sem dúvida, uma das grandes estreias de 2013. A banda, constantemente comparada ao Tame Impala, estourou em um curto espaço de tempo e agora está prestes a embarcar para uma turnê de quase 60 datas por Estados Unidos e Europa. O show de despedida do Brasil foi sexta-feira (7/3), no Metropolis, em Goiânia. A Collector's Room marcou presença e bateu um papo com Benke, Dinho, Raphael e Hans. Confira a entrevista e também como foi a apresentação.


O que esperar dessa turnê, que será a primeira do Boogarins fora do Brasil?

Benke: Realmente é uma incógnita... Acredito que será boa, pois o disco tem sido vendido lá fora e gente de vários lugares tem pedido shows e interagido a respeito disso por redes sociais. São muitas datas, então tem também uma expectativa da gente se provar nessa experiência, ver como vamos nos sentir nessa rotina de shows. Nunca vivemos isso na nossa vida. Queremos conhecer o máximo de gente possível, ver o máximo de shows...

O fato de a banda cantar em português gera apreensão? Talvez uma recepção menos calorosa do que tem sido em Goiânia e outros lugares do Brasil?

Raphael: Acho que não. De jeito nenhum. Isso é um diferencial nosso. Muito da procura pelo disco lá fora vem do fato de as letras serem em português. Lá, somos exóticos. Não tem 'nêgo' bonito assim (risos). Isso contribui para o que a gente tem.

Dinho: Lá vai ser mais tranquilo ainda. Aqui é que temos que ter medo, pois o povo entende o que estamos cantando. Lá, ninguém vai entender nada. Então, é outro tipo de interação, de troca de energia, de convencimento do público.

Alguns shows serão em grandes festivais, como South by Southwest (Austin, EUA) e Primavera Sound (Barcelona, Espanha). Esses são realmente os mais esperados ou algum outro tem deixado vocês mais ansiosos?

Dinho: Três shows que abriremos para o Temples, banda que gostamos muito. Estou bem ansioso. Os shows em Londres também acho que serão bacanas. Com Vertical Scratchers...

Essa experiência nova pode influenciar no processo de composição?

Hans: Com certeza. São muitas coisas, bandas, lugares... Acaba influenciando um pouco.


O Boogarins ouve o quê?

Benke: Ouvimos muita coisa diferente. Na época da gravação do EP, estávamos ouvindo muito o primeiro disco do Syd Barret. Eu e o Dinho, principalmente. Na última viagem que fizemos para Brasília, fomos ouvindo Beastie Boys e Miles Davis. No repeat. Ouvimos também bandas que vamos conhecendo na estrada para ver o que está sendo feito. Difícil falar de um estilo só. Tenho procurado muita coisa nova que tem saído. Lançamentos do ano e música brasileira.

Dinho: Coisa demais. Tivemos um tempo viciados em Milton (Nascimento), Clube da Esquina e Lô Borges... Em viagens de carro, ouvimos Ariel Pink. Em casa, Velvet Underground.

Raphael: Música contemporânea e antiga. 

O Boogarins toca o quê?

Benke: Música brasileira de qualidade (risos). Rock. Eu falaria rock. Acho muito brega falar que é psicodélico. É rock de canção.

Dinho: Rock de menino novo. Se dizer psicodélico é fora do próprio psicodélico. Nosso rock é natural. Até entortamos um pouco nosso som, mas muito baseado no primeiro sentido. Psicodélico pra gente é ser natural. Algo que o Mutantes fazia no sentindo de desconstrução.

Benke: É psicodélico mais pelo jeito que o ouvinte apreende as coisas. No disco, nenhuma das músicas passa de quatro minutos. Não tem uma longa sessão instrumental. Concordo muito mais com o termo psych pop. Nosso som é acessível, fácil de assimilar. Ninguém precisa ficar se forçando a gostar. Só ao vivo é que improvisamos mais.

Raphael: Música brasileira de várias camadas (risos).

A música "Erre" tem uma veia até progressiva. É algo que vocês ouvem?

Benke: Ela tem mesmo esse ar, mas acho que mais pelo clima. Ao vivo, é uma das poucas que tocamos igual está no disco. Uma canção fechada. Tem introdução, verso, refrão, um interlúdio, que é a melodia da introdução... Depois repete e tem um solo no final. Nunca tocamos ela de um jeito diferente. Não é uma canção difícil. É pop. Já ouvi muito progressivo. Acho que o Dinho nem tanto. Ele acha chato.


Como pegar o que vocês ouvem e transformar no que tocam?

Hans: Vem de tudo que absorvemos. É como se mastigássemos isso tudo, desde o princípio, desde quando ouvia Metallica, aos dez anos, e tentar encaixar de alguma maneira.

Como é ter uma banda assim, cuja sonoridade é difícil de classificar, em uma cidade onde as bandas, em sua maioria, são stoner ou fazem questão de se dizer stoner?

Dinho: De uns dois anos para cá, isso tem mudado. Já tem menos e a tendência é diminuir. Já rolam outros sons em Goiânia. A cena pede stoner, mas existem várias outras bandas boas com outra sonoridade. Esse destaque que estamos tendo cantando em português também acho que encoraja muita gente a botar mais a cara, buscar outra pegada. Tem a Bruna Mendes, o Carne Doce, o Diego (de Moraes), que desde muito tempo vem rachando tudo aí com um som diferente. Quem viu o show dele em 2008, com certeza já deve estar aí montando uma banda por agora cantando em português e sem ser stoner. É tudo uma questão de formação. Tivemos vários anos de Mechanics, MQN... A molecada que viu isso, foi fazendo. Tipo Black Drawning Chalks, Hellbenders e várias outras. Mas o tempo vai passando, as pessoas vão vendo outros shows e coisas diferentes. A tendência é diminuir.

A banda começou só com Benke e Dinho. Como vocês se conheceram?

Dinho: Conheço o Benke desde 2008, quando ele entrou no CEFET e começamos a estudar juntos. Tocávamos violão e depois começamos a gravar. Sempre tivemos essa ligação por causa de música. Mostrar sons um para o outro.

Além de música, vocês compartilham algum outro interesse?

Dinho: Gravar coisas. Acaba ainda sendo música, mas é uma coisa que fazemos muito juntos. Já gravamos e mixamos outras bandas.

Quem compôs "Lucifernandis"?

Benke: O Dinho, a letra e a música.

Quem é Lucifernandis?

Dinho: É um trocadilho de um amigo meu da Vila Alzira. O trocadilho entre Luci e Fernandes, que vira Lúcifer. Essa é a onda. Dentro da canção, é quem você quiser.

Mas é um garoto ou uma garota?

Dinho: É sem sexo. Anjo não tem sexo.


Mutantes ou Novos Baianos?

Benke: Mutantes. Teve mais discos bons. Essa é consenso na banda.

Psicodélico americano ou psicodélico britânico?

Dinho: Britânico. Apesar de também ser muito fã do som da Costa Oeste dos Estados Unidos, os ingleses têm uma onda de experimentação muito absurda.

Caetano Veloso ou Gilberto Gil?

Raphael: Caetano. Mais original, né meu chapa? (risos) Ele tem pelo menos uns quatro discos que nenhum do Gil consegue ser melhor.

Dinho: Gil. Ele é menos fresco que o Caetano. Mais pau dentro.

Secos e Molhados ou Clube da Esquina?

Dinho: Clube da Esquina. O pessoal de Minas como um todo. O disco solo do Lô Borges, o 'disco do tênis', é frito demais. Beto Guedes também. Eles têm um timbre, uma coisa de canção e de voz que é demais. Minas é fino.

Tame Impala ou Temples?

Benke: Tame Impala

Quatro boas bandas brasileiras recentes?

Benke: Supercordas
Raphael: Luziluzia
Hans: Dona Onete
Dinho: Siba

Para terminar, não tem como não perguntar: ao idealizar o Boogarins, vocês já conheciam o Tame Impala? Qual tamanho da influência deles?

Benke: De início, não sacávamos. Eu, pelo menos, não sacava. A maioria das músicas já estavam prontas quando eles lançaram o último disco e aí tivemos mais contato. Depois disso, algumas, sim, tiveram influência, como "Erre".

Dinho: É isso. No começo, não, mas depois fritei a cabeça com o Tame Impala. Fiquei chocado. Parece muito com o primeiro do Pink Floyd. Virou uma influência.


O show

A apresentação do Boogarins tem evoluído bastante. Por mais que as canções sejam simples, não é tão fácil assim reproduzi-las ao vivo. Justamente pelo fato de serem singelas e pedirem cuidados minuciosos com melodias e arranjos. Além disso, não há teclado ou algo do tipo. Logo, as várias camas do 'rock de camadas' dos garotos dependem exclusivamente da guitarra de Benke e seus quase oito pedais de efeito. No estúdio, com computador, tecnologia e podendo repetir quantas vezes for necessário, é fácil. Barbada. No palco, a história é outra. E ele tem segurado a bronca e se saído muito bem. Robert Fripp certamente aprovaria.

Outro ponto positivo é a mescla entre as músicas. Canções dançantes, jams e as mais aclamadas - "Doce" e "Lucifernandis" - estão bem intercaladas, tornando a apresentação um tanto quanto homogênea e evitando cansaço. Dinho tem a plateia na palma da mão e vem se revelando cada vez mais um grande frontman, que toca, dança e interage. Sempre com sorriso contagiante. Muito carismático. Só não pode descuidar dos vocais, ainda que a proposta da banda seja não deixá-los 100% inteligíveis o tempo todo. Hans é preciso na batera, e Raphael preenche com um som forte de baixo os espaços na hora dos solos de Benke.

Além das já citadas "Doce" e "Lucifernandis", destaque obrigatório para "Infinu", "6 Mil Dias", "Despreocupar" e a genial "Resolvi Ir". Quem estiver de bobeira nos Estados Unidos ou em países como Inglaterra, Espanha, Itália, França, Bélgica, Holanda e Suíça de agora até maio, tem o dever de tentar pegar pelo menos uma das quase 60 datas da turnê. Satisfação garantida. Quem estiver aqui no Brasil mesmo, terá que aguardar até o Bananada, em Goiânia, no dia 17 de maio. E ir matando vontade ouvindo o As Plantas Que Curam.


Texto, fotos e vídeo de "6 Mil Dias" por Guilherme Gonçalves

Comentários

  1. Que ótima entrevista. Essa banda é realmente muito boa. Parabéns aos meninos e a você, Guilherme, pelo excelente trabalho.

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  2. Excelente entrevista! Essa banda merece todo o reconhecimento que tem, tomara que eles se deem bem lá fora e nos tragam excelentes discos futuramente.

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  3. Sensacional, parabéns pela entrevista, e sucesso extremo aos garotos Boogarins que vai ganhar o mundo.

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  4. é tipo isso.
    Esse povo sacou o show de verdade.

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  5. Batia banda, uma das melhores do Brasil.

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  6. E olha que eles não têm dois anos de banda.

    Curioso pra ver o que vem pela frente.

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  7. Não e porque o Dinho e meu sobrinho
    mais só fan da banda,parabéns pelo
    bom começo,boa sorte nessa turno.


    Williams de Almeida

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  8. Boa, Williams!

    O Dinho é muito talentoso...

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